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Tribuna
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Julian Assange: a queda do vazador sem fronteiras

Editor australiano sempre foi um personagem polêmico, tão admirado quanto detestado

Joseba Elola
O fundador do WikiLeaks, Julian Assange, depois de sua prisão em Londres.
O fundador do WikiLeaks, Julian Assange, depois de sua prisão em Londres.Victoria Jones (PA Wire/dpa)
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Julian Assange passou anos dizendo que os Estados Unidos queriam extraditá-lo. Que havia uma causa secreta em andamento contra ele por revelar os segredos da diplomacia e da espionagem norte- americanas. Que depois de Chelsea Manning, a analista de inteligência que forneceu a documentação com a qual iniciou uma série de vazamentos que entrarão na história, o objetivo era derrubá-lo. Por isso permanecia refugiado em precárias condições físicas, depois de quase sete anos sem praticamente ver a luz, em uma embaixada na qual, cada dia mais, era um ocupante indesejado. Seus piores temores se confirmaram nesta quinta-feira. Já foi evacuado pela força da sede diplomática que lhe dava abrigo desde junho de 2012. O Equador levantou a proteção que lhe dava. E a polícia metropolitana britânica confirma que, em parte, foi detido por um pedido de extradição dos Estados Unidos. A aventura do vazador por excelência entra em uma fase que não lhe augura grandes alegrias.

Com uma longa barba branca, debilitado, transportado como um cordeiro, gritando. A imagem que o mundo recebeu nesta quinta-feira do polêmico editor de 47 anos tem pouco a ver com a daquele ativista carismático e glamoroso que em 2010 desafiou a grande superpotência a partir da capa da revista Time, que o escolheu como homem do ano.

Havia muitos anos que incomodava instituições e personagens com poder, então dificilmente sairia impune

As coisas, o mundo, mudam rapidamente. Há apenas dois anos, o sol parecia começar a brilhar para o fundador do WikiLeaks, site de vazamentos responsável por casos tão notórios como o Cablegate, em 2010, que expôs os segredos da diplomacia norte-americana, ou os vazamentos que colocaram em apuros a candidata democrata Hillary Clinton na campanha eleitoral na qual Donald Trump saiu vencedor: a analista Chelsea Manning tinha sido perdoada por Barack Obama e percorria o mundo divulgando as bondades da transparência da informação; e as autoridades suecas haviam desconsiderado a investigação das acusações de estupro que pesavam contra ele na Suécia. Hoje, Chelsea Manning está de novo na prisão por não colaborar na investigação que um júri norte-americano realiza em torno do WikiLeaks. E Assange voltou ao calabouço.

Havia muitos anos que incomodava instituições e personagens com poder, então dificilmente sairia impune. Criou o WikiLeaks em 2006 com a intenção de usar o potencial oferecido pela tecnologia e pela rede para denunciar e expor o comportamento dos corruptos. Seu sucesso consistiu, com seu notável passado de hacker, em construir uma plataforma na qual os denunciantes pudessem vazar documentos de modo anônimo sem o receio de serem rastreados. A transmissão — em abril de 2010 — da filmagem de um helicóptero norte-americano Apache disparando em um grupo de civis colocou seu site no radar das informações. E a publicação dos Documentos do Iraque, dos Documentos do Afeganistão e dos Documentos do Departamento de Estado (ou Cablegate), durante todo aquele ano, fizeram do WikiLeaks a marca global do novo jornalismo de denúncia com DNA digital.

A transmissão – em abril de 2010 – da filmagem de um helicóptero norte-americano Apache disparando em um grupo de civis colocou seu site no radar das informações

Foi também naquele ano, fundamental para sua trajetória profissional e de vida, que saiu de uma visita a Estocolmo, em agosto, com quatro acusações de crimes sexuais (uma delas de estupro) por seu comportamento com duas mulheres. A instrução desses procedimentos da Justiça sueca foi sendo extinta ao longo dos últimos anos por ter prescrito o prazo para interrogá-lo ou porque as autoridades suecas decidiram abandonar a investigação (em maio de 2017).

Sempre foi um homem polêmico, tão admirado quanto detestado. Dotado de um carisma evidente e uma inteligência notável, também acusado de despotismo e egolatria, foi um garoto superdotado e desde muito cedo se notava que era promissor. Criado em uma família inconformista, com a qual viveu uma infância itinerante pelo território australiano, encontrou refúgio no mundo dos computadores, onde se formou como programador demonstrando um talento precoce. Aos 16 anos, com o pseudônimo de Mendax, formou seu primeiro grupo de hackers com dois amigos e logo invadiu o sistema de computadores da empresa de telefonia canadense Nortel. Sua vocação para desestabilizar sistemas já o levou aos tribunais de seu país quando era um jovem com rabo de cavalo e óculos de John Lennon.

Aos 16 anos, com o pseudônimo de Mendax, formou seu primeiro grupo de hackers com dois amigos

Egocêntrico, com alto conceito de si mesmo, conseguiu atrair todo tipo de inimizades ao longo de seu percurso no WikiLeaks e muitos que o acompanharam nos estágios iniciais da aventura informativa o abandonaram ou foram expulsos, como aconteceu com aquele foi seu braço direito nos anos fundamentais da plataforma, o cientista da computação Daniel Domscheit-Berg, ou a ativista islandesa Birgitta Jónsdóttir.

Depois de perder a queda de braço com a justiça britânica, que aprovou sua extradição para a Suécia por quatro acusações de crimes sexuais e estupro, optou por se refugiar na Embaixada do Equador em junho de 2012 para escapar de um procedimento pelo qual, dizia, o que se queria na verdade era mandá-lo para os Estados Unidos para julgá-lo por expor material confidencial. A partir desta quinta-feira, essa possibilidade está um pouco mais próxima.

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