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Turquia, o país aonde 400.000 pessoas com calvície peregrinam por ano em busca de enxertos baratos

Istambul aproveita ao máximo o negócio do turismo de saúde com centenas de clínicas

Andrés Mourenza
Médicos avaliam um paciente em uma clínica turca.
Médicos avaliam um paciente em uma clínica turca.Chris MCGRATH (GETTY images)

Se você é um homem com mais de 30 anos, certamente já se deparou com algum anúncio, banner ou pop-up navegando na Internet ou em um aplicativo de seu celular que oferece um enxerto de cabelo na Turquia, com viagem e hotel incluídos, tudo por um preço entre 2.000 e 3.000 euros (8.600 e 12.900 reais). Nos últimos anos, o país virou sinônimo de soluções capilares de baixo custo e os carecas se tornaram um Eldorado para a Turquia, que pretende explorar ao máximo um setor, o turismo de saúde, que dá grandes lucros.

E o negócio não vai nada mal. Há dois anos, uma fonte do Ministério da Saúde explicava a este jornalista que o objetivo do Governo era transformar a Turquia no terceiro maior destino do turismo médico em nível mundial até 2023, centenário da fundação da República. Segundo os dados do Conselho para a Promoção do Turismo de Saúde, isso foi alcançado já em 2018: a Turquia ficou em terceiro lugar (atrás apenas dos EUA e da Alemanha) em faturamento e em quinto lugar em número de pacientes. “Um serviço médico qualificado e acessível, listas de espera muito menores que as dos países europeus e hospitais modernos e bem equipados podem permitir que a Turquia fique com uma boa fatia do turismo global de saúde”, afirma Turan Buzgan, presidente da Associação de Estratégias de Saúde e Políticas Sociais (Sasomer), em declarações ao jornal local Daily Sabah. A vantagem desse tipo de visitante, aponta, é que ele gasta “10 vezes mais” do que um turista normal.

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A Turquia tem um sistema público e gratuito de saúde que, nos últimos anos, melhorou notavelmente quanto à qualidade de seu atendimento e de suas instalações. Mas, embora tenham sido abertos muitos centros de atenção primária, as consultas que exigem um mínimo de especialização ficam a cargo dos hospitais, o que congestiona o sistema. Além disso, o número de médicos por habitante é um dos mais baixos da Europa (1,8 para cada mil pessoas, enquanto na Espanha, por exemplo, é 3,8). Assim, paralelamente, a saúde privada floresceu nas últimas décadas, e muitos de seus centros são conveniados com o Estado.

O Governo turco viu no turismo de saúde uma oportunidade e oferece subsídios e ajudas para que as redes de hospitais privados captem possíveis pacientes no exterior. Segundo dados do Conselho para a Promoção do Turismo de Saúde, 32% daqueles que visitam a Turquia fazem isso para se submeter a tratamentos contra o câncer —principalmente russos e habitantes de outros países da antiga União Soviética—, 19 % são clientes de cirurgia estética (vindos principalmente do Oriente Médio) e os demais chegam para uma lista variada de intervenções, começando pela odontologia e pela cirurgia ocular, na qual a Turquia também se especializou.

A desvalorização da lira e a mão de obra barata ajudam a tornar a oferta muito competitiva

O Conselho de Relações Econômicas Estrangeiras da Turquia (DEIK) calcula que, em 2018, meio milhão de estrangeiros viajaram ao país para se submeter a uma cirurgia estética. Deles, pouco mais de 400.000 foram fazer um enxerto capilar. É uma intervenção simples, embora demore entre seis e oito horas. Antes de sua viagem à Turquia, o paciente é atendido em uma ou várias consultas por correio eletrônico ou videoconferência para avaliar a gravidade de sua alopecia. “Isso porque nem todos os tipos de calvície podem ser resolvidos e são necessários folículos de qualidade”, explica um cirurgião. Depois, o paciente é recebido em Istambul por uma equipe do hospital, acompanhada por um intérprete. No dia da operação, é submetido a uma anestesia local antes de começar o procedimento: com o uso de micromotores, são retirados entre 3.000 e 4.000 folículos da parte de trás do couro cabeludo. Eles são classificados em bandejas esterilizadas pelos enfermeiros e, finalmente, enxertados um por um. “Os mais grossos vão na parte traseira e os mais finos são plantados, de maneira mais concentrada, na parte superior”, explica o cirurgião. Depois de dois dias em observação, período que pode ser aproveitado para visitar Istambul, o paciente retorna para seu país.

Inicialmente, os maiores clientes estrangeiros das clínicas turcas de enxertos capilares eram do Oriente Médio. Mas cada vez mais clientes desse setor são europeus. E, nos últimos dois anos, começaram a chegar americanos, chineses, coreanos e latino-americanos, apaixonados pela Turquia devido às suas novelas e agora também às suas soluções contra a alopecia. Assim, o setor tem conseguido arrecadar até 1 bilhão de dólares (3,88 bilhões de reais) por ano.

Graças a essa crescente demanda, a Turquia aumentou a especialização e investiu em tecnologias cada vez mais modernas. “Na cirurgia plástica, cada país se desenvolve conforme a demanda. No Irã, por exemplo, são especialistas em rinoplastia”, explica o doutor Zekerya Kul. “Na Turquia, como é muito realizada e aumentou a demanda estrangeira, esta especialização [o enxerto capilar] se desenvolveu".

Além disso, a crise da lira turca —que perdeu 65% de seu valor nos últimos cinco anos— faz com que os preços sejam imbatíveis, já que, fora o investimento em equipamentos, o único custo é a mão de obra. Nos EUA, uma operação desse tipo custa 15.000 dólares (58.000 reais). Na Europa, custava até recentemente 10.000 euros (43.000 reais), embora o crescimento das clínicas turcas tenha feito os preços caírem quase pela metade. Mas nada se compara aos valores de 2.000 a 3.000 euros (8.600 a 12.900 reais) cobrados na Turquia, muitas vezes com pacote de viagem com tudo incluído.

O setor não para de crescer a cada ano e em Istambul já há 350 hospitais e clínicas especializados nessa cirurgia, além de vários espalhados por outras partes do país. O único problema é que essa galinha dos ovos de ouro pode morrer por seu próprio sucesso: estimulados pelos suculentos lucros, alguns estabelecimentos clandestinos oferecem a operação a preços arrasadores (até mesmo inferiores a 1.000 euros), porque neles ela é feita por enfermeiros sem a supervisão de um cirurgião. Por isso, o Ministério da Saúde intensificou a fiscalização, embora os cirurgiões credenciados continuem denunciando a concorrência desleal das clínicas piratas.

“O crescimento da Turquia nessa área se deve à sua relação entre qualidade e preço. Por isso, nosso maior temor é que ocorra o que aconteceu no mercado de Laleli”, explica no jornal Habertürk um dos diretores da Associação de Implantadores de Cabelo, Servet Terziler, citando o caso de uma das áreas de comércio têxtil mais importantes de Istambul: “Nos anos oitenta, muita gente dos países do norte vinha comprar em Laleli e acreditava-se que o negócio não acabaria nunca. Mas foi mal administrado e deixou de oferecer produtos de qualidade, então os estrangeiros começaram a buscar em outros mercados, na China, na Índia... Nosso temor é que as clínicas ilegais façam a qualidade cair. Se não mantivermos a qualidade, os clientes irão para outro país”.

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