Bolsonaro pode bloquear pessoas que o criticam no Twitter?
No momento em que o presidente eleito se prepara para tomar posse do cargo, passa a ganhar relevância o papel que essas redes sociais terão no futuro governo
A importância das redes sociais para a eleição de Donald Trump e Jair Bolsonaro foi extensamente discutida nos últimos meses. Neste momento em que o presidente eleito no Brasil se prepara para tomar posse do cargo, passa a ganhar relevância o papel que essas redes sociais terão no futuro governo.
Durante a fase de transição, Bolsonaro divulgou no Twitter os nomes de diversos ministros, presidentes de estatais e outros membros do futuro governo, assim como a ocorrência de reuniões ou encontros com líderes nacionais e internacionais. Ao fazer isso, o presidente eleito busca um contato mais direto com os cidadãos; mas, como apenas uma pequena parcela da população acessa o Twitter, a maior parte tem acesso a ela por meio de sites de notícias, jornais ou programas de televisão.
Espera-se que esse uso das redes sociais não arrefeça quando iniciar o novo governo. Se o brasileiro continuar seguindo o caminho traçado pelo presidente dos EUA, acessar o seu perfil pessoal será mais importante para acompanhar os atos de governo do que visualizar o perfil institucional da Presidência da República.
Nesse cenário, pode o presidente bloquear pessoas que o criticam na rede social? Antes mesmo de assumir o cargo, Bolsonaro impediu o acesso de diversas pessoas ao seu perfil, sendo muitas delas jornalistas. Ele é livre para fazer isso, já que se trata, em tese, de um perfil pessoal em rede social?
A resposta é negativa. Nos EUA, ocorreu exatamente o mesmo: Trump resolver bloquear pessoas que o criticavam. No entanto, o Judiciário limitou o poder do presidente dos EUA sobre sua rede social, por considerá-la um “fórum público de debates”. Impedir cidadãos de acessarem esse fórum é uma afronta à Primeira Emenda da Constituição dos EUA, que prevê, dentre outros, o direito à liberdade de expressão.
No Brasil, o mesmo deve ocorrer. Se o presidente decide utilizar uma rede social para divulgar atos de governo, não pode impedir o acesso dos cidadãos ao seu perfil, pois isso viola diversas normas constitucionais; por exemplo, o princípio da publicidade, previsto no artigo 37 da Constituição e o direito de acesso à informação, previsto no artigo 5º, inciso XIV.
Quando a pessoa bloqueada exerce o ofício de jornalista, a violação é ainda mais grave, por atingir as liberdades previstas no artigo 220 da Constituição, que garante a liberdade de manifestação do pensamento, de criação, de expressão e de informação. O impedimento do acesso ao perfil do presidente limita sua liberdade de exercer sua profissão, o que produz impactos não apenas ao jornalista individualmente considerado, mas à sociedade como um todo. Como poucos têm acesso ao Twitter, a maior parte da população depende do trabalho de intermediários que divulgam as manifestações do governante. Limitar o acesso do perfil do presidente a jornalistas é, portanto, ceifar o direito de acesso à informação da maior parte da população brasileira.
Os ânimos ainda estão acirrados, mesmo dois meses após a eleição. A questão do bloqueio de pessoas no Twitter pelo presidente tende a opor, novamente, os mesmos lados que já se opuseram durante a eleição. Contudo, convido aqueles que defendem os bloqueios a imaginarem a seguinte situação: daqui a alguns anos, um membro da atual oposição se elege para a presidência e resolve bloquear todos aqueles que o criticam. Continuarão apoiando esses bloqueios, mesmo se forem atingidos? Deve-se desde já barrar esse tipo de iniciativa, para que não sejam criados monstros que venham a assombrar no futuro seus próprios criadores. Como diz o ditado espanhol, “cría cuervos que te sacarán los ojos”.
Marcelo Frullani Lopes, 28, é advogado do Frullani Lopes Advogados, especialista em direito e tecnologia da informação pela USP, mestrando em Filosofia e Teoria Geral do Direito pela USP.
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