Cepal recomenda priorizar a “proteção social universal” na América Latina

Gasto público para combater a queda da economia pela pandemia chegou a 24,7% do PIB total da América Latina, um nível nunca antes visto

Os ‘panos vermelhos da fome’ usados como protesto na Colômbia, fotografados em Bogotá em abril de 2020.John Vizcaino / ViewPress (Corbis via Getty Images)
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Para evitar que a pobreza continue aumentando e que os países percam a produtividade será preciso estender os apoios aos mais vulneráveis ainda que de modo mais estratégico, afirmou a Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal) em um relatório publicado na quarta-feira. Os governos precisarão gerar o financiamento para manter o gasto público frente à pandemia, sustentar uma política fiscal expansiva e desenvolver uma “nova orientação estratégica” do gasto. Os governos gastaram, em média, 4,6% em medidas para combater a crise.

O gasto governamental precisará ser investido em “transformar as economias e sociedades” da região para continuar enfrentando os efeitos da pandemia e impulsionar uma recuperação, diz o relatório. “Para avançar neste caminho do desenvolvimento, é necessário dar ao gasto público uma orientação estratégica que apoie a transformação produtiva, seja baseada em critérios de sustentabilidade ambiental e ao mesmo tempo priorize o desenvolvimento de sistemas de proteção social universal”.

“Os governos fizeram esforços fiscais muito importantes”, disse a secretária executiva da Cepal, Alicia Bárcena, na apresentação virtual do relatório em Santiago. “Os países investiram em média 4,6% do PIB. Alguns acima de 10%. Com isso, conseguiram mitigar alguns efeitos sociais e produtivos”, disse Bárcena, que também afirmou que as medidas fiscais devem se estender até mesmo a 2022 pela “persistência da pandemia e a fragilidade do processo de recuperação econômica. Mesmo tendo claro que as capacidades para manter estas políticas fiscais e monetárias expansivas são heterogêneas”.

Os governos na América Latina, em seu conjunto, gastaram mais em 2020 do que já foi visto, pelo menos, desde que esses dados começaram a ser registrados em 1950. As despesas públicas, ou seja, o gasto dos governos centrais, chegaram a 24,7% do Produto Interno Bruto (PIB) regional em 2020, nível mais alto desde que os dados fiscais compreensíveis começaram a ser publicados, informou a organização. A última vez que se chegou a um nível semelhante foi em 1983, durante a crise da dívida.

No fechamento do ano, diz a Cepal, as contas fiscais da região apresentavam “déficits significativos”, chegando, em média, a 6,9% negativos do PIB. Mais do que uma contração na renda pública, em forma de impostos e de outro tipo, o aumento na dívida se deve ao investimento feito em muitos países para combater o impacto da crise econômica ocasionada pelos confinamentos obrigatórios da pandemia.

“O fator fundamental desse resultado global foi o aumento do gasto público (3,3% do PIB) para lidar com a crise. Esses déficits fiscais exerceram sobre a dívida pública uma pressão que se traduziu em um aumento do nível de endividamento em 2020”, indica o relatório. A Cepal estima que a taxa de desemprego passou de 8,1% em 2019 a 10,7% em 2020, em grande parte pelo “fechamento maciço de empresas, particularmente de micro, pequenas e médias empresas”. Isso, junto com a queda do rendimento dos lares, gerou “um aumento sem precedentes” na pobreza. A taxa de pobreza aumentou de 30,5% em 2019 a 33,7% em 2020, e a de pobreza extrema passou de 11,3% a 12,5%. “Diante da gravidade da situação, nos países da região foram tomadas importantes medidas fiscais expansivas para atenuar o impacto social, produtivo e econômico da pandemia”, diz o relatório.

“Apesar do que se fala e se diz e de termos uma ideia de como irá se comportar o crescimento em 2021, não se conseguirá compensar a queda de 2020 e certamente o crescimento deste ano estará sujeito a fortes incertezas pelo acesso desigual às vacinas e também por um processo de vacinação mais complexo. E a própria eficácia das vacinas”, disse Bárcena. O desafio será conseguir financiamento, já que não se espera que a atividade econômica, que se traduz em rendimentos tributáveis, recupere a queda de 2020 neste ano”, acrescentou.

Um dos três capítulos do relatório fala sobre a desigualdade de gênero e a necessidade que existe na América Latina em focar o gasto nas mulheres para fechar brechas de desigualdade e pobreza. “A implementação do enfoque de gênero nos diferentes instrumentos tributários, o gasto e o financiamento é essencial para redistribuir os recursos, reorganizar o trabalho de reprodução social e mudar a realidade dos homens e das mulheres”, diz o relatório de 129 páginas.

A Cepal destaca o impacto que tiveram os subsídios e as transferências monetárias para ajudar as famílias e o setor produtivo. “Esses esforços de expansão do gasto contribuíram para atenuar o impacto da crise social e econômica e ocorreram em um contexto marcado por uma queda dos rendimentos públicos, aumento do déficit fiscal e aumento do nível da dívida pública”.

Países como a Colômbia e o México já abriram a possibilidade de passar uma reforma tributária para cobrir a brecha fiscal em seus rendimentos. Na Colômbia, em particular, a reforma proposta pelo presidente Iván Duque inclui fazer dos programas sociais desenvolvidos pela pandemia uma renda básica permanente. Regionalmente, a contração dos rendimentos totais representou 0,5% do PIB, de acordo com o relatório.

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