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Juiz estende prisão de voluntários de ONG de Alter do Chão em meio a protestos de ativistas

Brigadistas e auxiliares de instituição são acusados de provocarem fogo em reserva. Em nota, MPF diz que não há elementos de implicação de grupo no caso

Membros da Brigada Alter do Chão.
Membros da Brigada Alter do Chão.Reprodução/Redes sociais

Os quatro membros da ONG Brigada Alter do Chão presos na terça-feira sob acusação de terem ateado fogo em parte da vegetação da Área de Proteção Ambiental (APA) Alter do Chão, em Santarém, no Pará, permanecerão em prisão preventiva por mais dez dias. O juiz da 1ª Vara Criminal de Santarém, Alexandre Rizzi, negou nesta quarta-feira a solicitação da defesa, que entrará com o pedido de habeas corpus na quinta-feira, conforme informou ao EL PAÍS o advogado Michell Durans. O Ministério Público Federal (MPF) requisitou à Polícia Civil do Pará o acesso integral ao inquérito. Em nota, o MPF informou que, desde setembro, já estava em andamento na Polícia Federal uma investigação sobre o tema e que “nenhum elemento apontava para a participação de brigadistas ou organizações da sociedade civil” nos incêndios. O caso só cresceu em repercussão política nesta quarta, recolocando a Amazônia no epicentro do conflito entre governistas e ativistas.

O presidente Jair Bolsonaro usou o Twitter para se vincular à notícia das prisões. Lembrou que em agosto havia dito, sem apresentar nenhuma evidência, que ONGs poderiam estar por trás das queimadas na Amazônia para “chamar atenção” contra o Governo. “Agora a polícia paraense prende alguns suspeitos pelo crime”, acrescentou. Após a manifestação de Bolsonaro, aumentaram nas redes as acusações contra a Brigada Alter do Chão, chamada de “associação terrorista”. Enquanto isso, associações de povos indígenas e mais de 50 institutos e associações civis, entre eles o Instituto Socioambiental (ISA) e o Instituto Vladimir Herzog, assinaram cartas de apoio aos voluntários detidos e ao Projeto Saúde e Alegria, onde foi cumprido um dos mandatos de prisão contra o grupo.

Os brigadistas Daniel Gutierrez Govino e João Victor Pereira Romano e Gustavo de Almeida Fernandes e Marcelo Aron Cwerner, tesoureiros do Instituto Aquífero Alter do Chão (do qual nasceu a Brigada, em 2018), foram presos de maneira preventiva na terça-feira sob suspeita de provocar incêndios em setembro na região. Ao todo, o fogo consumiu uma área equivalente a 1.600 campos de futebol e levou quatro dias para ser combatido. Os quatro também são acusados de desviar dinheiro de doações destinadas à Brigada.

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O delegado José Humberto Melo Júnior, responsável pela investigação da Polícia Civil que durou dois meses, considera que imagens, depoimentos e, principalmente, interceptações telefônicas apontam para a participação criminosa dos voluntários nos incêndios. Melo considera que a Brigada teria recebido repasses da ONG internacional WWF, inclusive de um fundo do ator Leonardo DiCaprio, e que parte dos recursos teriam sido desviados, e que os voluntários teriam vendido para a WWF fotos dos incêndios provocados por 47.000 reais.

Nos documentos com as transcrições conversas telefônicas —aos quais o EL PAÍS teve acesso—, aparece claramente a menção a uma “doação”. Os diálogos discorrem sobre as dúvidas e pormenores do contrato de patrocínio com a WWF, que, em nota, confirmou a parceria com o Instituto Aquífero Alter do Chão para a compra de equipamentos de combate a incêndios florestais no valor de 70.600 reais. A ONG internacional negou, no entanto, a compra de imagens. “O fornecimento de fotos por qualquer parceiro da organização é inerente à comprovação das ações realizadas, essencial à prestação de contas dos recursos recebidos e sua destinação no âmbito dos Contratos de Parceria Técnico-Financeira”, afirma em nota. A WWF também criticou “a falta de clareza sobre as investigações, a falta de fundamento das alegações usadas e, por consequência, as dúvidas sobre o real embasamento jurídico dos procedimentos adotados”.

