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China e Venezuela: uma relação baseada em dívidas

Pequim emprestou a Caracas o equivalente a 233 bilhões de reais na última década, dos quais o Governo latino-americano ainda precisa pagar um terço. Relação entre ambos não passa por seu melhor momento

Nicolás Maduro ao ser recepcionado por Xi Jinping em Pequim, em setembro passado.
Nicolás Maduro ao ser recepcionado por Xi Jinping em Pequim, em setembro passado.AFP
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Em poucos lugares do mundo os últimos acontecimentos na Venezuela tiveram tanto impacto quanto na China. O principal credor do regime de Nicolás Maduro observa a situação com preocupação depois que o presidente da Assembleia Nacional, Juan Guaidó, se proclamou na semana passada chefe de Estado interino do país, com apoio dos Estados Unidos, Brasil e vários outros Governos. Do desenrolar dos fatos nos próximos dias pode depender o futuro de uma relação bilateral crucial para Caracas e Pequim – e também dos abundantes empréstimos que a China desembolsou ao país latino-americano nos últimos anos.

A chancelaria chinesa já manifestou claramente seu apoio a Maduro. “A China se opõe à ingerência nos assuntos internos da Venezuela, que só devem ser decididos pelo povo venezuelano”, insistiu na última sexta-feira, pelo segundo dia consecutivo, a porta-voz ministerial Hua Chunying. “Respaldamos os esforços do Governo da Venezuela para manter sua soberania, independência e estabilidade”, acrescentou.

Pequim é o grande credor da Venezuela. Ao longo da última década, emprestou-lhe quase 62 bilhões de dólares (233 bilhões de reais, pelo câmbio atual), segundo a Base de Dados do Financiamento China – América Latina do Diálogo Interamericano e Universidade de Boston. Uma soma que representa aproximadamente 40% do financiamento que Pequim concedeu a toda a América Latina. A maior parte é composta por créditos pagáveis em petróleo. E aproximadamente um terço, 20 bilhões (75 bilhões de reais), ainda está pendente de devolução.

Sinergias econômicas... até agora

Inicialmente, a aliança entre os dois países parecia se encaixar como uma luva. Compartilhavam sinergias econômicas – a China é o maior importador de petróleo do mundo, e a Venezuela abriga as maiores reserva –, bem como afinidades ideológicas. Além dos empréstimos, oferecidos em sua maioria pelo Banco de Desenvolvimento da China (CDB), choviam investimentos: as companhias estatais chinesas deixaram quase 2,5 bilhões de dólares anuais (9,4 bilhões de reais) no país bolivariano desde 2010.

Em troca dos generosos cheques, a Venezuela pagava com petróleo. Seu produto chegou a alcançar 5% das importações chinesas dessa matéria prima. O que poderia dar errado?

Em uma palavra: tudo.

O presidente Hugo Chávez morreu em 2013, e a sintonia da liderança chinesa com Maduro não foi a mesma. O preço do petróleo desabava. E a produção venezuelana também.

O crédito à Venezuela secou desde então. Em 2016 só foi concedido um grande empréstimo, de 2,2 bilhões de dólares, e para o setor petroleiro. Em 2017, nenhum, dada a preocupação da China sobre a sustentabilidade de seus investimentos e a capacidade do Executivo de Maduro de pagar suas dívidas.

Em 2017, a China comprou 437.000 barris de petróleo venezuelano por dia, ou 5,2% de suas importações de petróleo bruto. No ano passado, a Venezuela só conseguiu fornecer 332.600 barris por dia, uma queda de 24%, segundo cifras da Agência de Alfândegas em Pequim.

A visita de Maduro a Pequim em setembro, organizada para procurar novo financiamento, não apresentou grandes resultados tangíveis. As afirmações de seu Governo de que receberia um crédito de cinco bilhões de dólares (18,8 bilhões de reais) nunca se confirmaram por parte da China. E, embora o mandatário venezuelano tenha tentado ser o mais delicado possível com seus anfitriões – uma de suas atividades foi uma visita ao mausoléu de Mao Tsé-tung –, a recepção foi notavelmente gélida; a cobertura da viagem na mídia oficial, que normalmente costuma cobrir efusivamente as visitas de governantes amigos, quase não existiu.

Contudo, a China mantém firmemente sua aliança com o Governo de Maduro. Os fortes vínculos comerciais vão além do petróleo: Pequim importa também coltan – o “ouro azul”, imprescindível na fabricação de móveis –, ouro e outras matérias-primas. Também mantém importantes investimentos no setor minerador. Já a Venezuela recebe da potência asiática produtos manufaturados num valor de 2,5 bilhões de dólares (9,4 bilhões de reais).

Vínculos políticos

No terreno político, a Venezuela é chave para Pequim, por lhe permitir ter influência na América Latina, uma região tradicionalmente dominada pelos Estados Unidos. A China também valoriza a lealdade e os longos anos de intensas relações, mas isso não a impediu de manter contatos também com a oposição venezuelana neste período, a fim de assegurar o pagamento da dívida em caso de uma mudança de governo.

Mas a crise que eclodiu na semana passada chega num momento inoportuno aos olhos de Pequim. Nesta semana, o regime chinês manterá em Washington uma série de conversações cruciais em sua disputa comercial com os Estados Unidos. A economia chinesa está se desacelerando, e 2019, quando o regime comunista completa 70 anos, promete ser cheio de incertezas. Ver imagens de protestos nas ruas ou escutar ameaças de sanções e inclusive de uma invasão num país amigo são fatores que contribuem para a sua preocupação: nenhum político chinês reagiu com a energia do presidente russo, Vladimir Putin, em defesa de Maduro. Não consta que o mandatário chinês, Xi Jinping, tenha falado com o líder venezuelano nos últimos dias.

A China, reitera Hua, a porta-voz da chancelaria, “se opõe à ingerência de forças externas na Venezuela”. Segundo ela, Pequim faz um apelo “à racionalidade e à calma”.

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