Paulo Guedes quer encolher o Estado como nunca antes na história do país
Mais poderoso na Esplanada desde Zélia Cardoso de Mello, ministro planeja guinada liberal que depende de aprovação no Legislativo e já titubeia sobre aprovar reforma da Previdência
Um superministério da Economia começou nesta quarta-feira a tomar forma no Brasil. Sob o comando do economista ultraliberal Paulo Guedes, a pasta reúne agora as funções que até então eram desempenhadas por três ministérios diferentes: Fazenda, Planejamento e Indústria e Comércio Exterior. A proposta de fusão já constava no plano de campanha de Jair Bolsonaro (PSL) e dava pistas da tônica da equipe quando o assunto é o Estado: quanto menor, melhor. A junção revela ainda o tamanho do poder concedido pelo presidente eleito ao seu guru econômico, que terá a árdua tarefa de arrumar as contas públicas, reformar a Previdência, diminuir alta taxa de desemprego e colocar o país de volta na rota de um crescimento sustentável.
Diante de tamanha responsabilidade, Guedes preferiu, em seu primeiro discurso como ministro, refutar o título de "superministro" e ponderar que ninguém é capaz de consertar os problemas do país sozinho. "Os três Poderes deverão se envolver para isso, além da imprensa, que é o quarto poder e tem papel fundamental", disse.
Se há algo que Bolsonaro nunca negou, desde o início da sua campanha, foi o seu escasso conhecimento sobre economia. Por isso, não demorou muito a apelidar Guedes de seu "posto Ipiranga", o local onde ele poderia resolver qualquer pendência de ordem econômica. A carta branca dada ao economista - um ferrenho defensor da privatização de todas as empresas estatais- foi tão grande que até as indicações dos novos presidentes dos bancos públicos e da Petrobras, que geralmente escapam da decisão da equipe econômica, foram feitas por ele.
Na avaliação do economista Gustavo Franco, ex-presidente do Banco Central e estrategista da gestora Rio Bravo, não há precedentes de tamanho poder, e de o presidente avalizar nomes como o de Joaquim Levy, ex-ministro da Fazenda de Dilma Rousseff, para o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), declarando que foi uma escolha de Guedes. "A experiência histórica mostra que nem sempre é fácil para o líder da economia nomear todos os cargos periféricos importantes no domínio da economia, mesmo para 'super ministros', como Zélia Cardoso de Mello, no governo de Fernando Collor, a única a trabalhar com ministérios econômicos unificados", explica Franco em um relatório da Rio Bravo.
Sob o guarda-chuva de Paulo Guedes estão secretarias, órgãos colegiados, fundações e bancos ligados anteriormente aos 3 ministérios. Serão responsabilidades do ministro órgãos como a Receita Federal, o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), autarquias como o Banco Central e a CVM, empresas como o Banco do Brasil e o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e fundações como o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
A turma do 'Chicago Oldies'
Para compor o superministério, Guedes montou uma turma de "Chicago Boys" brasileiros. Economistas, que assim como ele, passaram pela Universidade de Chicago, nos Estados Unidos, templo do pensamento econômico liberal, e irão aplicar no Brasil as ideias que aprenderam na instituição sob o mantra de menos Estado, mais iniciativa privada. "Chicago Boys" foi o apelido dado aos jovens chilenos que estudaram na universidade americana, onde o homem-forte era Milton Friedman, e implantaram reformas liberais durante os anos 1970, em plena ditadura de Augusto Pinochet. Por aqui, o grupo Guedes foi apelidado de "Chicago Oldies" por já passarem dos 60 anos - o próprio ministro usaria a expressão na posse nesta quarta. Roberto Castello Branco que irá presidir a Petrobras, Rubem Novaes, responsável pelo Banco do Brasil, e Levy, o novo presidente do BNDES, foram os primeiros egressos de Chicago e antigos conhecidos do novo ministro a serem escolhidos.
A pasta comandada por Guedes possui seis secretarias especiais, cada um com um secretário próprio para tocar áreas específicas: Fazenda, Desburocratização, Gestão e Governo Digital, Desestatização e Desinvestimento, Previdência e Trabalho, Receita Federal, Comércio Exterior e Assuntos Internacionais, Produtividade e Emprego e Competitividade. "As pessoas que estão nessas secretarias parecem ter posição de ministros, mas todos com uma diretriz única, o que é positivo. O novo ministro sempre foi um bom estrategista de bancos e gestoras, mas é uma incógnita saber se ele é um bom líder de uma equipe desse tamanho e como lidará com a política", afirma Alexandre Chaia, professor de economia do Insper.
O superministro, de 69 anos, de fato, tem apenas uma breve experiência na carreira política. Ele assessorou o então candidato à presidência Guilherme Afif Domingos, em 1989, sendo um crítico dos projetos econômicos do período, principalmente do Plano Real. O economista, nascido no Rio de Janeiro, construiu fortuna no ramo financeiro e foi um dos fundadores do Ibmec, criado como instituto de pesquisa voltado para o mercado financeiro, do think thank Instituto Millennium e do Banco Pactual. Também investiu na Abril Educação com Roberto e Giancarlo Civita, donos da Editora Abril, até criar, em 2006, a BR Investimentos (comprada depois) pela Bozano Investimentos.
