Polícia usa balas de borracha e gás lacrimogêneo para dispersar enorme protesto em Hong Kong
Pressão dos cidadãos força o adiamento da votação de polêmica lei de extradição para a China
Os milhares de manifestantes que paralisaram as ruas do centro de Hong Kong nesta quarta-feira aderiam, pelo menos simbolicamente, à luta contra o projeto de lei de extradição que permitiria pela primeira vez que os suspeitos sejam entregues à China. O Legislativo adiou o debate sobre a proposta, cuja segunda leitura deveria ter começado no Parlamento local na manhã desta quarta-feira, e não anunciou quando pretende retomá-la, se será uma questão de horas ou dias. Mas os participantes da manifestação multitudinária têm como objetivo não o adiamento, mas a retirada do projeto. Centenas de participantes dos protestos cercaram o Parlamento para evitar a entrada dos legisladores e, portanto, o seu trabalho. As forças de segurança estão usando balas de borracha, gás lacrimogêneo e spray de pimenta contra os manifestantes.
“¡Chit Wuit! ¡Chit Wuit!” (“Retirem-no!”, traduzido do cantonês para o português) era o grito ensurdecedor ouvido nas ruas em volta da sede do Legislativo local. Dezenas de milhares de jovens, vestidos com camisetas brancas – símbolo da luz e da verdade, enfatizavam – ou pretas mantinham vigília desde a noite anterior para cercar o Legislativo e paralisar o debate. As cenas, com estudantes acampados, alguns estudando seus livros, outros montando postos com abastecimento de água, víveres e máscaras – estas, para se protegerem de ataques com gás de pimenta, por parte da polícia –, lembravam as manifestações que faziam sentados no Movimento dos Guarda-Chuvas, que, há cinco anos, tomaram o centro de Hong Kong por quase três meses para reivindicar mais democracia. Como na época, passadas apenas algumas horas já haviam organizado grupos para coleta de lixo e reciclagem.
O legislador pró-democracia e opositor do projeto de lei Fernando Cheung instou os manifestantes a permanecerem ali: "Vocês conseguiram o milagre de bloquear esta sessão, mas este é apenas o começo da batalha. Temos que ficar aqui mais tempo ".
À medida que o número de concentrados aumentava, a Polícia, em grande número, respondia com mais força. Às vezes, usava canhões de água ou sprays de gás de pimenta para tentar força-los a recuar. Nas áreas mais abertas, os jovens coletavam guarda-chuvas – alguns entregavam óculos de natação –, lonas de plástico ou capacetes entre os participantes para levá-los às zonas de choque. Nas proximidades da Avenida Tim Mei, alguns dos manifestantes concentrados usavam paralelepípedos soltos na calçada para construir uma barricada e fortalecer o incipiente acampamento.
“É nossa obrigação estar aqui”, dizia Sunny, um rapaz de óculos e aspecto franzino, aparentando muito menos que os seus declarados 24 anos, enquanto distribuía cartazes contrários à lei. “Não sei se conseguiremos algo, mas pelo menos queremos que nossa voz seja ouvida. Este projeto de lei é perigoso. Significaria o final das liberdades em Hong Kong. Qualquer um de nós poderia ser detido e enviado para a China.” Sunny já participou do movimento dos guarda-chuvas há cinco anos. “Veremos o que acontece desta vez. Temo que a polícia seja muito mais dura agora.”
Era um pessimismo compartilhado por outros manifestantes, que recordavam a dureza dos agentes para dissolver, no domingo passado, os resquícios da manifestação de um milhão de pessoas (segundo os organizadores; 240.000 segundo a polícia) que ocupou o centro da cidade para protestar contra a medida. Alguns observavam também que os líderes das manifestações pacíficas do Movimento dos Guarda-Chuvas cedo ou tarde acabaram condenados à prisão. Vários deles, como o jovem líder estudantil Joshua Wong, estão cumprindo suas penas atualmente.
Se desde então Hong Kong tinha vivido uma fase de desencanto com os pronunciamentos políticos, agora recuperou de sobra o espírito daqueles dias. Desta vez não há líderes que lancem convocatórias. É um movimento muito mais espontâneo e improvisado. À medida que as horas passavam, os manifestantes mais jovens ganhavam a companhia de outros mais velhos, incluindo alguns aposentados. Na manifestação do domingo participaram incontáveis setores da população: estudantes, advogados, jornalistas e até mesmo empresários, uma categoria que geralmente se abstém de manifestações públicas.
Está em jogo, segundo os manifestantes, o princípio de “um país, dois sistemas”, que garante ao território autônomo alguns direitos e liberdades desconhecidos na China continental, e que o Governo central prometeu respeitar durante 50 anos em 1997, quando o Reino Unido devolveu sua ex-colônia à soberania chinesa. Mas desde então, afirmam, a China foi aumentando sua interferência na gestão do território: o sequestro de cinco livreiros que publicavam volumes críticos ao Governo de Pequim e que apareceram sob custódia chinesa no outro lado da fronteira, em 2015, é um dos exemplos mais citados. Se o processo de absorção continuar, opinam esses manifestantes, a identidade do território acabará irremediavelmente perdida.
Os críticos também recordam as dúvidas sobre o opaco sistema jurídico chinês, sujeito ao Partido Comunista e onde as organizações não governamentais denunciam casos de tortura, confissões forçadas e leis que permitem reter suspeitos em paradeiro desconhecido sem acesso a um advogado.
O Executivo presidido pela ministra-chefe Carrie Lam alega que já modificou o projeto de lei em duas ocasiões e que, para extraditar suspeitos reclamados pela China, exigirá garantias de Pequim; a solicitação não poderá ter motivações políticas nem religiosas, e, mesmo se os tribunais autorizarem a entrega, o Governo terá a última palavra. Pequim, que apoia rotundamente a medida, afirma por sua vez que o país confere “grande importância” à proteção dos direitos humanos e acusa “força estrangeiras” de promoverem os protestos.
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