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Militares venezuelanos desertam em Roraima: “É agora ou nunca”

Os sargentos Jean Parra e Jorge Luis González explicam o que os levou a deixar as Forças Armadas do país e cruzar a fronteira em Pacaraima neste sábado

O sargento desertor Jorge Luis González, de 27 anos, após cruzar a fronteira, em Pacaraima, neste domingo.
O sargento desertor Jorge Luis González, de 27 anos, após cruzar a fronteira, em Pacaraima, neste domingo.Edmar Barros (AP)
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O sargento Parra e o sargento González começaram a caminhar em direção ao Brasil neste sábado, quando a noite já havia caído. Para trás ficavam sua pátria, suas famílias e seus companheiros de armas. “Quando os vi, estavam com os braços levantados”, explicou neste domingo o primeiro brasileiro que topou com eles, depois de terem cruzado a fronteira, ainda vestidos com o uniforme da Guarda Nacional Bolivariana, um dos quatro componentes das Forças Armadas da Venezuela. Estavam desarmados. “Estamos com fome, estamos exaustos. Queremos nos entregar, me disseram”, conta este homem que exige permanecer no anonimato porque seu trabalho o impede de comentar o assunto. Horas mais tarde os sargentos Jean Carlos César Parra, de 33 anos, Jorge Luis González, de 27, e um terceiro desertor venezuelano, Carlos Eduardo Zapata, explicaram em plena luz do dia seus motivos no posto de fronteira de Pacaraima, o único entre o Brasil e a Venezuela.

“Queremos que o povo saia, que não tema. Nós, militares, não temos medo, estamos vindo para o Brasil. É agora ou nunca”, disse Zapata diante de um enxame de jornalistas ao lado do posto onde o Exército do Brasil e a ONU recebem os venezuelanos recém-chegados. Mais de 95.000 já foram acolhidos. Zapata e seus companheiros também detalharam o quão difícil foi tomar a decisão e fizeram um chamamento aos seus companheiros de tropa para que “sejam leais ao povo, que está passando fome”, e não ao líder chavista Nicolás Maduro.

Maduro mantém por enquanto o apoio da cúpula militar. São muito poucos os altos comandantes que abandonaram o sucessor de Hugo Chávez para declarar lealdade a Juan Guaidó, reconhecido por dezenas de países como presidente interino da Venezuela. Cerca de 60 soldados da tropa aproveitaram no sábado a queda de braço política da entrega de ajuda humanitária para atravessar para a Colômbia. Mas a anistia oferecida por Guaidó depois de sua proclamação como presidente não teve o efeito desejado por ele e seus aliados. O apoio da cúpula militar é, para muitos observadores, a questão que decidirá se o regime chavista perde ou não o poder.

Os três desertores, que no sábado participaram do dispositivo que tinha ordens de impedir a entrada da ajuda humanitária promovida por Guaidó, afirmaram que outros gostariam de seguir seus passos. “Muitos companheiros querem vir (para o Brasil), mas a nossa posição como militares não é fácil”, explicou Zapata, que contou que há cinco dias viu morrer um sobrinho por falta de medicamentos em um hospital. “A valentia, a coragem que se deve ter para fazer o que fizemos, não é fácil”, acrescentou González. “Sim, tenho medo... mas Deus é grande e poderoso. E em algum momento tudo isso vai acabar”. A sensação desses homens, como dos opositores, é que “é agora ou nunca”.

Eles decidiram que o momento era neste sábado, mas a reflexão começou muito antes. “De repente, um civil vem ao Brasil e pronto, não acontece nada. Pede refúgio e pronto. Nós, os militares, não. Se voltarmos, eles nos matam automaticamente, eles nos colocam na prisão. Portanto, pensamos muito para tomar essa decisão. Por quê? Não por nós, mas por nossos filhos, por nossos familiares que estão lá”, insistiu Zapata. Depois de cruzarem a fronteira, pediram asilo político.

Um deles tentou explicar a dor que significa sentir, junto com as dúvidas internas, a inimizade de compatriotas que tiveram de reprimir, como parte da Guarda Nacional Bolivariana, um corpo militar que realiza as tarefas de tropa de choque. Assim que terminaram de conversar com a imprensa, uma mulher se aproximou de um dos sargentos. E o abraçou enquanto lhe dizia. “Obrigado, corajoso”.

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