Uma comissão da verdade no México para investigar o desaparecimento de 43 estudantes em Ayotzinapa

Decreto assinado pelo presidente López Obrador cria grupo com familiares das vítimas, em um ato sem precedentes no Palácio Nacional

López Obrador apresenta o decreto da comissão da verdadeafp
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O presidente do México, Andrés Manuel López Obrador, recebeu nesta segunda-feira, 3, familiares dos 43 estudantes desaparecidos de Ayotzinapa no Palácio Nacional. Um gesto insólito de um presidente às vítimas. Um símbolo dos novos tempos, poderoso. Foram recebidos para que vissem o presidente assinar o decreto que cria uma comissão da verdade sobre o caso, ferida mortal do Governo anterior.

É tempo de símbolos no México, de pintar as paredes do novo Governo no estilo dos que chegam. Um dos principais objetivos do novo presidente é se distanciar de seu antecessor de todas as maneiras. Porque hoje, recém-inaugurado seu mandato, as propostas e iniciativas são tão importantes como a forma em que são contadas.

Por isso a apresentação de segunda-feira. López Obrador colocou as vítimas na mesa principal, ao lado da secretária de Governança e dos secretários de Defesa e Marinha. Afastados de toda pompa e solenidade, os familiares dos estudantes colocaram seus cartazes na própria mesa: “Vivos foram levados, vivos os queremos”. E, claro, ninguém disse nada.

Lidos os detalhes do decreto, após uma das mães dos 43 tomar a palavra, chegou a vez do presidente. “Estamos começando a cumprir”, disse López Obrador, em tom grave, comedido. “Com esse decreto ordenamos ao Governo que dê todo o apoio à comissão para chegar à verdade. Afirmo que não haverá impunidade nesse caso tão triste, doloroso, e em nenhum outro”.

A comissão, que começará a funcionar nesta semana, integrará funcionários de alto escalão das secretarias de Governança, Fazenda e Relações Exteriores, além de representantes de familiares dos 43 e órgãos internacionais, como o Alto Comissariado de Direitos Humanos. Sua tarefa será supervisionar a investigação oficial e tentar chegar de uma vez por todas a uma verdade aceitável. O que aconteceu aos estudantes desaparecidos?

Para isso, o decreto prevê que a promotoria criará um escritório especial para investigar o caso, integrando as pesquisas de seus antecessores, mas especialmente todos os resultados do relatório apresentado na semana passada pela Comissão Nacional de Direitos Humanos (CNDH). Essa foi a explicação do futuro responsável pela comissão, Alejandro Encinas, subsecretário de Direitos Humanos da secretaria de Governança. “Devemos entender que esclarecer o caso é o início de uma política que colocará as vítimas no centro”, disse Encinas. “Conhecer os fatos fortalecerá as instituições em vez de enfraquecê-las. Como sociedade temos direitos à verdade e à justiça”.

Há meses, a investigação oficial está parada. Uma das últimas ações dos investigadores, a prisão de um dos supostos responsáveis pelo desaparecimento dos 43, não deu em nada quando a CNDH demonstrou que haviam se confundido de pessoa. Erick Sandoval, detido em março, permaneceu dez meses na prisão por culpa da negligência da promotoria.

O caso Sandoval ilustra os erros dos investigadores nesses quatro anos, desde o fatídico 26 de setembro de 2014. A caça aos estudantes por um grupo de policiais e criminosos colocou o Governo em xeque, à época em poder do PRI. Utilizando depoimentos obtidos mediante tortura, fato que depois seria provado pelas Nações Unidas e a CNDH, a promotoria federal apresentou uma versão dos fatos questionada desde o começo, baseada no assassinato e na cremação dos estudantes em um lixão. As famílias e os investigadores que se aproximaram do caso de maneira independente não acreditaram nessa versão.

A nova comissão da verdade tentará acabar com a desconfiança entre as famílias e o Governo. Para isso, o Executivo a colocou no centro de tudo, ordenando a qualquer órgão governamental que colabore, que entregue toda a informação que possa ajudar na investigação; afirmando que não existe informação confidencial nesse caso, não se pode mantê-la oculta. “Esse é um assunto de Estado, é um assunto que interessa muito a todos os mexicanos”, disse López Obrador.

Talvez consciente da credibilidade em jogo com o bom trabalho da comissão, o presidente concluiu: “Tenham confiança. O povo é soberano, eu o respeito e sou leal. Não existirão obstáculos para se chegar à verdade, para que se saiba tudo o que aconteceu”.

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