Morre Fernando de la Rúa, ex-presidente da Argentina
O político, de 81 anos, será lembrado por sua saída antecipada do poder em meio ao caos econômico de 2001
O ex-presidente argentino Fernando de la Rúa morreu, aos 81 anos, em decorrência de problemas cardiovasculares. Mauricio Macri confirmou a notícia em sua conta do Twitter. “Lamento o falecimento do ex-presidente Fernando de la Rúa. Sua trajetória democrática merece o reconhecimento de todos os argentinos. Acompanhamos sua família neste momento.” A saúde do político piorou no final de 2018, após uma reunião familiar na véspera do ano novo. Seu coração estava muito frágil e havia sofrido um infarto em maio, último episódio de uma longa série de incidentes iniciada durante a sua presidência, há 20 anos.
De la Rúa não passará à história como teria desejado. Os argentinos o recordarão como o artífice da pior crise econômica da história recente da Argentina e protagonista de sua foto mais emblemática: a do helicóptero decolando do teto da Casa Rosada, na tarde de 20 de dezembro de 2001.
Todos os caminhos da Argentina levam à crise de 2001, que acabou com 31 mortos nas ruas e uma sucessão de cinco presidentes em duas semanas. De La Rúa morreu convencido de que pouco pôde fazer para evitar o colapso e sentindo-se vítima de uma conspiração interna e externa. Há dois anos, em entrevista ao EL PAÍS por ocasião dos 15 anos daquela crise terminal, o ex-presidente afirmou que foi um “erro” a fuga no helicóptero, “como todos esses casos em que você abre espaço para uma imagem que se transforma em símbolo”. Mas lembrou que a responsabilidade por sua queda foi da oposição peronista e do Fundo Monetário Internacional (FMI). Os primeiros, dizia, porque armaram “um golpe de Estado” para derrocá-lo. E o segundo porque “decidiu não ajudar” quando a Argentina mais precisava.
De la Rúa se retirou do primeiro escalão da política após sua renúncia, fazendo poucas aparições em público. A última foi no final de novembro passado, em Buenos Aires, durante a cúpula de presidentes do G20. O ex-mandatário deixou por algumas horas o apartamento onde morava no elegante bairro da Recoleta para participar com sua esposa, Inés Pertiné, do evento realizado pelo Governo no Teatro Colón em homenagem aos participantes da reunião. Passou os últimos anos em absoluto silêncio, com problemas judiciais derivados da repressão ocorrida após os incidentes de 2001, mas sempre convencido de sua inocência.
A este jornal, disse que os mortos pesavam em sua memória, embora não se sentisse responsável. Também afirmou que não era certo que a Argentina tenha estado à beira de uma guerra civil. “Isso é o que diz [o ex-presidente Eduardo] Duhalde, porque ele gosta de aparecer como o sujeito que apagou o incêndio. Mas foi ele que o provocou. O peronismo deu um golpe de Estado com todas as letras. Era mais do que eu mesmo imaginava. Quase dois meses antes [do golpe], começou a circular a versão de que o peronismo vinha para ficar com tudo. Eu me zangava e lhes dizia ‘quero informação precisa, como eles vão fazer isso?’, mas ninguém sabia nada”, disse. Questionado sobre sua saída, preferiu falar de “renúncia patriótica”.
Uma vida para a política
A carreira política de De la Rúa foi a tradicional. Formou-se advogado após cursar a secundária no Liceu Militar de Córdoba, província onde nascera em 1937, e começou ainda muito jovem a militar na União Cívica Radical (UCR). Seu primeiro cargo eletivo foi como senador em 1973, durante o terceiro Governo de Juan Domingo Perón. Após o golpe militar de março de 1976, abandonou a política e trabalhou como advogado para grandes empresas. Voltou ao Senado em 1983, na volta da democracia, e em 1996 deixou sua cadeira para se tornar o primeiro prefeito de Buenos Aires eleito pelo voto popular, graças à reforma constitucional pactuada em 1995 pelo presidente Carlos Menem (1989-1999) e seu antecessor radical, Raúl Alfonsín (1983-1989).
A Prefeitura de Buenos Aires foi o trampolim que finalmente o levou à presidência. De la Rúa venceu as eleições gerais de 24 de outubro de 1999 com 48,5% dos votos conta o peronista Eduardo Duhalde. Foi fundamental sua aliança com um setor do peronismo que, liderado por Carlos Álvarez, havia rompido com o menemismo. Sua presidência foi marcada pela crise econômica herdada, fruto do ajuste monetário da convertibilidade peso-dólar idealizada por Domingo Cavallo em 1991 para acabar com a hiperinflação.
A convertibilidade cambial explodiu em 2001 e precipitou o final do Governo De la Rúa. Foram tempos obscuros, com milhares de correntistas quebrados da noite para o dia por culpa do corralito bancário imposto por Cavallo, convocado meses antes pelo Governo como um timoneiro que não conseguiu sair da tormenta. A essa altura, Álvarez já tinha deixado o Executivo e a UCR já não acreditava no seu líder. Em 2002, com a crise se alastrando, a pobreza chegou a 54%, o PIB caiu mais de 10%, o desemprego beirou os 20% e o valor do peso evaporou em poucas semanas.
De la Rúa nunca pôde se recuperar daquela derrota, que terminou com sua carreira política. Encerrou-se então em sua casa de Buenos Aires, amparado pela família, e reduziu suas aparições ao mínimo. Morreu recluso, longe de qualquer homenagem.
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