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A força que não nos acompanha: o caso de Einstein contra os Jedi

Ela é ensinada nas escolas, muito útil para inúmeras aplicações e acessível para começar a entender os segredos do universo, mas está superada: a força gravitacional não existe

Diversas imagens de uma mesma galáxia captadas pelo telescópio Hubble.
Diversas imagens de uma mesma galáxia captadas pelo telescópio Hubble.ESA/Hubble
Pablo G. Pérez González

A física se propõe a conhecer e descrever todos os fenômenos da natureza e do universo, formulando seus princípios e teorias através da linguagem matemática para poder predizer e utilizar seu comportamento. Por definição, todas as teorias científicas podem ser refutadas, mas, inclusive quando isso ocorre, muitas vezes não se pode dizer que sejam errôneas ou mentirosas. Melhor é entender a utilidade das teorias físicas e suas limitações. Falamos hoje de uma das leis mais conhecidas da física, de algo que já está em nosso acervo cultural, a chamada “força da gravidade”, que não existe como tal segundo as teorias físicas mais avançadas.

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Novembro de 1915, Revista da Academia Prussiana de Ciências, página 315: Einstein apresenta o primeiro de quatro artigos sobre uma nova e revolucionária ideia, a Teoria Geral da Relatividade. Desde o título do primeiro artigo ele já identificava a astronomia como o ramo científico onde seria possível comprovar seus postulados. Basicamente, nestes artigos Einstein nos diz que tudo aquilo que ainda hoje aprendemos no colégio a respeito da gravidade é um conto da carochinha. Bom, sejamos um pouco mais suaves: trata-se de uma aproximação, já que, na verdade, a força gravitacional não existe, é uma ilusão.

A Lei da Gravitação de Newton funciona muito bem para descrever o movimento do Sol no céu, o voo dos aviões ou as comunicações por satélite, embora neste último caso já comecemos a enxergar suas limitações. Esta lei, que tem mais de 300 anos, nos dá o valor da aceleração de um corpo sujeito ao que denomina força gravitacional, criada por toda e qualquer massa. Mas Einstein nos disse que a gravidade não é uma força real, e que o aquilo que Newton nos ensinou e hoje cai no vestibular não funciona bem nem para descrever movimentos a velocidades próximas à da luz, nem quando utilizamos como sistema de referência algo que tem alguma aceleração, o que é basicamente… tudo.

Para Newton e para qualquer mortal com conhecimentos básicos de física, algo que está parado só pode começar a se mover se houver a aplicação de uma força sobre esse corpo. De maneira análoga, algo que se move, como a Terra ao redor do Sol, só varia seu movimento e rompe sua inércia, descrevendo uma órbita fechada, se alguma força for exercida. Para a Relatividade Geral, a Terra não rompe sua inércia sob a ação da força gravitacional do Sol, mas sim é a massa do Sol (e tudo o que existe) que curva o espaço-tempo, e nosso planeta se move da forma como esse espaço-tempo curvo permite. Não há forças entre objetos; são forças fictícias, resultantes de o espaço-tempo funcionar como uma massinha de modelar esculpida por corpos com massa.

Voltemos à página 315 da Revista da Academia Prussiana de Ciências. Einstein nos fala de algumas das implicações do seu novo paradigma. Em um universo que se curva pelo efeito da massa (ou da energia), os fótons criados pelas estrelas, por exemplo, seguem trajetórias afetadas por essa curvatura. Em princípio deveríamos estar acostumados a que os raios de luz mudem de trajetória, pois é algo que podemos comprovar em uma piscina. Observamos o fundo de maneira nítida quando a água está totalmente tranquila. Mas, se ela se agita, se houver ondas, os raios de luz que vêm do fundo mudam de direção e tudo se torna impreciso. A diferença em relação à proposta de Einstein é que, mesmo se a luz não tiver que atravessar nada, se só houver um vácuo por onde transitam os fótons, o espaço-tempo pode estar curvado por uma massa mais ou menos próxima, e os raios de luz se movem segundo determina essa curvatura. O espaço-tempo seria como uma montanha-russa, e nada que se mova poderia se separar da curvatura imposta por seus trilhos.

Nos anos posteriores à sua publicação, muitos cientistas tentaram comprovar a inovadora teoria de Einstein. Sir Arthur Eddington, famoso físico inglês, concebeu para isso um experimento durante um eclipse. Eddington teve que superar contratempos para comprovar a Relatividade, como uma Guerra Mundial, na qual tentou de várias maneiras não servir, alegando motivos religiosos e também a necessidade de fazer seus experimentos sobre a Relatividade Geral. Mas finalmente, em 29 de maio de 1919, durante um eclipse especial, o mais longo em mais de 500 anos, Eddington foi a uma ilha africana chamada Príncipe para comprovar o que Einstein havia escrito quatro anos antes.

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Um toró despencou em Príncipe naquele dia, mas o céu se abriu o suficiente para registrar com placa fotográfica, através de um telescópio, uma imagem na qual se viam estrelas da constelação de Touro bem ao lado do Sol. As estrelas não podem ser vistas de dia, porque a luz do Sol as ofusca e impede que nossos telescópios ópticos as detectem, por serem muito mais fracas que a luz do dia. Mas, durante um eclipse, a grande fonte de luz do céu fica oculta e podemos enxergar as estrelas do firmamento. Eddington pôde observar várias estrelas próximas ao então oculto disco solar, medindo de maneira relativa a posição com relação a outras mais separadas do Sol. E o que descobriu foi que a posição tinha variado muito pouco, 1,75 arcossegundo, o equivalente a se posicionar na bandeirinha de escanteio de um campo de futebol e observar à distância uma grama crescer durante uma hora sob as traves. Esta diferença era totalmente consistente com as previsões da Teoria de Relatividade Geral de Einstein. O Sol, efetivamente, curva o espaço-tempo, e os raios de luz que passam perto dele têm sua direção alterada, de modo que as estrelas parecem estar em uma posição diferente da real.

O fenômeno natural da gravidade, concluímos, está muito melhor descrito pela Relatividade, que estabelece que não é uma força. Isto joga por terra o que Newton descreveu e os colégios continuam ensinando. A visão newtoniana da gravidade fica gravada nas mentes dos alunos, por isso depois é muito difícil fazê-los entender a distorção do espaço-tempo ou o conceito de um tempo não absoluto. É importante entender de onde vêm os conceitos na ciência, e as contribuições do físico inglês não deveriam deixar de ser ensinadas, mas sem que isto signifique evitar nossa atual visão mais precisa da natureza. A força gravitacional não nos acompanha, para tristeza dos Jedi. A coisa está mais perto do que dizem os mandalorianos: “Esta é a forma” (da gravidade e do espaço-tempo).

Pablo G. Pérez González é pesquisador do Centro de Astrobiologia, ligado ao CSIC (agência espanhola de pesquisa científica), e do Instituto Nacional de Técnica Aeroespacial (CAB/CSIC-INTA) da Espanha.

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