Bolsonaro explora redes e lança Governo em caótica campanha permanente
Ora pautando as notícias, ora reagindo aos apoiadores e recuando, presidente segue tática do período eleitoral para tentar manter seguidores coesos. Estratégia é faca de dois gumes, segundo especialistas
Se durante a campanha eleitoral Jair Bolsonaro conseguiu quebrar a hegemonia da televisão formando sua base de eleitores no Facebook, Twitter e WhatsApp —que têm no Brasil um mercado de mais de 100 milhões de usuários—, nos seus primeiros dois meses como presidente da República, as redes sociais são uma bússola primordial do Governo. É nessas plataformas que o mandatário anuncia projetos e ações políticas, rebate críticas, ataca opositores e, cada vez mais, manda e recua à mercê da opinião de seus seguidores. Por um lado, o presidente segue táticas já usadas por Donald Trump de manter a audiência em um clima fabricado e perene de campanha. Por outro, provoca ressalvas, até em aliados, que se perguntam como a estratégia vai funcionar no momento em que estiverem em pauta temas naturalmente controversos, inclusive dentro da base do presidente, como a reforma da Previdência.
"Por conta da mobilização que o levou ao poder, Bolsonaro não pode sair do clima de campanha. Ele precisa manter seu público aquecido com polêmicas. Se eles estiverem frios, não retuítam e não dão likes, e a mensagem não se propaga. Por isso ele continuou elogiando a ditadura, por exemplo, sempre polemizando. Sua estratégia de comunicação depende disso", diz Pablo Ortellado, professor de Gestão Política da USP.
Para Ortellado e outros especialistas, a postagem de um vídeo obsceno na noite de terça-feira —que mostra a dois homens, um deles tocando o próprio ânus e o outro urinando nele depois— e a pergunta sobre a prática sexual golden shower é mais uma peça dessa estratégia. Ortellado considera que a postagem, que indignou os brasileiros e repercutiu em todo o mundo, foi também uma reação a um Carnaval anti-Bolsonaro, em que o presidente e seu Governo foram alvo de deboches e críticas sociopolíticas direta e indiretamente. Algumas escolas de samba, como a Estação Primeira de Mangueira e a Paraíso do Tuiuti, tematizaram questões consideradas antagônicas ao atual Executivo, como a luta dos povos negros e indígenas.
Se o tuíte controverso fortalece a coesão entre os apoiadores em torno de uma pauta conservadora nos costumes, também pode "acabar virando um bonde sem freio", alerta Fábio Malini, coordenador do Laboratório de Estudos sobre Imagem e Cibercultura (Labic) e professor da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). Ele considera que se o presidente continuar "reagindo irracionalmente a qualquer provocação de grupos políticos afastará, com o tempo, sua base eleitoral e interagirá só com os bajuladores".
Recuos e cálculos
Decisões concretas do Governo também tem reagido diretamente ao termômetro das redes. A mais visível e monitorável dessas plataformas é a mais usada por Bolsonaro, o Twitter, que não é a rede mais popular no Brasil e tende a ser mais elitizada do que Facebook e WhatsApp, embora não haja dados oficiais das companhias sobre o perfil socioeconômico. O perfil também levanta a questão sobre a representatividade dos usuários tuiteiros na própria base eleitoral do presidente. O ultraconservador foi eleito por 56 milhões de votos, mas, segundo pesquisa Datafolha divulgada em janeiro, apenas cerca de 14% da população brasileira é considerado um bolsonarista heavy ou intenso, por concordar com nove das 13 teses consideradas mais radicais do atual ocupante do Planalto.
De acordo com a pesquisa CNI/MDA, divulgada na semana passada, 52,6% desaprovam a decisão do Governo de facilitar a posse de armas no Brasil, umas das medidas mais significativas da gestão até agora, contra 42,9% que aprovaram a mudança. Na redes, no entanto, a reação da base mais ativa bolsonarista tem sido de veemente defesa da posse de armas e endurecimento geral da política de segurança. Foi essa base que fez a enorme pressão nas redes sociais que fez com que Bolsonaro orientasse o ministro da Justiça, Sérgio Moro a retirar o convite feito à cientista política Ilona Szabó para integrar, como suplente, o Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária.
Diretora do Instituto Igarapé, think tank de renome internacional em estudos sobre segurança pública, Szabó é considerada uma esquerdista e moderada demais pelos seguidores do presidente, que criticaram tanto ela quanto Moro pela "escolha equivocada". Entre os dias 27 de fevereiro e 1º de março, foram publicados 13.594 tweets sobre o caso, a grande maioria contrária à cientista política —entre as 10 hashtags mais utilizadas nos tweets que abordaram o caso, cerca de 84% repetiam mensagens como "Ilona, não"—, de acordo com um levantamento feito pela empresa de análise AP Exata.
"A militância da direita política está atenta aos movimentos do Governo Federal e permanece bastante ativa nas redes. É uma rede que articula rapidamente e que tem obtido bons resultados nas pressões que tem feito, no intuito de fazer com que alguns atos sejam revistos, como foi o caso da nomeação de Szabó", comenta Sergio Denicoli, diretor da AP Exata.
Denicoli explica que Bolsonaro ainda colhe os frutos por ter empoderado, durante a campanha, as narrativas nas redes sociais, dialogando com questões políticas e identitárias da direita, como a defesa dos valores familiares —e, consequentemente, antagonizando com os movimentos feminista e LGBT—. O problema, acrescenta o especialista, é que o presidente não governa apenas para os cidadãos de um lado do espectro ideológico. "Ele terá que negociar com forças do centro e da esquerda, e, para isso, enfrentará essas críticas de seus apoiadores. Isso não pode frear o diálogo de questões políticas importantes, como as reformas", afirma.
É uma faca de dois gumes. Às vésperas de que o Congresso retome, de fato, suas atividades no próximo dia 12, e com uma proposta de Reforma da Previdência nas mãos, que garantias o presidente dará aos parlamentares que negociem com ele de que não voltará atrás em suas decisões caso essas desagradem seus seguidores? Para Pablo Ortellado, da USP, a estratégia de obediência às redes só continuará funcionando se Bolsonaro fizer uma cortina de fumaça, tirando pautas sensíveis de sua agenda do radar e tendo, assim, margem de manobra para negociar com os parlamentares sem o olhar escrutinador da legião de seguidores virtuais.
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