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Eric Brende, o engenheiro do MIT que vive como um amish

Eric Brende, que passou um ano em uma comunidade isolada da tecnologia, escreveu um livro sobre como levar uma vida "mais presente"

Patricia Fernández de Lis
Eric Brende, fotografado na semana passada durante o congresso em Yerevan.
Eric Brende, fotografado na semana passada durante o congresso em Yerevan.WCIT

Eric Brende lembra perfeitamente o momento em que foram plantadas em seu cérebro as “sementes de seu descontentamento” em relação à tecnologia. Ele era adolescente e seu pai, médico, tinha um dos primeiros processadores de texto, no qual escrevia artigos científicos. “A máquina era gigante”, lembra Brende. “Era como uma enorme caixa forte, e ele levava muito tempo para fazê-la funcionar. Teoricamente ela deveria ajudá-lo a ganhar tempo, mas não o fazia. E toda a atenção de meu pai era dedicada a essa máquina no lugar de sua família”, diz.

Brende estudou na Universidade de Yale e, depois, quis se formar no centro do universo tecnológico, o MIT (Instituto Tecnológico de Massachusetts). “Queria me infiltrar; deveria ser parte do sistema se quisesse ter alguma oportunidade de mudá-lo”, diz agora, em conversa com o EL PAÍS durante o Congresso Mundial de Tecnologias da Informação (WCIT, na sigla em inglês) realizado na semana passada em Yerevan, a capital da Armênia. E foi no MIT onde pensou que o melhor trabalho de campo que poderia fazer sobre as consequências da tecnologia na vida dos humanos era “literalmente no campo, entre os amish”.

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Brende e sua esposa Mary passaram um ano morando em uma dessas comunidades, conhecidas por sua vida simples e totalmente afastada de qualquer tecnologia. A lição principal que aprenderam, afirma ele agora, “foi desmitificar nossa assunção básica de que a tecnologia torna sua vida mais fácil e te deixa tempo de fazer o realmente importante. O que descobri é que os amish têm mais tempo livre do que nós, e sua vida é muito mais rica”. O casal achou especialmente “satisfatório e gratificante”, diz Brende, trabalhar no campo, “porque integrava todos os tipos de atividades humanas que agora empacotamos em compartimentos separados: você tem relações sociais, conversa, faz exercício físico, educa seus filhos, se conecta com a natureza...”. Eles acharam especialmente difícil a falta de geladeira —“Tínhamos que cozinhar cada refeição do zero e não deixar sobras”— mas não sentiram falta da televisão, do carro e do telefone. Brende nega que essa ausência os tenha desconectado do mundo: “É exatamente o contrário. Você se desconecta dos veículos de comunicação, mas eles não são a realidade, estão entre a realidade e você. Invertemos a ordem natural das coisas”.

Quando deixou a comunidade amish, Brende escreveu um livro, Better Off: Flipping the Switch on Technology (em tradução livre: Melhor Desconectado: Desligando o Interruptor da Tecnologia) para explicar tudo o que aprendeu com sua experiência. Agora, 15 anos depois, se dispõe a publicar outro sobre a adaptação de sua família à vida moderna, mas ainda vivendo com a filosofia dos amish, ou seja, uma vida simples em uma cidade moderna, mas com a única ajuda da tecnologia que nenhuma atividade humana pode substituir: uma geladeira e um telefone fixo.

Criei três filhos na cidade de Saint Louis sem carro, sem televisão, sem celular, sem Internet... Muitas tecnologias fazem coisas que na verdade fazemos melhor sozinhos, e por isso prescindimos delas”. Os Brende economizaram por anos para poder comprar uma casa, de modo que não têm hipoteca, e seu maior gasto é a comida: “Acho que muita gente está imersa em uma vida que é na verdade uma espécie de roda de hamster, onde ganham dinheiro para pagar o custo das coisas de que não precisam. Nós vivemos no limite da pobreza, mas também vivemos uma vida mais rica do que as pessoas ao nosso redor. Ganho o dinheiro necessário para comprar o tipo de coisas que realmente preciso para viver, principalmente comida”.

Mary e Eric Brende, durante sua estadia com os amish.
Mary e Eric Brende, durante sua estadia com os amish.

Brende vende sopa caseira em um mercado local, e também tem um táxi-bicicleta porque adora, conta, estar em forma, conversar e ver a cidade. Só se conecta à Internet para trabalhar em seu livro, na biblioteca municipal, e durante tempo determinado, “para evitar perdê-lo”.

O ex-editor da revista Wired, Kevin Kelly, descreveu Brende como uma das pessoas “mais inteligentes” que já conheceu. Seu discurso é, efetivamente, tranquilizante, coerente e brilhante, e parece feliz com sua vida sem tecnologia, mas reconhece um problema: a socialização de seus filhos. Quando a mais velha completou 18 anos, a primeira coisa que fez foi comprar um smartphone, o que indica que, evidentemente, não tê-lo era um problema. “Eu acho que eles se beneficiaram de tudo isso mais do que eu e minha mulher, mas são os que menos apreciaram, especialmente na adolescência”, diz o escritor. “Até minha filha completar 18 anos era uma bela menina, que vivia o momento, que era agradável ter em casa, mas assim que comprou o celular se tornou irritável, introvertida e viciada nesse telefone... e foi da noite para o dia”, afirma. “Mas nós nos mantivemos firmes”, acrescenta.

Brende não acha que seja preciso acabar com a tecnologia, mas recomenda limitar seu uso. “Acho que todos vocês poderiam viver uma vida mais fácil se pudessem se desconectar”, opina, e deixar de viver com a cabeça baixa, sempre precisando receber e enviar informação em nossos celulares, “como em um filme de zumbis”.

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