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De testes de DNA à convocação de policiais aposentados, magnitude da tragédia pressiona Brumadinho

Quanto mais os corpos permanecem na lama, mais difícil é a identificação das vítimas. Polícia Civil terá base para recolher material para exames de DNA e da arcada dentária

Vista aérea do Cemitério Parque das Rosas, em Brumadinho.
Vista aérea do Cemitério Parque das Rosas, em Brumadinho.Douglas Magno
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Desesperada em busca de notícias do irmão, Vanessa da Cruz foi na manhã desta terça-feira ao Instituto Médico Legal (IML) de Belo Horizonte. Desde sexta-feira ela não sabe nada de Adriano Wagner da Cruz de Oliveira, que trabalha como mecânico de uma empresa terceirizada na Mina Córrego do Feijão, em Brumadinho, onde a barragem da mineradora Vale rompeu espalhando lama e morte a apenas 60 km da capital mineira. “Estamos agoniados, com as mãos atadas. Mas vim hoje porque quero que isso acabe logo, já são cinco dias que estamos na espera, no desespero”, disse na frente do IML, para onde os corpos das vítimas da tragédia estão sendo encaminhados –84 mortes foram confirmadas e, segundo o balanço mais recente, ainda há 276 desaparecidos. Vanessa foi ao IML para pedir que antecipassem seu exame de DNA para ajudar na identificação de Adriano. “Se essa foi a vontade de Deus, quero que isso acabe da forma certa, quero poder enterrar o meu irmão”, completou com a voz embargada.

O drama das famílias só cresce enquanto também aumenta a pressão nos serviços públicos obrigados a atender uma tragédia dessa magnitude. Brumadinho vive uma corrida contra o tempo. Cada segundo importa não apenas para se localizar sobreviventes, mas também para se identificar as vítimas. "A Polícia Civil empreende esforços para a identificação de todas as vítimas. Mas com o passar do tempo, alguns [fatores] dificultadores vão surgir", afirmou o delegado Luiz Carlos Ferreira, em uma entrevista coletiva na tarde de segunda, 28 de janeiro. Ele aponta, por exemplo, que quanto maior a demora, mais difícil é manter as impressões digitais, que foram utilizadas até agora para identificar os corpos das pessoas que morreram. A partir da próxima quarta, um posto de atendimento será montado para que os parentes de desaparecidos possam fornecer dados como material para a comparação de DNA e radiografias e relatórios odontológicos para possibilitar a identificação de vítimas pela arcada dentária.

O número elevado de vítimas do rompimento da barragem da mineradora Vale também impõe desafios estruturais para o trabalho de identificação dos corpos. Como o número de mortos e desaparecidos passam de 300, foi necessário um reforço de conteiners frigoríficos para manter os corpos no IML de Belo Horizonte. Uma força tarefa foi montada no local, com o cadastro de policiais aposentados que estão se voluntariando para auxiliar os que estão na ativa. Na manhã desta terça, quatro peritos de Brasília chegaram ao Instituto Médico Legal para auxiliar os 88 profissionais que atuam na identificação e liberação dos corpos das vítimas do desastre.

A Polícia Militar também suspendeu todas as atividades de sua academia de polícia para reforçar o policiamento em Brumadinho, onde há boatos de saques em casas que foram esvaziadas após o rompimento da barragem. A polícia diz que nenhum caso foi registrado oficialmente, mas afirma que o patrulhamento na área rural foi ampliado e uma base comunitária extra foi montada para o registro de ocorrências. O município de cerca de 40.000 moradores tem 250 policiais destacados no momento, além de um patrulhamento constante feito por helicópteros.

A disputa contra o tempo também aumenta a ansiedade das famílias, que se mantêm em compasso de espera. Qualquer mínimo sinal é capaz de trazer expectativas que se frustram logo depois. No fim da tarde de segunda, um forte choro de um grupo de familiares de uma desaparecida tomou conta da Estação de Conhecimento, o local em que os parentes das vítimas do rompimento da barragem da Vale, em Brumadinho, estão recebendo assistência e passam o dia aguardando notícias dos resgates. Desta vez, as lágrimas eram de alegria, já que os parentes de Nathália de Oliveira Porto de Araújo diziam ter conseguido a localização do celular da estagiária de administração e isso os fazia acreditar que ela estava viva. A família gritava de emoção e agradecia a Deus. A boa notícia acendeu a esperança das dezenas de familiares de outros desaparecidos que estavam no local. Minutos depois, no entanto, os familiares foram informados que ela não tinha sido encontrada.

Quem se agarra à esperança também é a mãe do mecânico Adriano Wagner da Cruz de Oliveira. Vanessa da Cruz, no IML de BH nesta terça, explica que a mãe viajou para Brumadinho logo que soube do rompimento da barragem da Vale e continua no local para ter mais informações do filho. Ela também acredita, segundo Vanessa, que uma boa notícia pode chegar. Morador de Nova Lima, na Grande BH, Adriano tem uma filha de 16 anos que está grávida e em choque com o desaparecimento do pai. Vanessa relembrava como estava o irmão na última vez que o viu: barba longa, brinco... Tentava pensar em algo diferente que pudesse ajudar os médicos a identificá-lo. Remexer nas lembranças aumentava sua dor. “Até agora não consigo acreditar no que está acontecendo”, lamentava.

A nova rotina de tristeza e ansiedade é também marcada por informações desencontradas, além de  falsas informações sobre localizações de pessoas que chegaram até o Corpo de Bombeiros. Segundo o porta-voz da corporação, Pedro Aihara, pelo menos três boatos circularam em Brumadinho. “Fomos muito prejudicados no dia de hoje com veiculação de informações falsas. Tivemos notícias que algumas pessoas estariam perdidas em áreas de mata, inclusive com pessoas passando coordenadas. Deslocamos equipes para os locais, mas nada foi constatado”, disse. Aihara explicou ainda que muitas vezes os celulares dos desaparecidos continuam em funcionamento e podem emitir sinal mesmo não estando com a pessoa. “Às vezes, um parente ligou para a pessoa e o celular pode ter chamado, mas não significa que ela esteja viva”, explicou.

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