Por que mesmo com uma economia de lado a Bolsa bate um recorde atrás de outro?
Sucessivas quedas de juros fazem Bolsa ganhar de vez embalo entre os brasileiros que procuram mais rentabilidade para aplicar seu dinheiro, e número de investidores já chega a 1,5 milhão, o triplo de quatro anos atrás

A bolsa de valores brasileira vem batendo sucessivos recordes positivos. O último deles foi nesta segunda-feira (16), quando o Ibovespa, o principal índice, fechou acima dos 113.000 pontos, superando o recorde da semana passada. O clima de bom humor do mercado foi intensificado, nos últimos dias, com a sinalização de negociações comerciais entre Estados Unidos e China e também com a melhora da perspectiva do rating do Brasil - o selo de bom pagador, que o país perdeu em 2015 - pela agência S&P. Nesta segunda, a notícia do menor risco país em nove anos também aumentou o entusiasmo de investidores. Até o início do mês, o Ibovespa, que representa mais de 80% das operações da Bolsa, já tinha registrado uma alta anual de 26%.
O tamanho do otimismo e da euforia do mercado financeiro ainda não se reflete, no entanto, na economia real. Apesar de ter apresentado resultados positivos neste ano, a atividade econômica brasileira cresce a passos lentos – deve avançar apenas 1% em 2019- e ainda está longe de atingir o patamar anterior à recessão econômica. A fila do desemprego no país também não dá trégua: 12,4 milhões de pessoas continuam desocupadas. Mas, por que mesmo com uma economia andando de lado, a Bolsa segue registrando tantas altas?
Para os especialistas consultados pelo EL PAÍS, ainda que o Brasil esteja se recuperando da pior recessão da história recente, há uma mudança nas expectativas desde o impeachment da ex-presidenta Dilma Rousseff com os agentes de mercado apostando numa melhora da economia no médio e longo prazo diante de agendas de reformas. O fato explica também porque essa trajetória de alta da Bolsa foi iniciada justo em 2016, quando Dilma deixou o poder. Outro fator, no entanto, crucial para esse movimento é a forte queda na taxa básica de juros ( a Selic), que saiu de 14,25% em 2016 para 4,5% - menor nível histórico- no fim deste ano. O que fez com que vários investidores deixassem as aplicações em renda fixa – atraente em cenários de juros altos- e migrassem para o mercado de ações para ver seu dinheiro render um pouco mais.
Na avaliação de Ricardo Teixeira, coordenador do MBA de Gestão Financeira da Fundação Getúlio Vargas (FGV), com a temporada de juros baixos as pessoas estão percebendo que precisam partir para opções com maior retorno, ainda que isso represente maior risco. “Como a Selic continua sinalizando uma trajetória de baixa, o mercado de ações começa a ser muito mais atraente”, explica. Parte dessa atração fez com que o número de investidores na Bolsa triplicasse nos últimos quatro anos, passando de 564.000 para mais de 1,5 milhão.
Teixeira destaca que é uma mudança radical em relação à forma preferida, pela média dos brasileiros, de aplicar recursos financeiros. E, de acordo com ele, vai requerer muita educação financeira e uma legislação que evite as tentativas de fraude. Para ele, o investidor brasileiro (principalmente aquele jovem que tem foco na formação de uma poupança para suportar o período de aposentadoria) vai precisar aprender a conviver com um risco maior e uma visão de mais longo prazo.
“Até pouco tempo, era confortável para o investimento colocar o dinheiro em títulos do Governo, em renda fixa, ficar vendo TV, e ganhando dinheiro com risco zero. Quando a gente coloca os juros baixo deixa de ser interessante. Quem quer rendimento maior, terá que tomar riscos e e alternativa é a Bolsa”, concorda o professor da Faculdade Fipecafi, Diogo Carneiro.
Na avaliação de Carneiro, as operações na Bolsa crescem porque as alternativas estão ruins. “Ela está subindo exatamente pelo mesmo motivo que o presidente Jair Bolsonaro foi eleito, ou seja, falta de opção”, diz. O professor da Fipecafi destaca que o mercado já esta resignado de que não haverá um boom de crescimento, mas a expectativa volta a crescer diante de alguns dados positivos, como o consumo das famílias que está aumentando e deve seguir essa trajetória no ano que vem com os juros mais baixos.
Juros do cartão e cheque especial nas alturas
Ainda que, na prática, a queda da taxa Selic não chegue rapidamente ao consumidor final, ela influencia a longo prazo na queda dos juros de empréstimos e do cartão de crédito, por exemplo. Mas no curto prazo, fatores como a inadimplência e a concentração de bancos mantêm as taxas nas alturas. A taxa média do rotativo do cartão de crédito, por exemplo, subiu 9,4% entre setembro e outubro, chegando a 317,2% ao ano. Já o patamar dos juros do cheque especial caiu 1,7% em outubro, comparado a agosto, mas é altíssimo, de 305,9% ao ano.
Carneiro ressalta ainda que o cenário externo de guerra comercial cria uma instabilidade grande para muitos mercados fortes no mundo todo. E que, por enquanto, o Brasil ainda não se vê afetado pelas ondas de protestos na própria América Latina. “Começamos o ano achando que teríamos uma série de medidas encaminhadas rapidamente, mas após três meses já veio a decepção. Se o Governo tivesse um discurso mais coeso, com um alinhamento no Legislativo, a Bolsa poderia estar com um humor ainda melhor. A gente perde potencial", conclui.