Cientistas em guerra: Newton, Leibniz e o cálculo infinitesimal
A briga mostrou Newton colossal, vingativo e complexo; o cientista, mas também o mago e o místico
A disputa mais célebre da história da ciência foi protagonizada por Isaac Newton e Gottfried Leibniz há 300 anos. O objetivo da árdua briga, que marcou o procedimento para resolver – ou pelo menos tentar – conflitos posteriores desse tipo, era determinar a prioridade no descobrimento do cálculo infinitesimal. Foi nessa polêmica que Newton cunhou uma frase que ainda seria ouvida muitas vezes: “Os segundos inventores não têm direitos.”
O cálculo infinitesimal é uma ferramenta científica e tecnológica do mais alto nível, sem dúvida a mais poderosa e eficaz para o estudo da natureza já desenvolvida pelos matemáticos. Considera-se que Newton e Leibniz o descobriram porque: (1) sintetizaram dois conceitos que hoje denominamos derivada e integral, (2) desenvolveram as ferramentas que permitem manejá-los, (3) mostraram que são conceitos inversos – a isto se chama o teorema fundamental do cálculo –, e (4) ensinaram como utilizá-los para resolver de forma unificada um enorme catálogo de problemas que até então eram estudados caso a caso. O cálculo infinitesimal transformou em meros exercícios ao alcance de um estudante de Bacharelado problemas cuja resolução requeria o gênio de um Arquimedes, um Galileu, um Fermat ou um Pascal.
A polêmica foi áspera, e, por vezes, muito suja
O objeto da disputa entre Newton e Leibniz certamente valia a briga. A polêmica foi áspera, e, por vezes, muito suja. Refletiu a singularidade de seus protagonistas e expôs algumas das mais apaixonantes complexidades desses dois gênios da ciência e do pensamento. A briga mostrou um Newton colossal, vingativo e complexo; mostrou-nos o cientista, mas as entrelinhas revelam também o mago e, sobretudo, o místico. Nos escritos que Newton dedicou ao tema, encena-se uma espécie de adiantamento do julgamento final onde cada qual presta contas e são seus feitos passados que o salvam ou condenam. Percebemos, quase em cada palavra que Newton escreveu sobre a controvérsia, a profunda religiosidade com que ele entendia cada fato da vida, incluindo o fato científico. Enquanto Newton “quando atacava, encolhia a cabeça e arremetia”, Leibniz era mais sibilino e incisivo, mas menos obsessivo, tanto que até se permitiu brincar sobre o assunto da polêmica.
A guerra científica terminou com a morte de Newton em 1727 e não chegou a esclarecer totalmente a questão da prioridade; entre outras coisas porque alguns documentos fundamentais só caíram em domínio público séculos depois de acabada a briga. A verdade é que Newton e Leibniz descobriram o cálculo de forma independente. Newton entre 1666 e 1669, e já tinha escrito dois livros em 1671. Divulgou-os só a um grupo de colegas, mas não os publicou – tinha pavor de ver suas obras serem criticadas; o primeiro desses livros só foi publicado em 1704 e o segundo em 1736 – nove anos depois da morte de Newton! Leibniz descobriu o cálculo alguns anos depois de Newton, entre 1675 e 1676, nos dois últimos dos quase cinco anos que passou em Paris. Mas publicou seus descobrimentos antes, em 1684 e 1686. As versões do cálculo de Newton e Leibniz foram conceitualmente distintas, e seus conceitos fundamentais ligeiramente diferentes dos nossos.
Newton e Leibniz descobriram o cálculo de forma independente
O que torna o cálculo infinitesimal tão versátil é a grande variedade de processos matemáticos, físicos, tecnológicos, econômicos e de outras índoles muito diversas que são modelizados com derivadas e integrais. A derivada é, por exemplo, um conceito fundamental da física, pois dá conta de velocidades e acelerações instantâneas, e forças. Vemos outro exemplo da versatilidade do cálculo quando fazemos uma ressonância magnética ou uma tomografia. Esses procedimentos consistem em ondas que entram e saem de nosso corpo e, de certa forma, o que cada onda faz quando nos atravessa é uma integral, cujo valor é a diferença de intensidade entre a onda que entra e a que sai; o que a máquina faz é adivinhar o interior de nosso corpo levando em conta os valores de todas essas integrais.
A física moderna nasceu com Newton e, não por acaso, foi ele um dos inventores do cálculo infinitesimal. O cálculo infinitesimal foi o aliado que permitiu a Newton arrematar em sua obra máxima, os Principia, a revolução astronômica iniciada Copérnico um século e meio antes. Leibniz e seus discípulos também utilizaram o cálculo para resolver diversos problemas mecânicos que até então pareciam intratáveis, mesmo para gênios da magnitude de Leonardo da Vinci ou Galileu.
Antonio J. Durán é matemático e escritor.
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