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Teoria gravitacional que questiona Einstein supera o primeiro teste experimental

Vários especialistas colocam em dúvida a proposta do físico holandês Erik Verlinde

Duas pessoas observam a Via Láctea no monte Paranal (Chile).
Duas pessoas observam a Via Láctea no monte Paranal (Chile).ESO
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O holandês Erik Verlinde acaba de provocar um pequeno terremoto ao declarar que a matéria escura não existe e questionar Einstein e sua Teoria da Relatividade. A proposta desse físico teórico, da Universidade de Amsterdã, despertou suspeitas entre vários colegas seus, ao passo que outros admitem que sua ideia é interessante.

A imensa maioria dos especialistas considera que a relatividade einsteiniana e as leis formuladas por Isaac Newton há mais de três séculos contribuem para uma melhor explicação do universo, e quase todas as observações e experiências feitas até hoje, incluindo as ondas gravitacionais descobertas neste ano, lhes dão razão. Entretanto, essas teorias não servem no mundo do muito pequeno, onde as interações entre as partículas elementares estão governadas pela Teoria Quântica de Campos, incompatível com a relatividade. Também no universo em grande escala – nas galáxias, nos grupos de galáxias e nos aglomerados com dezenas ou centenas de galáxias – a gravidade é muito mais forte do que a exercida pela matéria visível. Para que as equações de Albert Einstein funcionem nesses ambientes, é necessário acrescentar o impulso gravitacional da invisível matéria escura e a força da energia escura, que acelera a expansão do universo. Juntos, esses dois ingredientes desconhecidos representam 95% do universo.

A proposta de Verlinde afirma que a força da gravidade entre dois objetos muito distantes decai menos do que Newton e Einstein estabeleceram nas suas equações. Desta forma, só o impulso da matéria visível e a interação com a energia escura bastariam para explicar o comportamento das galáxias.

Uma equipe de astrônomos da Holanda, Alemanha, Reino Unido e Austrália testou essa teoria observando mais de 33.000 galáxias. Suas conclusões são que tanto a teoria de Verlinde como a de Einstein servem para explicar a curvatura da luz pela gravidade. Mas as equações de Verlinde, ressaltam os autores, explicam essa distorção sem a necessidade da matéria escura.

“O resultado deste primeiro teste parece definitivamente interessante”, disse Margot Brower, astrônoma do Observatório de Leiden (Holanda) e coautora do estudo, divulgado no site da publicação Monthly Notices of the Royal Astronomical Society. “Agora a pergunta é se esta nova teoria se sustenta e pode ser provada” numa escala maior.

Erik Verlinde, físico teórico da Universidade de Amsterdã.
Erik Verlinde, físico teórico da Universidade de Amsterdã.

Árvores no meio do mar

Como teórico das cordas, o trabalho do holandês tenta conjugar numa só teoria a natureza quântica da realidade e os conceitos de espaço e tempo descritos por Einstein. Comprovar essa teoria seria mais importante que a definição da relatividade. “O que Verlinde propõe é que a energia escura revela um entrelaçamento quântico de longa distância cujo efeito seria modificar as equações clássicas da gravitação a grandes distâncias”, explica José Luis Barbón, pesquisador do Instituto de Física Teórica, em Madri. “Desde Einstein, os físicos veem a gravidade como uma deformação do espaço-tempo, mas aqui a ideia é que a elasticidade intrínseca do espaço é diferente da habitual quando vai a distâncias muito grandes, devido a esse entrelaçamento de longa distância”, acrescenta.

O argentino Juan Maldacena, um dos físicos teóricos cujas ideias inspiraram Verlinde, destrói o seu colega com uma analogia. “Os astrofísicos”, diz ele, “são como um navegador [...] que viaja no meio do oceano” e de repente encontra galhos boiando. “A teoria da matéria escura é análoga a concluir que deve haver uma ilha perto, ao passo que a teoria de Verlinde é análoga a dizer: ‘Ah, existem algas em forma de galhos de árvores que crescem no mar’. Acho tão provável que sua teoria seja certa quanto que existam árvores que crescem no meio do mar”, provoca esse físico teórico do Instituto de Estudos Avançados de Princeton (EUA).

Mordehai Milgrom, do Instituto Weizmann (Israel), diz que o trabalho é “muito bem-vindo” porque ajuda a atrair cientistas de disciplinas como a teoria das cordas para o desenvolvimento de alternativas à relatividade. Mas considera que a ideia de Verlinde ainda é “muito preliminar” e “está muito longe de ter resolvido o problema da matéria escura com uma teoria fundamental elegante”. Milgrom desenvolveu nos anos 1980 a dinâmica newtoniana modificada (MOND, na sigla em inglês), que também nega existência da matéria escura. Na opinião dele, a teoria de Verlinde é parcialmente derivada do seu próprio trabalho – algo que, além do mais, o físico holandês não teria reconhecido devidamente.

Todas essas teorias alternativas “naufragam bastante” quando tentam descrever o universo em escalas maiores, como os aglomerados de galáxias, assim como a estrutura detalhada da radiação de fundo de micro-ondas depois do Big Bang, observa Barbón. “As ideias de Verlinde são interessantes, mas muito vagas”, diz. “É inteiramente possível que sejam completamente equivocadas, embora também seja possível que guardem algo de verdade. Atualmente, são nebulosas demais para que se possa emitir um veredicto.”

Verlinde não respondeu às perguntas do EL PAÍS. Num vídeo fornecido pela Universidade de Amsterdã, ele diz que a maneira de contradizer sua proposta seria “descobrir uma partícula que descreva” o comportamento da gravidade “em galáxias e grupos de galáxias”, algo que, por enquanto, ninguém conseguiu.

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