Após vitória de Bolsonaro, entidades fazem vaquinha para acolher vítimas de crimes de ódio
Denúncias de violência durante a campanha motivaram a criação de Observatório de Intolerância Política em nove estados para monitorar casos
Diante do expressivo número de denúncias de crimes de intolerância política durante a campanha eleitoral e do discurso feito pelo presidente eleito Jair Bolsonaro (PSL) contra os grupos sociais minoritários no passado e agora negado por ele, entidades da sociedade civil lançam a campanha de financiamento coletivo Ninguém fica para trás com o objetivo de captar recursos para ações de acolhimento a vítimas de intolerância, violência, misoginia e homofobia. Desde que a campanha foi lançada, no dia 29, 1.684 apoiadores já doaram 168.480 reais. A meta é alcançar 250.000 reais em 42 dias. Os recursos serão destinados a cinco organizações que já atendem a mulheres, indígenas, negros e homossexuais vítimas de violência no Rio de Janeiro, em São Paulo e em Pernambuco.
"A gente tem um repertório de casos que indicam que o número de crimes de ódio podem aumentar com o espaço da legitimação que ganhou este discurso (contra as minorias) durante a eleição. A gente viu isso acontecer nos Estados Unidos com a eleição do presidente Donald Trump e já vemos um aumento de denúncias entre o primeiro e segundo turno", explica uma das organizadoras da ação, que pediu para não ser identificada por questões de segurança. Segundo ela, a legitimação de um discurso preconceituoso é uma realidade, por isso sete entidades organizaram a campanha para canalizar recursos e reforçar a assistência a grupos que historicamente já são alvo de violência no Brasil. "A ideia é não deixar essas pessoas desassistidas em nenhum momento dos próximos quatro anos", afirma.
Uma das organizações que devem ser contempladas é a Casa 1, que acolhe jovens LGBTs expulsos por suas famílias em São Paulo por até três meses. O Coletivo Margarida Alves, que presta assessoria popular a movimentos sociais, também receberá uma parte do valor arrecadado para arcar com custos de operação de traslado de voluntários. Já a Casinha, que protege jovens LGBTs em situação de violência e vulnerabilidade no Rio de Janeiro, terá uma fatia para despesas com energia, água, saneamento e auxílio de custo para assistente social. Também no Rio, a AMAC deve ser contemplada para fortalecer a ação que realiza eventos para vítimas de violência doméstica. Em Pernambuco, é o Grupo Comunidade Assumindo Suas Crianças que receberá a ajuda para o projeto que acolhe crianças, adolescentes e mães vítimas de violência urbana.
"Montamos a campanha em uma semana e selecionamos organizações que já conhecíamos pelo trabalho sério que desenvolvem, mas a ideia é cobrir um território ainda mais diverso e intensificar as ações", conta uma das organizadoras da campanha. Após alcançar a primeira meta de arrecadar 250 mil reais, será lançada uma segunda campanha para chegar ao valor de 500 mil e beneficiar outras cinco instituições. Caso haja sucesso, está prevista uma terceira meta para chegar a um milhão de reais, quando será aberto um edital público para contemplar novas entidades. "Queremos apoiar também organizações que estão fora da nossa rede", afirma a organizadora. A campanha é promovida pelas instituições Nossas, Chama, Quebrando o Tabu, Instituto Update, AllOut, DeFEMde - Rede Feminista de Juristas e Bando.
Na página da campanha, essas entidades argumentam que o discurso do presidente eleito Jair Bolsonaro traz mais riscos aos grupos sociais minoritários e chama atenção para alguns casos de violência denunciados durante o período eleitoral. Cita, por exemplo, o mestre de capoeira Moa do Katende, que foi assassinado em Salvador com doze facadas após uma discussão política, e a travesti que teria sido assassinada no centro de São Paulo sob gritos de "Bolsonaro presidente". Um levantamento realizado pela Agência Pública em parceria com a Open Knowledge Brasil revela que houve pelo menos 70 denúncias de ataques por motivações políticas em um período de 10 dias no país.
Observatórios estaduais
A situação tem preocupado defensorias públicas e seccionais da Ordem dos Advogados do Brasil, que decidiram criar o Observatório da Intolerância Política para receber denúncias, prestar auxílio jurídico às vítimas e contabilizar os casos. Até o momento, nove Estados criaram seu próprio observatório: Pernambuco, Piauí, Maranhão, Pará, Ceará, Bahia, São Paulo, Rio de Janeiro e Espírito Santo. Cada Estado tem o seu canal de atendimento, mas a Defensoria Pública da União criou um site especial para que as vítimas encontrem facilmente o canal para contato: por telefone ou por um formulário criado especialmente para receber as denúncias.
Todos os observatórios foram criados após o primeiro turno das eleições e têm prazos distintos para funcionar. A maioria dos comitês devem atuar até o próximo 31 de dezembro, na véspera da posse do novo presidente. No Ceará, porém, a ideia é que siga durante um ano. Em São Paulo, não foi estabelecido um prazo para finalizar a política. Os observatórios estaduais ainda não divulgaram dados sobre as denúncias recebidas. Eles não recebem apenas casos de violência física, mas também queixas contra manifestações que promovam o ódio, a discriminação ou a violência relacionados à intolerância política.
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