A ocitocina é o hormônio do amor?
O efeito mais especial da ocitocina é o de criar e fortalecer vínculos de proximidade e relação entre as pessoas
A ocitocina é um hormônio poderoso que, por contribuir para o fortalecimento de vínculos positivos entre as pessoas, tem sido chamado de hormônio do abraço, hormônio da confiança, hormônio da generosidade e da bondade, e também hormônio do amor e da felicidade. É uma pequena proteína descoberta em 1906 pelo farmacologista inglês Henry Dale. É fabricado no cérebro, nos neurônios do hipotálamo, e depositado sob ele na glândula hipófise, de onde é liberado na corrente sanguínea em diferentes situações de natureza social. Seu nome deriva do grego e é composto de duas palavras que significam “nascimento rápido”, o que é uma referência a uma de suas principais funções, pois nas mulheres é liberado antes e durante o parto, facilitando-o ao provocar as contrações que dilatam o colo do útero. Também é liberado quando os bebês ao mamar estimulam os mamilos da mãe, o que facilita a descida do leite.
Experimentos com roedores mostraram que a ocitocina estimula o comportamento sexual do homem, em parte, promovendo a ereção do pênis e a ejaculação. Nathaniel Heintz e seus colaboradores da Rockefeller University (EUA) descobriram um grupo de neurônios no córtex pré-frontal do cérebro do rato que tem receptores para a ocitocina e que, quando silenciados mediante técnicas optogenéticas na fêmea no cio, esta perde todo o interesse no macho, deixando de se aproximar dele. Surpreendentemente, nos homens esse mesmo silenciamento não diminuiu o interesse pelas fêmeas. É de grande interesse saber agora se na fêmea humana, isto é, na mulher, existe também um grupo equivalente de neurônios corticais que controlam sua motivação sexual.
Para conhecer o efeito da ocitocina no comportamento sexual humano, uma das coisas que fizeram foi introduzir o hormônio em homens e mulheres por meio de um spray nasal. Assim, observou-se que a ocitocina aumenta a intensidade do orgasmo e a satisfação e saciedade após a relação sexual, sendo esses efeitos frequentemente mais pronunciados no homem. Algumas mulheres, depois de receber ocitocina, relatam se sentir mais capazes de compartilhar seus desejos sexuais e ter empatia com seu parceiro. Em alguns casos, a ocitocina injetada por via nasal também aumentou a confiança e a generosidade em relação a outras pessoas.
Mas o efeito mais especial da ocitocina é o de criar ou fortalecer laços de proximidade e relação entre as pessoas. Quando as pessoas se abraçam ou se beijam, assim como durante o sexo, os níveis de ocitocina no sangue aumentam, e um elevado incremento de ocitonina nos níveis sanguíneos também foi observado nos estágios iniciais do enamoramento entre casais. Esses níveis corresponderam à quantidade e intensidade do comportamento afetivo entre os membros do casal e persistiram por pelo menos seis meses, mostrando também grande estabilidade em cada um deles.
No mesmo sentido de estabelecer vínculos, a ocitocina também foi associada à monogamia quando se observou que, em duas linhagens diferentes de ratos-do-mato, uma delas que habitualmente era monogâmica tinha mais ocitocina no cérebro que a outra, que era polígama. Além disso, o tratamento cerebral com ocitocina nos ratos-do-mato polígamos induzia neles um comportamento monogâmico, pois se reduziu o tempo necessário para estabelecer um relacionamento estável com uma única parceira. Também foi observado que a ocitocina facilita a fidelidade em casais de macaco-de-cheiro-comum (saimiris) que já estão bem estabelecidos. Nesse caso, isso ocorre pela redução do comportamento sociossexual dos parceiros com estranhos do sexo oposto.
A ocitocina não reforça os laços e o desejo de continuar juntos somente no casal sexual e amoroso, mas também entre os progenitores e sua prole. Tanto nos pais como nos filhos, os níveis de ocitocina aumentam com o trato interativo mútuo. Mari Cruz Rodríguez del Cerro, especialista da UNED em pesquisa sobre conduta parental, em sua obra de sucesso El Cerebro Afectivo destaca o afeto, especialmente nos primeiros meses e anos de vida, como epítome de todas as possíveis condutas parentais benéficos para o futuro da progênie. Amamos como fomos amados? É a pergunta que sintetiza seu particular convencimento da grande importância que pode ter o trato parental para o futuro dos descendentes.
Por todas essas razões, a ocitocina tem sido citada como o hormônio do amor e do vínculo familiar, embora estejamos longe de poder afirmar isso nos seres humanos, onde os relacionamentos de casal sempre dependem de muitos fatores e, portanto, são muito mais complexos.
Males e mitos
Temos que ser muito cautelosos na hora de avaliar os efeitos e funções da ocitocina. Não há dúvida de que é um hormônio pró-social, isto é, um hormônio que contribui, embora de modo ainda muito desconhecido, para estabelecer ou fortalecer os vínculos entre as pessoas, não necessariamente de natureza sexual. Mas seria uma simplificação e um erro considerar que ele sozinho é o responsável por esses vínculos em um cérebro em que coexiste uma multitude de substâncias químicas, muitas delas também hormônios ou neurotransmissores, que interagem de forma complexa para gerar os sentimentos e o comportamento das pessoas. São muitos os fatores que influenciam as interações e os vínculos sociais humanos para simplificá-los em um hormônio.
Embora seus benefícios tenham ficado evidentes, os níveis de ocitocina também podem ser altos em situações indesejáveis, como o estresse, o isolamento social e a infelicidade. Também foi observado que a ocitocina pode promover vínculos entre pessoas de um mesmo grupo ou de grupos diferentes que podem ser fonte de favorecimento, consanguinidade, preconceito, inveja, agressão e até corrupção nascida da colaboração. O ciúme também pode ser exacerbado pela administração de uma dose desse hormônio.
Tudo isso sem esquecer as questões e as incongruências com o sentido geral dos efeitos da ocitocina, como o fato de que as mães que dão à luz por cesariana ou não amamentam seus filhos não deixam de estabelecer um vínculo forte com eles, ou a dúvida sobre a classe de vínculo que pode ser estabelecido entre o terapeuta que aplica uma massagem e o massageado, e se esse vínculo é maior quando a massagem for mais intensa. Por que, como se diz, as mulheres tendem a ficar mais presas e a esperar mais que os homens –mesmo quando tendem a ser mais anorgásmicas e, por isso, liberar menos ocitocina– de um relacionamento sexual casual? E quem tiver um déficit na produção de ocitocina cerebral, como os autistas, não poderá estabelecer vínculos fortes com outras pessoas? A ocitocina pode criar um vínculo tão forte ou mais intenso com os animais de estimação do que com a família ou amigos?
Talvez, como sugeriu um especialista, o que a ocitocina faz, mais do que criar vínculos afetivos ou nos tornar pessoas melhores, seja potencializar os sentimentos que já temos. Não nos enganemos nem criemos novos mitos. Não existe um hormônio do amor, nem da felicidade, nem bondade, ou algo nesse estilo. Além do mais, são necessários muitos outros estudos e mais bem controlados em humanos para se conhecer em profundidade os efeitos de um hormônio pluripotencial como a ocitocina.
Ignacio Morgado Bernal é professor de Psicobiologia no Instituto de Neurociências e na Faculdade de Psicologia da Universidade Autônoma de Barcelona. Autor de Deseo y Placer: La Ciencia de las Motivaciones (Ariel, 2019).
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