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Responsável por fiscalizar barragens, ANM já admitiu falta de verba para vistorias ‘in loco’

Relatório de 2017 aponta que 80% do orçamento é gasto no administrativo. A procuradores que aguardam inspeção de mina há quatro anos, autarquia alega "recursos escassos"

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Equipe de resgate atua em BrumadinhoADRIANO MACHADO (REUTERS)
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A Agência Nacional de Mineração (ANM) — autarquia federal responsável por fiscalizar empreendimentos minerários e barragens de mineração no Brasil —admite em documento oficial que tem problemas financeiros, que consome cerca de 80% dos recursos que recebe em gastos administrativos e que a liberação paulatina de verba pelo Governo Federal dificultou o cumprimento de seu papel. O mais recente relatório de gestão da agência reguladora, de 2017 e publicado no ano passado, aponta que a ANM "tem suas despesas administrativas no limite para atender suas necessidades de funcionamento", ainda que ressalte que o trabalho de fiscalização tem priorizado a gestão de segurança de barragens. Questionada sobre quantos profissionais realizam o trabalho de vistoria em campo nos distintos empreendimentos minerários, a ANM respondeu que apenas 34 servidores atuam na fiscalização de barragens, sem esclarecer se há outros servidores que fazem o trabalho de campo nas minas, por exemplo. Os profissionais são responsáveis por vistoriar pelo menos as 790 barragens de mineração existentes no Brasil.

A ANM não respondeu à pergunta feita pela reportagem se a quantidade de fiscais disponíveis prejudicou o trabalho de fiscalização nas barragens de Brumadinho e Mariana, que romperam. Em um caso concreto, pelo menos, a agência reguladora chegou a responder por ofício, em 2018, que a "severa restrição orçamentária" deixava o órgão com "recursos escassos para a realização de trabalhos de campo". O documento foi uma resposta à Procuradoria da República no município de São João Del Rei, em Minas Gerais, que aguarda, desde 2015, uma vistoria in loco da ANM em uma mina para averiguar impactos no centro histórico da cidade ou danos ambientais por supostas detonações para a extração de ouro que teriam sido realizadas pela empresa São Jerônimo LTDA em 2014. A mineradora disse ao EL PAÍS que a mina em questão está totalmente desativada há sete anos e que desconhece qualquer investigação ou ação abertas contra ela. Ainda assim, o Ministério Público Federal segue insistindo no pedido de vistorias presenciais para atestar se de fato há ou não alguma exploração na mina.

O pedido mais recente da Procuradoria mineira foi protocolado pelo Ministério Público Federal na superintendência da ANM de Minas Gerais no dia 31 de janeiro deste ano. No documento, o procurador Marcelo José Ferreira dá um prazo de 30 dias para que a autarquia comprove a adoção de medidas para obter a verba necessária para fazer a vistoria requerida. "Informo que, desde o ano de 2015, aguarda-se, nos autos em epígrafe, a realização de vistoria in loco, a qual vem sendo adiada sob o genérico fundamento de ausência de recursos para custeá-la, e ressalto que o DNPM [nomenclatura antiga da ANM] não pode furtar-se a desempenhar seu múnus sob tal alegação genérica", afirma o procurador na solicitação. Em resposta ao pedido na última terça-feira, o gerente da ANM em Minas Gerais, Jânio Alves Leite, determinou que a Divisão de Fiscalização da Mineração de Metálicos "providencie o quanto antes a fiscalização na área".

Vinculada ao Ministério de Minas e Energia, a ANM é responsável tanto por estabelecer normas para regular todas as atividades de mineração no país como também por exercer a fiscalização para garantir o controle ambiental e também a segurança dos empreendimentos. Na prática, conforme a legislação brasileira, a autarquia pode por exemplo realizar vistorias, notificar empreendedores, autuar infratores e até adotar medidas de interdição e paralisação em caso de irregularidades graves na extração de qualquer tipo de minério. É das mineradoras, no entanto, a responsabilidade legal em caso de incidentes como de Brumadinho, que deixou ao menos 157 mortos.

