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Crise na Argentina: o ano em que tudo o que podia dar errado na economia, deu errado

Todas as previsões de crescimento caem por terra e o país termina 2018 em recessão

Enric González
O presidente Mauricio Macri no Salão Branco da Casa Rosada, antes de uma coletiva de imprensa, em 3 de dezembro.
O presidente Mauricio Macri no Salão Branco da Casa Rosada, antes de uma coletiva de imprensa, em 3 de dezembro. PRESIDENCIA
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O ano que termina tinha que ser relativamente aprazível. Tanto o Governo argentino como os analistas financeiros projetaram, no final de 2017, um horizonte calmo: crescimento econômico de mais de 2%, inflação controlada abaixo de 15% e dólar estável, em torno de 20 pesos. A realidade foi muito diferente. Depois de um annus horribilis em que a Argentina teve de pedir ajuda, por duas vezes, ao Fundo Monetário Internacional, o país sofre hoje uma severa recessão (o Produto Interno Bruto se contraiu pelo menos 2%), a inflação está em torno de 47% e um dólar custa 39 pesos. Tudo o que poderia dar errado, deu errado.

O que aconteceu? Os analistas, muito mais precisos quando preveem o passado do que o futuro, falam de quatro fatores fundamentais: o aumento das taxas de juros nos Estados Unidos, a fragilidade estrutural da economia argentina, a pior seca em quase meio século e alguns erros do Governo de Mauricio Macri. Os três primeiros já despontavam em dezembro de 2017. O quarto, em certa medida, também. O reformismo gradual de Macri há muito mostrava seus limites: para evitar uma crise social, havia escalonado a eliminação de subsídios e, em 2017, relaxou, de 12% para 15%, a meta de inflação.

O Federal Reserve, dos EUA, anunciou a intenção de aumentar as taxas pouco a pouco para evitar o risco de superaquecimento e acabar com a era do dinheiro quase gratuito, estabelecida a partir de 2008 com a finalidade de aliviar os efeitos da Grande Recessão e favorecer o retorno do crescimento. Em 14 de dezembro de 2017, elevou os juros básicos de 1% para 1,25%. Em 22 de março de 2018, para 1,50%. Agora, estão em 2,25%. Isso significa que os investidores podem receber cerca de 3% pelo dinheiro que depositam na dívida dos EUA.

Enquanto as taxas subiam em Washington, as outras moedas americanas (e, em geral, as de todas as economias emergentes, da turca à indiana) se enfraqueceram: o capital preferiu a segurança e a lucratividade do dólar. O peso começou a cair. Durante os primeiros quatro meses de 2018, com alarmes em vermelho, a Casa Rosada e o Banco Central tomaram medidas emergenciais: aumentaram as taxas para 40% e venderam mais de 8 bilhões de dólares (cerca de 31 bilhões de reais) das reservas nacionais para tentar escorar a moeda. Sem sucesso.

As debilidades estruturais (déficit fiscal de quase 10% do PIB, déficit em conta corrente próximo a 5% e uma dívida em moeda estrangeira, basicamente o dólar, de 40% do PIB) foram acompanhadas por uma seca devastadora, fenômeno muito prejudicial para um país parcialmente dependente das exportações agrícolas. Em fevereiro, a Bolsa de Valores de Rosário estimou que cairiam tanto a produção de soja (de 60 milhões de toneladas na safra anterior para 47 milhões de toneladas) como a produção de milho (de 39 para 35 milhões de toneladas). Isso significaria uma perda de renda em dólares próxima a 4 bilhões (cerca de 16 bilhões de reais).

A mão do FMI

Nesse contexto, o Governo anunciou que, a partir do final de abril, seria aplicado um imposto sobre os lucros dos detentores de Lebacs (Letras do Banco Central), o que precipitou a fuga de investidores. Em 3 de maio, o peso se desvalorizou mais de 7% em relação ao dólar. A Argentina carecia de liquidez. E a contínua desvalorização da moeda fomentou a inflação. Em 8 de maio, o presidente Macri anunciou que estava negociando com o Fundo Monetário um empréstimo de 50 bilhões de dólares (195 bilhões de reais), o maior concedido a um único país pela organização internacional. Em troca, a Argentina se comprometia com um duro ajuste fiscal que implicava uma recessão mais ou menos severa. 

Em junho, Federico Sturzenegger deixou a presidência do Banco Central e foi substituído por Luis Caputo, até então ministro da Fazenda. A gestão da economia ficou em mãos de Nicolás Dujovne. A tendência, no entanto, não mudou. A desvalorização e a inflação continuaram a toda velocidade. Em 29 de agosto, Macri anunciou uma renegociação com o FMI para aumentar o montante do crédito (até 57 bilhões de dólares) e antecipar os desembolsos. Em setembro, uma comissão do Fundo chegou a Buenos Aires e, dias depois, Luis Caputo renunciou ao cargo de presidente do Banco Central. O novo presidente da entidade (o terceiro em quatro meses) passou a ser Guido Sandleris.

A comissão do FMI considerou que as políticas da Macri estavam corretas, e o empréstimo foi assinado. Sandleris mudou a estratégia do banco emissor: é estabelecida para o dólar uma faixa de flutuação variável (atualmente se compromete a comprar dólares se baixam a 34 pesos e a vendê-los se sobem até 44 pesos) e retirou pesos do mercado, com o objetivo de conter a inflação. É uma estratégia tipicamente deflacionária e recessiva. A poucos dias do fim do terrível 2018, o dólar parece estabilizado ligeiramente abaixo de 40 pesos. A inflação anual será conhecida em janeiro, mas estará bem acima dos 12% esperados há um ano: 47%, se não for mais. E a economia terá contraído em torno de 2%. A dívida pública, por sua vez, subiu para quase 80% do PIB.

O desemprego não aumentou significativamente. Alguns desequilíbrios externos (déficit comercial e déficit em conta corrente) foram corrigidos pela recessão. O poder de compra dos salários despencou. Agora, a grande ameaça é a incerteza: 2019 é um ano eleitoral e a reeleição de Mauricio Macri não parece tão provável como há alguns meses. Os investidores, nacionais e estrangeiros, nunca gostaram da incerteza.

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