Bolsonaro depura sentimento anti-PT e colhe manifestação mais conservadora
Ato anticorrupção em São Paulo teve os antipetistas mais convictos dos últimos anos, indica pesquisa Em relação a 2017, percentual dos que se dizem "muito conservador" foi de 44% para 74%
As difusas manifestações políticas que tomam as ruas do Brasil desde 2013 tiveram neste domingo, no ato contra o PT e em apoio à candidatura presidencial de Jair Bolsonaro (PSL-RJ) em São Paulo, sua versão mais homogênea. “Houve uma radicalização da identidade. As pessoas ficaram mais de direita, mais conservadoras, mais antifeministas”, analisa Pablo Ortellado, professor da Universidade de São Paulo (USP) e um dos coordenadores da pesquisa que analisou o perfil dos manifestantes, feita pelo Monitor do Debate Político no Meio Digital em parceria com a Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo.
Os dados coletados na tarde do último domingo na avenida Paulista foram comparados com as entrevistas feitas na última grande manifestação anticorrupção promovida por grupos como Vem pra Rua, Nas Ruas e Movimento Brasil Livre (MBL), em março de 2017, quando marchavam pela defesa da Operação Lava Jato. "Há grande contraste entre a identidade política desta manifestação e a que medimos nas manifestações anticorrupção de 2015 a 2017 convocadas pelos mesmos grupos", dizem os pesquisadores. Bolsonaro parece ter conseguido atrair o sentimento anti-PT para seu entorno, por meio de uma agenda mais atraente do que a de outros adversários do PT.
Dos 432 manifestantes entrevistados no protesto de domingo, mais de dois terços participaram das manifestações que pediram o impeachment de Dilma Rousseff, enquanto mais de um terço participou dos protestos de junho de 2013. Ou seja, as pessoas são praticamente as mesmas, ao contrário de suas convicções. "Comparando com os dados da manifestação anticorrupção de 31 de março de 2017, vemos um deslocamento muito grande da identidade política, de [preferir] 'nada disso' [no espectro esquerda-direita], para [escolher a] direita; de 'pouco conservador' para 'muito conservador' e da preferência partidária em nenhum partido para o PSL de Jair Bolsonaro".
Se, em março de 2017, 70% dos manifestantes diziam não preferir nenhum partido, agora 44% deles disseram preferir o PSL — a popularidade do PSDB entre os manifestantes, por outro lado, caiu de 11% para 2%. O percentual de "muito antipetista" pulou de 77% para 91%, o de "muito conservador" foi de 44% para 74% e a proporção de "nada feminista" saiu de 56% para 70%.
Os pesquisadores também questionaram os manifestantes sobre as razões que os levaram a sair de casa para se manifestar no fim de semana. "O resultado mostra que a corrupção segue o tema mais relevante, mas também a má condução da política econômica e o apoio [do PT] a ditaduras como na Venezuela foram relevantes", dizem os responsáveis pelo levantamento. Para 98% dos entrevistados, o PT "é o partido mais corrupto" e "afundou a economia" — estas foram as duas razões mais determinantes para o protesto. "[O PT] Não é duro na punição a criminosos" foi a justificativa usada por 87% para justificar a presença no ato, enquanto 82% mencionaram "apoio a ditaduras" e 68% afirmaram que o partido "distribuiu kit gay nas escolas", o que é uma mentira já que, mesmo explorado na propaganda de Jair Bolsonaro, o material jamais chegou a ser distribuído. Quando instados a escolher apenas uma dessas razões, 60% optaram por "é o mais corrupto".
Ainda segundo os pesquisadores, "a manifestação foi marcada pela presença das famílias, algumas com os filhos". A idade média foi de 44 anos, como nas manifestações pelo impeachment de Dilma. "A maior parte dos entrevistados se identificou como branca (67%), a escolaridade predominante foi o curso superior (71%)". Em comparação com a manifestação "Ele Não", contrária a Bolsonaro, que ocorreu em 29 de setembro, "chama a atenção que essa, anti-PT, é menos escolarizada e com renda um pouco mais elevada".
Imprensa
Os pesquisadores também questionaram os manifestantes sobre seu nível de confiança em três dos maiores veículos de imprensa do Brasil, para compará-lo com "três sites da imprensa alternativa de direita que têm grande difusão no Facebook". "Os resultados mostram um grau bastante baixo de confiança na grande imprensa e um grande desconhecimento dos sites alternativos — provavelmente seu grande alcance se deve mais ao conteúdo da manchete do que à marca", analisam.
Apenas 7% dos manifestantes disseram confiar na Folha de S.Paulo, 10% confiam em O Globo e 14% confiam na revista Veja. Já 18% confiam no site Notícias Brasil Online, 15% confiam no Política na Rede e 11%, no Imprensa Viva. A página de Facebook do site Política na Rede está entre as 68 removidas nesta segunda-feira pela rede social "por violação de políticas de autenticidade e de spam" do aplicativo.
O levantamento conta ainda com 20 entrevistas sobre qual seria a maior ameaça contra o Brasil e qual seria a solução. "Um dos elementos mais comuns entre os entrevistados foi a defesa do voto em cédula - apesar de não haver resgistro de fraudes relevantes em 22 anos de uso, Bolsonaro martela sua desconfiança no sistema. Outro elemento presente nas falas da maior parte das pessoas ouvidas foi a percepção de que elas "foram de graça", em referência à denúncia da Folha de S.Paulo de que empresários apoiadores de Bolsonaro teriam pago de forma ilegal por uma série de disparos de mensagens pelo WhatsApp durante a campanha", diz a pesquisa.
Os pesquisadores dizem ainda que "dentre as ameaças [que uma vitória do PT representaria], aquelas mais apontadas são 'o Brasil se tornar uma Venezuela', criminalidade e corrupção". "Algumas pessoas expressaram medo de redução no salário para um eventual aumento de impostos pelo PT, outras falaram sobre o medo de ter que dividir suas casas com pessoas estranhas. Foram apontados também receio de cortes no SUS (Sistema Único de Saúde) pelo PT, riscos da doutrinação marxista [especialmente no ambiente escolar] e riscos do comunismo".
Quando questionados sobre as soluções para as ameaças que apontaram, boa parte dos manifestantes apontou a "necessidade de serem tomadas medidas para superar o que é definido como instituições enfraquecidas". "As respostas variam entre perspectivas que apontam para o endurecimento das penas para os cidadãos comuns, visando reduzir a criminalidade e a corrupção, até mudanças no próprio código penal", diz o levantamento. Para parte dos manifestantes, Bolsonaro não é visto como "solução para todos os problemas", mas "como uma solução para recuperar o 'patriotismo' perdido do brasileiro", "uma figura importante na defesa da 'família tradicional' e uma espécie de barreira contra pautas consideradas fora da moralidade e, portanto, da 'ética e a moral."
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