Novo marco de mineração brasileiro

Até pouco tempo, o órgão federal responsável pelo setor da mineração no Brasil era o Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM). Em 2017, dois anos depois da tragédia de Mariana, o então presidente Michel Temer sancionou o novo marco da mineração no país, que transformou este órgão em agência reguladora. Na discussão para a criação dessa lei, já se admitia as dificuldades históricas do órgão em relação a estrutura e orçamento. A ideia era justamente que a nova agência tivesse mais independência, ampliasse suas atribuições e também um maior orçamento. Por isso, a própria lei estabelece algumas fontes de receitas oriundas de taxas, pagamento de emolumentos pelo setor, convênios firmados com empresas ou órgãos públicos e até palestras proferidas. Essas verbas são repassadas à autarquia pela União. Um ano depois, porém, a autarquia segue com os mesmos problemas. "O nosso orçamento é estabelecido pela Secretaria de Orçamento Federal do Ministério da Economia atual, temos feito tudo para conseguir aumentá-lo, porém empacamos na impossibilidade orçamentária do Governo como um todo", diz a autarquia.

A Agência Nacional de Mineração dispõe hoje de 880 servidores lotados na sede de Brasília, nas 25 superintendências estaduais e nos sete escritórios regionais que compõem sua estrutura administrativa, informa a ouvidoria do órgão. O mais recente relatório de gestão disponibilizado no site da autarquia foi publicado em agosto do ano passado e diz respeito ao ano de 2017, quando o orçamento anual operacional administrativo foi de 40,6 milhões de reais. No documento, o órgão já destacava que o limite de execução foi sendo liberado paulatinamente, o que dificultou o planejamento e a execução das atividades naquele ano. A prestação de contas de 2018 ainda não está disponível.

Ainda assim, os relatórios dos últimos anos revelam que, em média, mais de 80% das receitas do órgão se concentram em despesas básicas para garantir o funcionamento da estrutura administrativa, como locação de imóveis, limpeza, manutenção de softwares e apoio administrativo. Menos de 20% do orçamento é usado para as demais despesas, que incluem desde os custos de diárias de servidores e de passagens para realizar as inspeções in loco até investimento na capacitação dos profissionais e custos de material de consumo (como café, açúcar e água).

Órgão tem dois métodos de fiscalização

O órgão fiscaliza os empreendimentos minerários de duas formas: pela análise de documentos técnicos e relatórios exigidos por lei aos empreendedores e pelas inspeções in loco, parte delas reativas ao atendimento de demandas da sociedade e de outros órgãos públicos. Em 2017, 36% das 12.517 ações de fiscalização realizadas em todo o país correspondem às inspeções presenciais. Com relação às barragens de rejeito, foram 305 vistorias no país. Em Minas Gerais, estado que concentra a maior parte dos empreendimentos de mineração, 74 barragens foram vistoriadas naquele ano, conforme o relatório de gestão.

O rompimento da barragem de Fundão, em Mariana, serviu de alerta para aprimorar os mecanismos de fiscalização pelo Governo Federal. Foram criados, por exemplo, sistemas unificados para que as mineradoras passassem a informar sobre o monitoramento das barragens desse tipo de 15 em 15 dias. A Vale prestava essas informações, mas isso não foi suficiente para evitar o incidente. Após a tragédia de Brumadinho, quase três anos depois do rompimento de Mariana, a ANM passou a pedir que o sistema seja alimentado com informações diariamente por empreendimentos que mantêm este tipo de barragem. Nos últimos dias, a ANM tem feito vistorias em diversas barragens em uma força-tarefa iniciada após a tragédia de Brumadinho. A última vistoria in loco feita pelo órgão na barragem que rompeu data de 2016. Desde então, era monitorada via Sistema Integrado de Gestão de Segurança de Barragens de Mineração, no qual foram entregues pelo empreendedor diversos relatórios de inspeção quinzenal e resultados semestrais promovidos por auditorias independentes.

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