Anistia Internacional cobra segurança de porteiro que implicou Bolsonaro no caso Marielle
Funcionário de condomínio onde fica casa do presidente teve identidade, imagem e residência reveladas em reportagem
A Anistia Internacional cobrou nesta sexta-feira que o Estado brasileiro ofereça ao porteiro Alberto Mateus que ele ingresse no Programa de Proteção à Testemunha e que garanta "a proteção da vida e da integridade física" dele. O porteiro prestou um depoimento à Polícia Civil em que afirmou que um dos réus pelo assassinato da vereadora Marielle Franco (PSOL) se apresentou no condomínio Vivendas da Barra, no dia do crime, e disse que iria visitar a residência do presidente Jair Bolsonaro. O porteiro teve sua identidade, sua imagem e seu local de residência revelados em reportagem de capa da revista VEJA nesta sexta-feira.
“Solicitamos que o Estado garanta a proteção desta testemunha, por meio da oferta de sua inclusão no Programa de Proteção à Testemunha, uma vez que teve informações pessoais reveladas e está relacionado a um caso extremamente delicado, em que os acusados de executar Marielle Franco são também acusados de serem integrantes de grupos criminosos. Seu direito à vida precisa ser preservado”, afirmou Jurema Werneck, diretora-executiva da Anistia Internacional Brasil, em nota.
Além de estampar uma foto da fachada da casa do porteiro, a revista VEJA informou que ele mora na comunidade de Gardênia Azul, controlada por milicianos, na Zona Oeste do Rio. A reportagem também revelou que o porteiro Alberto, que prestou depoimento, não é o mesmo funcionário que supostamente falou com o ex-policial Ronnie Lessa, acusado de ter efetuado os disparos que mataram Marielle, em áudio mencionado pelo Ministério Público como prova de que Alberto mentiu. Como o El País tinha revelado, o condomínio possui dois porteiros de serviço por turno. Na planilha de controle de visitantes do dia do assassinato, obtida pelo EL PAÍS, há assinaturas de Alberto, Tiago e outros dois porteiros, o que mostra que tanto Alberto quanto Tiago estavam trabalhando naquele dia em que se apresentou no condomínio Élcio Queiroz, o ex-policial acusado de dirigir o carro e auxiliar Lessa no crime. Segundo o Ministério Público
Promotoras do Ministério Público do estado do Rio de Janeiro tinham divulgado precocemente que o porteiro Alberto mentiu ao afirmar que Queiroz anunciou visita à casa de Bolsonaro, mas sabe-se agora que o áudio que elas usaram para desmentir Alberto era, na verdade, uma gravação com a voz do porteiro Tiago, em que ele fala com Lessa e anuncia a chegada de Queiroz. Além disso, a perícia desse áudio foi incompleta e só analisou arquivos enviados pelo síndico do condomínio em um CD. Só nesta quinta-feira a Polícia Civil apreendeu o computador do condomínio para analisar se foram editados ou apagados arquivos de áudio sobre o acesso de visitantes ao condomínio, para tentar esclarecer se Queiroz anunciou na portaria que visitaria Bolsonaro, como alegou o porteiro Alberto. As promotoras não esclareceram ainda se Alberto poderia ter sido ameaçado por alguém para poupar ou acusar alguém em depoimento à polícia.
O segundo porteiro, Tiago Izaias, nunca foi ouvido pela Polícia Civil, mas afirmou à VEJA que não se lembra exatamente do que aconteceu nem se estava dentro ou fora da guarita. No condomínio, enquanto um porteiro fica na guarita, outro trabalha na cancela e coleta as informações dos visitantes. "Não lembro nem se estava dentro ou fora. A coisa toda aconteceu há tempos, e são muitas casas e visitantes o dia inteiro", afirmou Tiago à revista.
A confirmação de que o porteiro do áudio e o porteiro do depoimento são pessoas diferentes é mais uma demonstração de falha na investigação do caso Marielle. O porteiro Alberto disse, em dois depoimentos prestados em outubro, que a autorização da entrada de Queiroz no condomínio foi dada por "seu Jair", embora Bolsonaro estivesse naquele dia em sessão na Câmara dos Deputados.
Ainda não foi revelado como a portaria aciona moradores no condomínio e se pode ter ocorrido um contato por telefone. Apesar de mencionar que a autorização foi dada por "seu Jair", em nome da casa do presidente, o porteiro disse que Queiroz seguiu direto para a casa de Lessa.
Enquanto lacunas se acumulam nas investigações dos possíveis mandantes do crime, tocadas ainda pela Polícia Civil e pelo Ministério Público do estado do Rio, um pedido de federalização aguarda julgamento no Superior Tribunal de Justiça, que deve colocar a solicitação em pauta até o fim deste ano. O pedido de federalização foi feito pela então procuradora-geral da República, Raquel Dodge, no seu último dia no cargo, e teve como base um inquérito da Polícia Federal que apontou falhas e tentativas de obstrução do inquérito da Polícia Civil. A família de Marielle já se manifestou contra a transferência da investigação dos mandantes para a Polícia Federal.
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