Por dentro do Sinovac, laboratório chinês parceiro do Butantan que está no centro da corrida pela vacina

O EL PAÍS visita a fábrica de Pequim que pretende comercializar imunização contra a covid-19 já no começo de 2021. No Brasil, instituto paulista pode ampliar testes para 13.000 voluntários

Funcionário do laboratório Sinovac, que desenvolve uma vacina contra a covid-19.Ng Han Guan (AP)
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“Se vacinarmos 20% ou 30% da população de cada país poderemos voltar à normalidade”
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As instalações do laboratório farmacêutico Sinovac na zona sul de Pequim são tão novas que ainda cheiram a tinta. Nas salas reservadas ao controle de qualidade, duplas de cientistas usando trajes de proteção enchem pipetas com gotas de um líquido transparente, para comprovar os níveis de pureza da substância e as suas concentrações de proteínas e de alumínio. Vários andares abaixo, técnicos em aventais azuis e protegidos por máscaras, luvas e toucas vigiam o processo pelo qual, em duas linhas de montagem, as ampolas de vidro transparente são etiquetadas e cuidadosamente agrupadas em caixas. Nas embalagens, letras pretas sobre um fundo laranja e branco proclamam o conteúdo: “Vacina SARS-CoV-2, Inativada”.

Na corrida mundial contra o relógio em busca de uma vacina confiável contra a covid-19, que envolve a disputa por prestígio científico, lucro econômico e influência geopolítica, a China participa com uma dezena de fórmulas. Quatro estão na chamada fase 3, a mais avançada no processo de testes: a desenvolvida pela empresa CanSino em colaboração com o Exército chinês, duas do laboratório Sinopharma e a do Sinovac. As três últimas já receberam autorização para uso emergencial no país e foram aplicadas em dezenas de milhares de trabalhadores considerados essenciais. Yin Weidong, executivo-chefe da Sinovac, diz que mais de 10.000 chineses foram imunizados com a fórmula do seu laboratório.

A vacina do Sinovac poderia começar a ser vendida maciçamente já no começo de 2021, com distribuição mundial, disse Yin durante uma visita de jornalistas ao laboratório. “Nossa meta é oferecer a vacina ao mundo, inclusive os Estados Unidos e a Europa”, afirma o executivo, ele próprio já vacinado. Inicialmente, a prioridade seria para os países que participam dos ensaios clínicos.

A fórmula está sendo testada em 24.000 voluntários —9.000 somente no Brasil, onde a parceria feita com o Instituto Butantan foi anunciada com pompa pelo governador de São Paulo, João Doria (PSDB). Nesta semana a Anvisa autorizou a ampliação de pessoas testadas para 13.060. Os estudos clínicos acontecem desde o dia 21 de julho em cinco Estados e no Distrito Federal, sem nenhum registro de reação adversa grave até agora. A ideia é que o Butantan fabrique suas próprias unidades a partir da tecnologia chinesa e as distribua a outros países da América Latina. “Esperamos que nos concedam o registro (de comercialização da fórmula) no maior número possível de países”, afirma Yin. Além disso, o instituto deve receber 46 milhões de doses vacina até dezembro, sendo seis milhões já prontas para aplicação, segundo o Governo paulista.

Na última quarta, Doria anunciou os resultados de uma pesquisa com 50.027 voluntários na China que demonstram que a vacina, que será comercializada com o nome Coronavac, é segura. Do total de voluntários, 94,7% não tiveram nenhuma reação adversa. Outros 5,36% sentiram efeitos adversos de grau baixo, como dor no local da aplicação, febre moderada e perda de apetite. “Esses resultados comprovam a manifestação feita pela Organização Mundial de Saúde há duas semanas indicando a Coronavac como uma das oito mais promissoras vacinas em desenvolvimento no seu estágio final em todo o mundo”, disse o governador. .

Além do Brasil, a Indonésia e a Turquia foram países escolhidos por sua grande população e seus níveis de incidência da doença. A eles se somarão Bangladesh e possivelmente o Chile. A empresa começou a pesquisar a vacina em janeiro, centrando-se inicialmente na China e especificamente Wuhan, o foco original da pandemia, mas a reduzida incidência atual do coronavírus na população chinesa não permite mais desenvolver testes confiáveis. Oficialmente, a China não detecta novos contágios locais há mais de um mês.

Na segunda-feira, a companhia começará os testes entre crianças e adolescentes de 3 a 18 anos nos países onde realiza as provas. Neste mês, o laboratório anunciou que os resultados das fases 1 e 2 dos ensaios clínicos tinham mostrado “bons níveis de segurança e geração de imunidade” em maiores de 60 anos saudáveis, depois de terem dado resultados positivos também em adultos de 18 a 59 anos.

Ainda neste ano os resultados dos testes clínicos da terceira fase começarão a ser analisados para que os cientistas decidam se a vacina é suficientemente eficaz a ponto de solicitar sua aprovação para uso geral. Fora da China, a empresa norte-americana Pfizer espera concluir em outubro se sua vacina dá resultado; a Moderna, por sua vez, pretende chegar às conclusões provisórias em novembro.

Doses da vacina do coronavírus fabricada pelo Sinovac. Ng Han Guan (AP)

A Coronavac utiliza uma das técnicas mais tradicionais na produção de vacinas, os vírus inativos. É o mesmo método usado no desenvolvimento de medicamentos para doenças como a gripe aviária, a pólio e a gripe sazonal. O vírus inativo é inoculado no paciente para que seu organismo comece a gerar anticorpos. Segundo Yin, até agora os resultados foram muito animadores: nos testes em macacos, a fórmula se mostrou efetiva para as diferentes cepas conhecidas do coronavírus causador da covid-19.

Se tudo correr bem, o laboratório chinês teria condições de fabricar quase 300 milhões de doses anuais a partir de 2021 nestas instalações que começaram a ser construídas em março especialmente para o desenvolvimento da vacina, num terreno de 20.000 metros quadrados. A cada minuto, explica seu diretor de empacotamento, são produzidas dezenas de caixas no grande espaço branco de sua sala de embalagem, tão nova que ainda se vê o espaço vazio em alguma tomada que falta ser instalada.

China está fora de coalizão mundial

Em maio, o presidente chinês, Xi Jinping, dizia que a vacina que seu país viesse a desenvolver seria “um bem público global”, compartilhado com o resto do mundo. Mas até agora nem a China nem os Estados Unidos aderiram à iniciativa COVAX, respaldada pela Organização Mundial da Saúde com o objetivo de tornar a futura imunização contra a covid-19 amplamente acessível para todo o planeta.

Pequim, por intermédio da sua chancelaria, afirma apoiar a iniciativa, que já recebeu o respaldo de 156 países, e promete colaborar com o resto do mundo para encontrar a cura. Mas, embora tenha deixado a porta aberta a aderir futuramente, deu sinais de que essa cooperação ocorrerá fora do marco multilateral. Segundo Wang Wenbin, porta-voz do Ministério de Relações Exteriores, os planos chineses são “basicamente iguais aos da COVAX”.

A potência asiática prometeu acesso prioritário a países sócios, como os países da bacia do Mekong —Vietnã, Camboja, Tailândia, Laos e Mianmar, nações vizinhas e majoritariamente com sistemas hospitalares frágeis. Também serão beneficiados os participantes da chamada iniciativa da Rota da Seda e da Organização para a Cooperação de Xangai, uma aliança de segurança promovida por Pequim.

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