História da desglobalização
Os perdedores estão nas classes médias dos países ricos, segundo o ‘gráfico do elefante’
Está se instalando no mundo um ambiente desglobalizante. A globalização já não está na moda. As guerras comerciais não são apenas entre EUA e China, elas superam as duas superpotências e chegam à Europa. A nova diretora-gerente do Fundo Monetário Internacional, a búlgara Kristalina Georgieva, alertou que a escalada protecionista ameaça causar efeitos de longo prazo que poderiam frear a economia durante toda uma geração, e que pode ser erguido um “novo Muro de Berlim” digital que forçaria os países a escolher entre sistemas tecnológicos alternativos. Enquanto isso, os perdedores da globalização, que têm muita capacidade de pressão, manifestam-se nas ruas perguntando o que aconteceu com as previsões de que a liberalização comercial, a globalização das finanças e o mercado comum europeu fariam a economia crescer e melhorariam o nível de vida de todos. Não foi assim. Sentem-se enganados.
Os protestos em muitos países distantes um do outro são heterogêneos, mas em todos eles há uma dose de rebelião contra a desigualdade. Em seu novo livro, Capital et Idéologie (“capital e ideologia”), Thomas Piketty recorda que a desigualdade não é só econômica ou tecnológica, é ideológica e política. Não existem fundamentos “naturais” que a expliquem. De forma surpreendente, escreve o economista francês, as elites das diferentes sociedades, em qualquer época e em qualquer lugar, tendem a “naturalizar” a desigualdade, ou seja, procuram associá-la com fundamentos naturais e objetivos, dizem que as diferenças sociais são benéficas para os mais pobres e para a sociedade como um todo, e afirmam que, de qualquer forma, sua estrutura atual é a única possível e não pode ser modificada sem causar grandes desgraças (a “tese da perversidade” de Albert Hirschman). No entanto, as desigualdades atuais e as instituições presentes também serão expostas à mudança e à reinvenção permanente. Enquanto isso, essa desigualdade conduz ao controle político por parte dos mais ricos, um controle imprescindível para a transmissão de todas as suas vantagens (através do dinheiro ou da educação).
Neste contexto de protesto, volta a ganhar atualidade o “gráfico do elefante” do economista sérvio-americano Branko Milanovic, ex-economista-chefe do Banco Mundial. Esse gráfico chegou a ser mais famoso −e, é claro, muito mais complexo− do que a curva de Laffer desenhada em um guardanapo de papel. Milanovic trabalha com a renda familiar e com percentis de população: se unimos os percentis selecionados, aparece a figura de um elefante. Nela se vê que os dois grupos que podem ser considerados os principais ganhadores da globalização (no período 1988-2008) são os muito ricos de qualquer parte do mundo e as classes médias das economias emergentes, particularmente China, Índia, Indonésia e Brasil. Já os grandes perdedores são os cidadãos mais pobres (por exemplo, os agricultores africanos), a classe trabalhadora dos antigos países comunistas da Europa Oriental e os trabalhadores das economias ocidentais que se consideravam de classe média. É bem possível que essas tendências permaneçam as mesmas caso se amplie o período estudado e se incorpore a década da Grande Recessão, já que as classes médias dos países ricos foram muito castigadas pelo desemprego e pela desvalorização salarial.
Em 2013, Milanovic ampliou sua análise e chegou à conclusão de que no último período ocorreu a primeira queda média da desigualdade de renda dos cidadãos do mundo desde a Revolução Industrial. Embora dentro dos países desenvolvidos tenha havido um aumento da desigualdade de renda, se for feita uma análise mais abrangente, em escala mundial, a globalização teria reduzido a desigualdade ao tirar da pobreza estrutural bilhões de pessoas dos lugares citados. Na verdade, o gráfico do elefante de Milanovic reflete um enorme sucesso econômico em uma parte muito grande do mundo. Muitas vezes se toma a parte pelo todo.
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