Hora de voto
Uma coisa é certa: o eleito ao final de outubro terá de obedecer à Constituição e tanto os que nele votaram como os que a ele se opuseram, respeitar o resultado das urnas

A fragmentação partidária, os sentimentos exaltados e o personalismo triunfante não respondem às necessidades do povo e do país. Na vida política não basta ter ou imaginar que se tem razão: é preciso que a mensagem seja sentida pelas pessoas e que elas escutem e queiram avançar na direção proposta. Até agora o caminho das reformas e do equilíbrio não parece ser o preferido pela maioria. O eleitorado decidirá hoje os adversários que se enfrentarão no segundo turno. Ainda é tempo de parar a marcha da insensatez. Uma coisa é certa: o eleito ao final de outubro terá de obedecer à Constituição e tanto os que nele votaram como os que a ele se opuseram, respeitar o resultado das urnas.
O que está em jogo não é o partido tal ou qual, nem se o candidato é bom ou mau ser humano. Mas sim: o que pretende e poderá fazer? Terá capacidade de juntar pessoas e forças políticas para governar? Dará rumo à nação? Concordo com o que ele propõe e avalio que será capaz de fazê-lo? Para responder é preciso analisar o quadro político, social e econômico em que o novo presidente irá operar. Não se trata de escolher o candidato apenas por seus atributos pessoais nem pelo que dizem os partidos (os quais em geral silenciam sobre os verdadeiros problemas), mas principalmente pelo que o candidato já fez e pela sua capacidade política.
Depois de 2013 os governos do PT levaram a economia à recessão. Como disse na carta que escrevi recentemente aos eleitores, há problemas gritantes no país: a desorganização das finanças públicas e o desemprego são sinais deles. A rigidez dos privilégios burocráticos dificulta cortar os gastos com o funcionalismo. As desigualdades gritantes da Previdência, em especial entre alguns servidores públicos e trabalhadores do setor privado, criam castas de beneficiários, muitos do quais se aposentam cedo com proventos muito acima do que seria justo receberem.
Diante destas e de outras despesas obrigatórias o Governo Federal acumulou nos últimos cinco anos déficits de 540 bilhões. O que havia sido um superávit de cerca de 3% do PIB desde 1999, algo maquiado a partir do segundo governo Lula, se tornou um déficit de mais de 2% do PIB a partir de 2015, graças ao descalabro fiscal e ao desastre econômico produzido pelo governo Dilma. Acrescidos das despesas com juros, a sequência de déficits primários fez a dívida pública do governo federal se aproximar de R$ 4 trilhões e a do Estado brasileiro em seu conjunto superar os R$ 5 trilhões este ano. A dívida total, já perto de 80% do PIB, continua a subir, a despeito da queda da taxa básica de juros nos dois últimos anos. No ritmo de crescimento que a dívida vem apresentando —ela se situava pouco acima de 50% do PIB em 2011— chegará um momento em que só com inflação alta, que corrói o valor real da despesa do governo, o Estado brasileiro poderá se financiar. O roteiro desse filme todos os que têm mais de cinquenta anos conhecem muito bem. E ele termina mal, com o empobrecimento do país e, sobretudo, das pessoas socialmente mais vulneráveis. Voltaríamos assim a um passado tenebroso, sobretudo para os mais pobres.
O agravamento da crise seria dramático para uma sociedade desigual e fragilizada por cinco anos de recessão seguida de recuperação econômica anêmica. O desemprego atinge entre 12 e 13% da população ativa, cerca de 13 milhões de pessoas. Sem falar nos que estão ocupados, mas sem carteira de trabalho, cerca de 38 milhões, e afora os chamados “desalentados”, que desistiram de procurar emprego. A soma ultrapassa os 60 milhões de adultos que estão ou correm o risco de cair na pobreza ou na extrema pobreza.
Ao desemprego somam-se o medo da violência crescente, em alguns casos da própria polícia, e a expansão do crime organizado. A sensação de desordem, a insegurança e a agonia do desemprego é a realidade cotidiana de dezenas de milhões de pessoas. Para muitas não resta opção que não seja aderir ou acomodar-se ao crime organizado ou encontrar consolo espiritual e solidariedade nas igrejas.
Como falar de “democracia” nestas circunstâncias, se falta o pão e a segurança é precária? Por trás está um sistema político regado a corrupção e uma cultura de permissão e leniência com quem atua, no andar de cima, à margem das leis. O povo vê nos partidos e nos candidatos mais ligados a eles os responsáveis por tudo isso. Procuradores e juízes, frequentemente com razão, mas não raro sem o zelo e o equilíbrio que se espera dos profissionais do direito, reforçam a sensação de que toda a política é suja e nenhum político escapa à podridão.
Quase todos os candidatos, especialmente os que aparecem à frente, nem sequer abordam com seriedade os problemas reais que estão por trás do mal-estar das pessoas. Estas, no desespero, agarram-se a aparentes soluções polares, mais por identificação simbólica que por adesão racional. Sentem medo, quando não horror, da volta ao lulo-petismo e aderem ao candidato que promete tudo resolver no grito, quando não na bala, ou, no polo oposto, juntam-se em torno da nostalgia de um passado idealizado que, se tentar se repetir, comprometerá gravemente o futuro do país.
Mais do que nunca, é preciso insistir em nossos valores, a democracia entre os principais. Além de valores, quem pede o voto do povo deve ser capaz, no mínimo, de reorganizar as finanças públicas e colocá-las a serviço dos maiores interesses da população e do país. É por isso que votarei em Alckmin: ele não apenas diz, mas fez. Basta comparar os resultados das políticas públicas de seus governos, inclusive na segurança e na oferta de serviços de saúde e educação, com as situações dramáticas de alguns outros estados e do governo federal. Entre os principais candidatos é quem pode juntar forças para dar rumo novo ao governo. É preciso parar a marcha da insensatez. Ainda há tempo. A hora é agora.