Roberto Carlos: “Me custa assumir minha idade. Sou muito mais jovem que os anos que eu tenho”
Cantor volta à Espanha após 35 anos e faz parcerias com Jennifer López e Alejandro Sanz. Ele se empenha em falar de amor e otimismo apesar das tragédias que açoitaram sua vida
As pessoas que coordenam as entrevistas com Roberto Carlos pedem que os repórteres preferivelmente vistam roupa azul e/ou branca, e que, por favor, evitem a todo custo o marrom na indumentária, porque incomoda o cantor. Um pedido tão insólito que causa preocupação antes do encontro com o cantor e compositor mais famoso da história do Brasil, um dos intérpretes latino-americanos com mais discos vendidos, 140 milhões ao longo de 55 anos de carreira. O vaivém na suíte do hotel madrilenho onde ele se hospeda tampouco leva a pensar que a entrevista será fácil. Mas quando Roberto Carlos aparece, vestido com camisa azul-claro, calça branca e botas brancas, nada é como se podia imaginar.
Seu rosto de 78 anos não perde o sorriso em nenhum momento, e ele demonstra com sua atitude que seu entusiasmo em cantar na Espanha – atuará nesta quinta, 23, no Wizink Center, em Madri, 35 anos depois de sua última visita – é maior que qualquer mania que possa ter devido ao transtorno obsessivo-compulsivo que revelou há anos. Nada denota as tragédias que sacudiram sua vida, nem a depressão que em algum momento o fez pensar em parar de atuar. “Tenho minha forma de viver, minha maneira de ver as coisas, minha experiência, minha idade… mas me custa assumi-la, porque eu gosto de pensar de uma forma muito jovem. Eu sempre digo que aqui [aponta enfaticamente a própria cabeça] sou muito mais jovem que os anos que eu tenho.”
O novo disco, que fará parte da turnê Amor Sin Límite, é o primeiro que ele grava em espanhol em 25 anos. Inclui 10 canções, sendo 4 inéditas e outras 6 que o artista nunca havia gravado. Em duas delas, faz dueto com dois artistas de porte internacional, Jennifer López e Alejandro Sanz. “Dois grandes”, como os define Roberto Carlos, mas sobretudo “duas pessoas incríveis”. Um detalhe que reflete algo que vai repetindo ao longo da conversa: a importância que Roberto Carlos dá às pessoas, à vida desfrutada e sofrida, e sua contínua necessidade de recorrer ao otimismo como terapia. “A energia positiva é importante porque nos ajuda. Às vezes estou fazendo uma canção triste e quando chego ao final me digo: ‘Isto não pode acabar assim, tenho que pôr uma frase de esperança’”, diz o capixaba.
Assim ele já demonstrou em momentos nos quais outros teriam jogado a toalha. Aos seis anos, foi atropelado por uma locomotiva enquanto brincava perto de uma ferrovia, e parte da sua perna direita teve que ser amputada. Primeiro usou muletas, e depois uma perna mecânica cuja existência o faz mancar ligeiramente ao caminhar. Depois, o cantor de Lady Laura, Detalhes e Eu Quero Apenas viu como o amor lhe era esquivo, apesar de ser o motor de suas canções. Aos 25 anos, teve um romance com a mãe de seu primeiro filho, Rafael Carlos, a quem só reconheceria em 1991, pouco antes de essa mulher morrer de câncer. Em 1990, a mesma doença havia matado sua primeira esposa, Cleonice Rossi, que era a mãe de seus outros dois filhos, Roberto Carlos e Luciana, e também de Ana Paula, a quem o cantor trata como filha, embora seja fruto de um casamento anterior dela. Em 1999, a história se repetia e ele perdeu sua terceira esposa, Rita Simões, aos 38 anos, após apenas quatro anos de casamento.
De tudo isto ele não gosta de falar, mas paira no ar quando é questionado sobre o motivo de tantos anos de ausência: “Aconteceram muitas coisas neste tempo, e na verdade não saí do Brasil durante muitos anos. Agora estou muito contente de receber todo este carinho de novo”, afirma sobre sua volta a Madri. Suas composições continuam falando de amor, porque “ele está sempre presente na minha vida e porque transforma qualquer idade em adolescência”. A tarde desta segunda-feira ainda lhe proporcionaria uma surpresa: encontrar-se com seu compatriota e xará Roberto Carlos, ex-jogador de futebol, que tem esse nome justamente por ser filho de fãs do Rei. "É bonita a história, mas a primeira vez que escutei que Roberto Carlos era um craque da bola eu pensei: ‘Caramba, isto vai ser uma confusão’. Então quando começou a acontecer, antes que me perguntassem eu me pus um apelido: Roberto Carlos, o cantor", conta com humor.
Há anos compõe menos, mas continua atuando. Inclusive num cruzeiro anual em que sua presença é o grande atrativo. Um peculiar barco do amor no qual centenas de casais embarcam para ver um show do ídolo e ter uma relação próxima com ele durante alguns dias. "Começou como um projeto para cinco anos e já estamos há quinze. Faço três shows, uma entrevista coletiva e também participo da entrega de um prêmio que dão por um concurso de karaokê. Eu gosto muito de ver que querem falar comigo e me ter perto."
Utilizando o recurso da letra de uma de suas canções mais conhecidas do público internacional, Un Gatto nel Blu (literalmente “um gato no azul”, que ele cantou em 1972 no Festival de San Remo, na Itália), perguntamos a ele sobre a cor da sua vida. Embora continue gostando do azul, que em certos países é relacionado à nostalgia e à angústia, Roberto Carlos responde sorridente: “O gato ainda não está totalmente bem, mas vai melhorando. Eu estou mais esperançoso e otimista”. A ponto de afirmar que não tem medo nenhum de ter sido esquecido pelos espanhóis: “Acho que há uma boa conexão. Eu só tenho que cantar bem e deixá-los felizes”.
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