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Trump vende como êxito pessoal o novo tratado com México e Canadá

Presidente defende o pulso firme nas negociações e fez crítica comercial ao Brasil

Amanda Mars
Donald Trump, nesta segunda-feira na Casa Branca, rodeado pela equipe negociadora do novo Nafta.
Donald Trump, nesta segunda-feira na Casa Branca, rodeado pela equipe negociadora do novo Nafta.JIM WATSON (AFP)

Donald Trump apresentou na segunda-feira na Casa Branca, como se fosse um comício, o acordo com o Canadá e o México para refundar seu grande tratado comercial. A reforma do chamado Nafta, sigla em inglês do acordo que os une desde 1994, foi uma de suas grandes promessas eleitorais. A reforma ou a ruptura. Essa última significava um perigo político pelos efeitos em sua própria base de eleitores, que votarão nas eleições legislativas de novembro. Após um primeiro pacto bilateral alcançado em agosto com o Governo de Enrique Peña Nieto, Ottawa se juntou ao acordo na noite de domingo. Um Trump eufórico o exibiu como uma grande vitória e aproveitou para fazer uma crítica comercial ao Brasil.

"O Brasil é outro caso, é uma beleza. Eles cobram de nós o que querem. Se você perguntar a algumas empresas, elas dizem que o Brasil está entre os mais difíceis do mundo, talvez o mais duro", afirmou na Casa Branca, fazendo uma reclamação inédita contra o país com o qual os EUA têm um superávit de bens e serviços de US$ 4,94 bilhões, de acordo com o próprio Governo norte-americano. Este ano, os dois países tiveram divergências sobre as cotas de venda do aço, impostas por Trump, que depois foram revogadas pela pressão de empresas americanas.

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Existiu um tempo em que os EUA, Canadá e México eram conhecidos como “os três amigos”. A idas e vindas desses 14 meses de conversas e a maneira arisca de negociar de Trump enterraram esse espírito, mas o grande marco comercial que estava em jogo se salvou: é uma zona de livre comércio em que vivem 450 milhões de pessoas, que movimenta mais de um trilhão de dólares (4 trilhões de reais) por anos e que rege suas relações econômicas há quase 25 anos. A ideia de colocar ponto final a essas regras do jogo irritava a indústria norte-americana e muitos políticos republicanos de estados agrícolas e pecuaristas, que pressionaram Trump durante esse ano.

O novo marco já não se chama Nafta e TLC (Tratado de Livre Comércio da América do Norte) e sim USMCA de “United States, México, Canadá”, uma ordem de iniciais nada inocente que Trump repetiu várias vezes na segunda-feira em Washington, quando apresentou o pacto cercado por seus assessores. O antigo TLC era, para o republicano, “o pior acordo da história”, enquanto o novo “é uma proteção aos trabalhadores” do setor industrial e “uma vitória aos pecuaristas”.

Entre as mudanças que beneficiam os Estados Unidos, e que Trump exibirá exaustivamente durante as semanas que restam às eleições do Congresso de 6 de novembro, estão as menores barreiras aos produtos lácteos norte-americanos exportados ao Canadá e a obrigação de que os carros contenham mais componentes e materiais feitos por empregados norte-americanos para combater o deslocamento industrial a países de mão de obra mais barata.

Até agora, para que um automóvel pudesse ser considerado produto local e, portanto, livre de taxas alfandegárias, 62,5% de seu conteúdo deveria ser fabricado em algum dos três países parceiros. Com o novo acordo, essa porcentagem sobe a 75%. Além disso, foi incorporado um requisito relacionado aos salários dos trabalhadores: uma porcentagem do conteúdo dos carros (será progressivo até chegar a 40% em 2023) deve ser feito por empregados com salários de 16 dólares (64 reais) por hora, o que triplica a média de um operário mexicano.

Trump atacou o tratado como um dos grandes problemas à classe trabalhadora norte-americana dentro de sua grande batalha contra o déficit comercial, que considera culpado pela perda de fábricas e empregos industriais, geralmente mais bem pagos do que os do setor de serviços, para países de mão de obra mais barata. Concretamente, desde que entrou em vigor, disse Trump, o saldo negativo entre o que os EUA exportam e o que importam chegou a dois trilhões de dólares (8 trilhões de reais) e provocou a destruição de mais de quatro milhões de postos de trabalho industriais. Ainda assim, a China representa o grosso desse déficit (375 bilhões de dólares [1,5 trilhão de reais] dos 556 bilhões de dólares [2,2 trilhões de reais] de 2017) contra os 68 bilhões de dólares (273 bilhões de reais) de seus vizinhos parceiros norte-americanos.

“Negociamos esse acordo nos baseando no princípio da justiça e da reciprocidade”, afirmou o presidente, para frisar, mais uma vez, que “muitos países” trataram “muito mal” os Estados Unidos. “O resto do mundo está olhando como se aproveitar de nós”, afirmou depois, deixando claro que vê o comércio internacional como um assunto de soma zero em que os Estados Unidos, a principal potência, têm poder suficiente para aumentar o preço das trocas. No centro dessa ofensiva comercial está Pequim, regime com o qual começou uma guerra alfandegária, e a União Europeia, com quem também começou impondo novos impostos, se bem que agora abriu uma nova fase de negociação.

Trump defendeu o pulso firme nas conversas, a estratégia de impulsionar as tarifas aduaneiras como mecanismo de pressão. “Às crianças que diziam para não colocar taxas alfandegárias quero dizer que sem essas taxas não teríamos esse acordo, hoje não estaríamos aqui”, disse.

O pulso firme não teve a ver somente com o fundo e sim com as formas do presidente dos Estados Unidos. Quando as conversas começaram em agosto de 2017, o cenário não poderia ser pior para o México: Trump usou o país vizinho como um saco de pancadas durante a campanha eleitoral, acusando seu Governo de deixar passar pela fronteira drogas e violência, e transformando o lema “Construa o muro” em um ofensivo cântico de campanha. Com o passar do tempo, a aspereza pública foi dirigida ao primeiro-ministro canadense, Justin Trudeau, a quem insultou em junho através de sua conta no Twitter após uma tensa reunião do G-7 em Quebec. Na segunda-feira, na Casa Branca, chamou Peña Nieto de “excelente pessoa” e Trudeau de “boa pessoa muito comprometido” com seu país.

A reforma do Nafta significa ao republicano o cumprimento de uma de suas maiores promessas, da mesma forma que a grande diminuição de impostos aprovada no começo do ano, mas, por outro lado, não conseguiu consenso suficiente para realizar uma nova reforma do setor da saúde que derrube a política de Obama e para obter os fundos necessários à construção do famoso muro na fronteira do México. Nas conversas, Washington precisou ceder e continuar aceitando o mecanismo comum de resolução de conflitos entre membros que está no capítulo 19.

Trump assinará o acordo no final de novembro, ou seja, 60 dias depois da publicação do texto, que será depois enviado ao Congresso, que poderá ratificá-lo já em 2019. O presidente alertou que os democratas podem tentar detê-lo nas câmaras, um cenário que depende em boa parte do resultado eleitoral do final do ano.

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