Na avaliação de Chaia, não há dúvidas, no entanto, que o poder de decisões dado a Guedes foi recebido de forma bastante positiva pelo mercado e pelo empresariado, que aprovam as propostas defendidas pelo ministro. Os investidores começaram 2019 otimistas com o novo Governo. No primeiro pregão de 2019, o Ibovespa, principal índice da Bolsa de Valores, disparou e fechou o dia em alta de 3,5%,aos 91.012 pontos, um recorde de pontuação. A euforia também fez o dólar recuar 1,70%. A moeda norte-americana fechou cotado a 3,81 reais.
O professor ressalta, no entanto, que ainda é cedo para saber se a equipe vai conseguir tirar do papel a prometida guinada liberal. Apesar da coesão do time de Guedes e da autonomia dada a ele, há entraves no Congresso, na sociedade e no próprio Governo de Bolsonaro que podem atrapalhar os planos. As principais reformas a serem implementadas pela nova gestão continuam dependendo de forte negociação política e da aprovação dos parlamentares, sendo necessários bons interlocutores com trânsito no Congresso.
"É preciso saber também o quanto Bolsonaro vai ceder em determinadas decisões. Pelo que parece, ele deve apoiar menos a privatização generalizada e mais as questões da abertura da economia e de medidas para destravar os entraves burocráticos, para melhorar o ambiente de negócio do país. O que vemos hoje é que toda a equipe tem um norte, mais ainda não há um plano estruturado", explica o professor.
Principais promessas
Para diminuir o rombo das contas públicas estimado em mais de 139 bilhões de reais neste ano e reverter a trajetória de crescimento da dívida, que já chega a 77,3%, Guedes propõe três pilares: privatizações - um tema espinhoso na sociedade brasileira-, simplificação de tributos e a Previdência Social. Ele defende, no entanto, que a principal e primeira reforma para solucionar o problema fiscal é a que modificará as regras da aposentadoria.
Na avaliação de Guedes, atualmente a Previdência é uma fábrica de desigualdades. "Quem legisla tem as maiores aposentadorias. Quem julga tem as maiores aposentadorias. O povo brasileiro, as menores", afirmou. O ministro é partidário de uma transição do atual sistema para um regime de capitalização ou cotizações individuais, um modelo similar ao adotado no Chile, país em que trabalhou como professor nos anos 80, durante a ditadura de Pinochet.
A reforma da Previdência de fato será o teste de fogo do Governo Bolsonaro com o Congresso. Embora tenha eleito 52 deputados pelo PSL, e conte com o apoio declarado da bancada dos ruralistas e evangélicos, na prática será necessário alinhar muitos interesses que afetam diretamente a população que não deve assistir calada às reformas estruturais.
Tudo indica, até o momento, que apesar de ter comprado a ideia da capitalização da Previdência, o presidente eleito estaria disposto a fatiar a reforma em vários projetos. Bolsonaro afirmou em entrevistas recentes, que deve começar com a discussão da idade mínima para aposentadoria. A ideia de dividir a mudança não é necessariamente ruim, na avaliação do economista-chefe do Itaú Unibanco, Mário Mesquita. "Se o governo tiver em mente a adoção de um regime de capitalização para os novos entrantes, fatiar talvez signifique fazer essa reforma atual [proposta pelo Governo de Michel Temer]", disse Mesquita em encontro com jornalistas em dezembro. O teor da reforma deve, no entanto, ser anunciado apenas em fevereiro, quando o Congresso volta das férias.
Plano B
Embora Guedes tenha feito um "pedido de ajuda" aos parlamentares para a aprovação das mudanças na aposentaria, o novo ministro da Economia afirmou que, se as reformas não funcionarem, ele já possui um plano B para equilibrar as contas, mas o titubeio não foi bem recebido por economistas. Sua equipe poderia apresentar uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC) para desindexar e desvincular as despesas obrigatórias no orçamento federal, um passo que deve gerar grita de setores preocupados com a possível corte em setores como saúde e educação. A proposta é deixar o orçamento federal menos rígido. “Se der errado, pode dar certo”, brincou Guedes. “Se não aprovarmos (a reforma da Previdência), temos que dar um passo mais profundo ainda”.
Em seu primeiro discurso à frente do cargo, Guedes afirmou ainda que haverá nos primeiros 30 dias de governo uma série de medidas infraconstitucionais, e as reformas estruturantes serão enviadas após o novo Congresso Nacional tomar posse, no início de fevereiro. “Não adianta eu sair falando medida 1, medida 2, medida 3, tem uma enxurrada de medidas, não faltará notícia”, afirmou. “Acho que vamos na direção da liberal democracia, vamos abrir a economia, simplificar impostos, privatizar, descentralizar recursos para Estados e municípios”, disse.
A seu favor, a dobradinha Bolsonaro-Guedes deve contar com sinais mais favoráveis à retomada econômica. Com inflação e juros em patamares baixos e as famílias menos endividadas, entidades financeiras sugerem que o crescimento deve acelerar ao longo de 2019, com expectativa de uma alta de 2,53% do PIB. Apesar dos 12, 2 milhões de desempregados, a taxa de desemprego vem caindo ainda que lentamente. A dupla recebe de Michel Temer um país um pouco mais arrumado e assentado após a maior recessão das últimas décadas.
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