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“Os burros são tremendamente inteligentes”

Dilfenio Romero trabalhou quase 40 anos na empresa de abastecimento de água de Madri e há 24 criou a Burrolândia, a Associação Amigos do Burro

Dilfenio Romero, fundador da Burrolândia, nas instalações da associação.
Dilfenio Romero, fundador da Burrolândia, nas instalações da associação.SANTI BURGOS
Sergio C. Fanjul
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Ele tem um ar de personagem de seriado da TV, com seu boné, sua barba branca, seu rosto curtido pelo tempo, os olhos brilhantes. Dilfenio Romero, de 66 anos, trabalhou quase 40 na empresa Canal de Isabel II (que abastece a região de Madri com água) e há 24 criou a Burrolândia, a Associação Amigos do Burro, no município de Tres Cantos. Passeia por seus domínios rodeado de burros, cavalos, cabras, cães e outros animais, com uma bengala na mão. Aos domingos, os visitantes humanos, entre zurros, dão cenouras e alface aos asnos — mais de 50 exemplares de diversas raças presentes na Espanha (leoneses, zamoranos, extremeños, africanos...) que Romero resgatou, agora que a mecanização os substituiu nas tarefas do campo. Estão em perigo de extinção. Com a ajuda de seus colaboradores, ele os recolhe, cuida, cura e proporciona uma existência tranquila. “É gratificante, é a oportunidade que a vida me deu”, afirma.

Pergunta. Que bonitos são os burrinhos. Por que os humanos usam burro como sinônimo de bobo?

Resposta. É um mito. O burro é mais inteligente que o cavalo, e com folga. Se você tem sete cavalos e coloca um burro no grupo, na semana seguinte todos os cavalos seguem o burro. Quando não havia topógrafos nem engenheiros de estradas, mandavam um burro. Por onde ele passava, construíam a melhor estrada. São tremendamente inteligentes.

P. Por que estão em perigo de extinção?

R. Quando eu era criança, na minha cidade, Alcolea de Tajo, em Toledo, o burro era imprescindível para buscar água e lenha. Não havia carros nem caminhões. Fazíamos tudo com os burros. Na minha família havia muitos tropeiros, então tenho muito carinho por esses animais.

P. Já não servem para nada?

R. Aqui tentamos encontrar novas utilidades, por exemplo com a burroterapia, que ajuda crianças com deficiência. É um animal muito dócil, muito carinhoso, que não dá medo nos pequenos. Com essa função, esperamos que se mantenham.

P. De onde vêm esses animais?

R. Nós os recolhemos, muitas vezes abandonados. Não costumamos trazer cavalos, mas outro dia nos ligaram porque havia um estábulo abandonado; metade dos animais estava morta. Não temos muita ajuda. As instituições nos telefonam para recolher os animais e depois se esquecem de nós. Que pelo menos nos deem sacos de ração para que eles possam comer.

P. Como a associação se financia?

R. Com o que você aqui: merchandising, camisetas, sanduíches e com os potes de comida que vendemos para que as pessoas alimentem os animais. Não cobramos entrada, para que o espaço seja acessível às famílias. Isto não é um negócio. Abrimos domingo de manhã e até logo, até o domingo que vem. Durante a semana às vezes vêm colégios.

P. Como começou?

R. Sozinho, neste prado, aqui não havia nada. Comecei a juntar madeira e construí estes barracos e estábulos. Alguns estão desde o início. Em 2018 tivemos um incêndio que destruiu os escritórios, mas já os construímos de novo.

P. Há pessoas que tratam mal os animais.

R. Pouco tempo atrás, me ligaram para resgatar uma burra que andava perdida no município de Cuenca, de um lado para o outro, atravessando as estradas. Os moradores da cidade montavam nela, davam vinho, faziam sacanagem... Fui lá com um reboque e a trouxe. Chama-se Cecilia.

P. O senhor deve ter um monte de histórias.

R. Com certeza. Por exemplo: um burro, chamado Viti, que tinha o lombo amassado como um dromedário de tanto trabalhar levando lenha e carvão. Seu dono tinha vivido à custa dele a vida inteira... criou assim cinco filhos! Quando o senhor envelheceu e tinham que levá-lo a um lar de idosos, ele se negou até que eu garantisse que recolheria o burro.

P. Quantas histórias.

R. Tem outra que nunca vou esquecer. Um médico rural de León que viajava pelo mundo, de cidade em cidade, visitando doentes com sua burra Margarita. Quando nasciam crianças e celebravam, os moradores o convidavam com aguardente. Ele bebia tanto que não podia nem andar. Então o subiam na burra, colocavam uma manta em seu ombro e diziam: “Margarita, pra casa.” E a burra o levava para casa, a 20 quilômetros dali, ou mais, pelo monte. Veja como são inteligentes.

P. Agora as pessoas estão mais sensíveis em relação aos animais?

R. Sim, têm mais consciência sobre os animais, embora nem todas. Sabe quem tem mais consciência? Não são os jovens, e sim os idosos, os que conviveram com eles.

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