Manu Yael, esposa de João Victor Pereira Romano, conta por telefone desde Santarém que os familiares dos voluntários detidos já estão chegando do Sudeste —todos são de São Paulo— para demonstrar apoio aos voluntários detidos. “Temos duas crianças pequenas, de sete anos e 10 meses, e é uma situação muito forte ver os caras entrarem na sua casa e levarem seu marido preso na frente dos seus filhos”, lamenta. “O que queremos é que eles possam responder em liberdade essa acusação injusta e que sejam inocentados. Dizer que são os brigadistas voluntários que colocam fogo na Amazônia é o mesmo que dizer que o Greenpeace é responsável pelo óleo no litoral brasileiro”, acrescenta.

Cautela e voltagem política

Os advogados dos voluntários da Brigada Alter do Chão são cautelosos ao falar em motivações políticas para as prisões. Caetano Scannavino, um dos responsáveis pelo Projeto Saúde e Alegria (uma das ONG mais reconhecidas da região), cujo escritório também foi alvo de busca e apreensão, é mais enfático: “Só gosto de afirmar as coisas quando tenho certeza, mas tudo indica, sim, que há um viés político. Não é segredo que nos últimos meses houve uma campanha de criminalização das ONGs, e o que aconteceu em Alter do Chão demonstra uma inversão de valores: os que denunciam e combatem os crimes ambientais estão sendo presos e considerados cidadãos do mal, enquanto os que cometem crimes esses crimes são vistos como cidadãos de bem, que movimentam a economia”, diz, referindo-se às atividades ilegais de mineração e exploração madeireira na Amazônia.

Scannavino estava em São Paulo, para receber o Prêmio Melhores ONGs do Brasil, junto com outras 99 organizações, quando recebeu a notícia de que policiais haviam levado todos os computadores e documentos da sede do projeto. “Trabalho há 31 anos na Amazônia e nunca vi brigadista tocando fogo para se promover financeiramente”, diz ele, que conhece os voluntários detidos. Scannavino também critica a condução do inquérito e reclama que a Polícia mostre o vídeo que menciona como evidência de culpa dos voluntários. Segundo o delegado, uma das provas de que os quatro seriam os responsáveis pelas chamas seria um vídeo publicado por eles mesmos na plataforma YouTube. “Eles publicaram uma imagem de um local onde estão só eles e o fogo está começando", afirmou José Humberto Melo Júnior em uma coletiva de imprensa. Tal vídeo, no entanto, não está publicado, e a defesa afirma que não teve acesso a ele.

“Uma hipótese é que as imagens sejam de treinamentos de voluntários, em que focos de fogo controlados são criados para exercícios práticos. Esse tipo de exercício, praxe no treinamento de combate a incêndios, é realizado pela Brigada de Alter do Chão com a participação do Corpo de Bombeiros local e com o respaldo de licenças emitidas pelos órgãos competentes”, informa em nota a Brigada, que, em suas redes sociais, costuma compartilhar fotos destes treinamentos.

“A outra hipótese é que os vídeos mencionados mostrem a ação conjunta de brigadistas e bombeiros utilizando a tática conhecida como ‘fogo contra fogo’ – realizada regularmente pelo Corpo de Bombeiros no combate de incêndios. Cabe ressaltar que a Brigada de Alter do Chão aplica a tática de fogo contra fogo exclusivamente com a presença e o apoio do Corpo de Bombeiros”, acrescenta a Brigada, referindo-se a um método de combate ao fogo bastante usado por especialistas de todo o mundo. “Estamos em choque com a prisão de pessoas que dedicam parte de suas vidas à proteção da comunidade, e certos de que qualquer que seja a denúncia ela será esclarecida e a inocência da Brigada e seus membros, devidamente reconhecida", conclui a nota.

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