Um quinto da humanidade tem alguma doença que pode agravar o impacto do coronavírus no corpo
Coexistência de duas ou mais patologias prévias é mais acentuada na Europa que na África e América Latina
Há no mundo 1,7 bilhão de pessoas, uma quinta parte da população, com pelo menos uma doença que poderia agravar o impacto do coronavírus. E não é só coisa de idosos. Considerando apenas a população em idade de trabalhar, uma quarta parte tem alguma patologia prévia que a deixa mais vulnerável à Covid-19. Os autores destes cálculos consideram essencial identificar quem sofre dessas doenças pré-existentes e determinar o risco adicional de cada patologia, a fim de proteger os mais expostos antes do desconfinamento ou para priorizá-los na administração de futuras vacinas.
Embora ainda reste muito por saber sobre os fatores que agravam o curso da Covid-19, as principais instituições médicas publicaram guias de urgência sobre as doenças e condições prévias que poderiam fazer que o coronavírus mostrasse seu lado mais nocivo. Além da idade avançada, a Organização Mundial da Saúde (OMS), por exemplo, destaca as doenças respiratórias crônicas, as coronarianas, o câncer e o diabete. Já os Centros para o Controle e a Prevenção das Doenças dos EUA e o Ministério da Saúde da Espanha ampliam a lista para incluir os doentes renais crônicos, os pacientes com asma grave, obesidade excessiva, transtornos neurológicos e HIV. A lista ainda não está fechada e não é universal.
Pesquisadores da Universidade de Londres usaram estas listas para estimar o número de pessoas de todo o mundo que estariam mais expostas à versão mais grave da Covid-19. Para isso analisaram os dados de prevalência dessas doenças contidos no estudo bienal intitulado Ônus Global das Doenças, que reúne estatísticas e estimativas de causas de mortalidade e morbidade em 190 países. O último disponível é de 2017, mas os dados foram extrapolados para a população de 2020.
Ao sobrepor as listas de doenças que agravam a Covid-19 com sua prevalência no mundo, os cientistas estimaram que em torno de 22% da população tem pelo menos uma doença ou condição que poderia piorar o impacto do coronavírus. Esse percentual corresponderia a 1,7 bilhão de indivíduos, dos quais 400 milhões (6% da população total) teriam duas ou mais patologias prévias. As cifras globais dos mais vulneráveis são ainda maiores, já que nestes cálculos não foram incluídos os maiores de 65 anos sem patologias, mas que, apenas por causa da idade, também estão comprometidos. Tampouco incluem outros fatores de risco, como uma gravidez, o tabagismo ou a desnutrição.
"Tentamos quantificar quanta gente poderia ser considerada em maior risco segundo as diretrizes atuais sobre as condições prévias", diz o autor principal do estudo, Andy Clark. Esse professor da London School of Hygiene & Tropical Medicine (LSHTM) esclarece em seguida que isto não significa "que vão desenvolver a versão severa da Covid-19 caso sejam infectados". O que implica, conclui, "é que seria sensato protegê-los da infecção, porque têm uma maior probabilidade de contrair uma doença grave".
As patologias mais habituais que elevam em maior medida o risco são as cardíacas, seguidas das respiratórias e renais, de acordo com o estudo. Também são relevantes outras que, segundo sua maior prevalência em determinadas regiões geográficas, sobem aos primeiros postos. É o caso do diabetes em alguns países insulares ou do HIV em várias nações do sul da África.
O pesquisador Pablo Perel, também da LSHTM e especialista em patologias cardíacas, recorda que estudos anteriores já tinham demonstrado que “os pacientes com doença cardiovascular apresentam um risco elevado de eventos cardiovasculares por outros vírus como gripe, SARS e MERS”. Embora as pesquisas com o atual coronavírus ainda sejam poucas e preliminares, “parecem mostrar que aqueles pacientes com Covid-19 e com doenças cardiovasculares subjacentes, tais como insuficiência cardíaca, doença coronária e hipertensão, têm um maior risco de complicações intra-hospitalares (necessidade de terapia intensiva, necessidade de respirador ou morte)”, acrescenta Perel.
Ao ver sobre o mapa os resultados do estudo, observam-se grandes diferenças geográficas. Por exemplo, o número de europeus (e também de norte-americanos e canadenses) que têm pelo menos uma condição prévia que eleva seu risco duplica o de africanos (31%, frente a 16% da população). A cifra triplica no caso de terem duas ou mais patologias. Só a América Latina, com 21% da população, aproxima-se da percentagem africana.
A análise também mostra os dados por sexo e idade. Quanto ao gênero, a prevalência das diferentes doenças é, em termos globais, a mesma para homens e mulheres. Entretanto, o número de homens que morrem pelo coronavírus é maior que o de mulheres. Portanto, devem intervir outros fatores por investigar. Em relação à idade, o trabalho estima que apenas 5% dos maiores de 65 anos carecem de alguma patologia prévia. Mas o dado possivelmente mais chamativo é que 23% das pessoas entre 15 anos e 64 têm pelo menos uma doença que as torna mais vulneráveis ao agravamento da infecção.
A quantificação dos que poderiam estar mais expostos é chave para controlar a pandemia. Como recordam os autores desta pesquisa, as pessoas com condições prévias de risco têm uma maior probabilidade de precisarem de internação, de acabarem na UTI ou de morrerem. Um relatório preliminar das autoridades sanitárias dos EUA mostrava que, nos casos onde se registrou se o paciente vinha ou não com uma patologia prévia, quase 40% deles a tinham – e 78% foram parar na UTI. Ao identificá-los, conclui o estudo, seria possível concentrar as medidas de quarentena sobre estas pessoas e lhes dar prioridade para quando chegarem as vacinas.
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