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Bolsonaro: ameaça radical que pode chegar à presidência do Brasil

Nostálgico da ditadura, racista, machista, homofóbico, o líder da extrema direita brasileira consegue o voto de quase 50 milhões de brasileiros

O candidato presidencial Jair Bolsonaro, em 9 de agosto de 2018.
O candidato presidencial Jair Bolsonaro, em 9 de agosto de 2018.Fernando Bizerra Jr (EFE)
Tom C. Avendaño

Jair Messias Bolsonaro (São Paulo, 1955) passou a maior parte de sua vida no Congresso Nacional, em uma carreira feita nas sombras. Filho de um dentista do interior, durante o final da ditadura militar, em 1985, tentou se refugiar no Exército, mas foi passado à reserva por seu comportamento conflitivo. Daí saltou à política, onde era tido como um pária. Autoritário, antidemocrático, machista, racista, homofóbico, defensor da tortura; um bufão, enfim, para uma meia dúzia de saudosistas da ditadura. No próspero Brasil de Lula (2003-2011), havia poucos prejudicados pelo establishment democrático e, como tudo melhorava a cada ano, com sorte dentro de pouco tempo não sobraria mais nenhum. Bolsonaro e suas sobrancelhas pontiagudas e seu penteado com a risca lateral estavam condenados a ser pouco mais que uma curiosidade histórica.

Mas em lugar de seguir adiante, o Brasil veio abaixo. A economia se paralisou. Começaram a surgir casos de corrupção: bilhões de reais roubados por políticos dos recursos públicos. O país se encheu de protestos de esquerda e de direita. E, em vez de responder, a velha elite usou as instituições para salvar a própria pele. O Congresso, o Senado, o Supremo Tribunal Federal, o Tribunal Superior Eleitoral…, todos acabaram enlameados com processos que procuravam adiar as investigações de corrupção, ou pelo menos suas consequências. Todos movendo-se a velocidades distintas, segundo o interesse. “Nunca nos recuperamos da desestabilização causada por esse mau uso das instituições: levou-nos a estes tempos difíceis”, lamenta Oscar Vilhena, professor de Direito Constitucional da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo.

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A violência disparou. Em 2017, o Brasil bateu pelo terceiro ano consecutivo seu próprio recorde de homicídios: 63.880. Mais que alguns países em guerra. E, enquanto a nação inteira parecia queimar, aquele palhaço do Congresso começou a parecer mais preparado. Ele, que sempre tinha criticado o status quo; ele, que nunca deixou de recordar que na ditadura se vivia melhor; ele, que desconfiava da esquerda de Lula. Ele era o novo homem com as respostas. Em 2014 foi o deputado mais votado do Estado de Rio. Já não era tão palhaço.

“Bolsonaro representa uma coisa profunda que ele nem imagina”, refletia num comício, em agosto, o centro-esquerdista Ciro Gomes, um dos 12 candidatos que aparecem atrás do ex-capitão nas pesquisas. “Representa a negação da política e da democracia, o desejo de atear fogo para ver se volta a nascer algo.”

Obcecado com a estética militar, não gosta que o golpe de Estado de 1964 seja chamado dessa forma

Se fosse só questão de rejeitar o establishment atual, Bolsonaro já teria mais de um imitador. Mas, assim como Donald Trump não chegou à Casa Branca só por exprimir o descontentamento com as elites norte-americanas, mas também flertando com o racismo oculto de muitos eleitores, Bolsonaro também tem algo a mais.

Obcecado pela estética militar, não gosta que o golpe de Estado de 1964 seja chamado dessa forma. “Tínhamos democracia, a única coisa que não tínhamos eram eleições”, argumentou à revista Piauí em 2016. Aquela ditadura durou 21 anos. Houve torturas e assassinatos de dissidentes, mortos desaparecidos, e vivos cheios de cicatrizes. “O erro foi torturar e não ter matado mais”, opinou Bolsonaro na televisão.

Encontrou uma mina. “Ao contrário da ditadura argentina, que é tomada como modelo de ditadura latino-americana, a brasileira teve uma propaganda e uma censura muito eficazes”, alerta Carlos Fico, historiador especializado. “A censura ocultava a violência. E a propaganda vendia uma ideia de milagre, a imagem de um país onde todo mundo era feliz.”

A transição, em 1985, não se atreveu a questionar este argumento. “Em 1979 foi assinada uma lei de anistia que isentava os agentes do Estado de qualquer crime contra os direitos humanos. Essa lei foi a cláusula principal da abertura. E agora uma parcela da população tem uma lembrança da ditadura que não é traumática; que não foi para tanto, de que foi uma ditabranda”, acrescenta Fico.

Bolsonaro – que goza de imunidade parlamentar para opinar sobre quase coisa – sempre falou dos militares com carinho. Começou a jogar com a ideia de que eles poderiam contribuir para criar um lugar sem a corrupção, a violência e a pobreza do presente. Prometeu revogar o estatuto do desarmamento e dar mais controle da segurança nacional ao Exército. Escolheu outro ex-militar radical como candidato a vice. Não foi uma decisão ao acaso: nestas eleições há 117 militares disputando cargos na política. Essa foi a grande descoberta de Bolsonaro. Como disse o jornalista Demetrio Magnoli, “a ideia de que a sociedade civil é uma doença degenerativa recorrente e que a saúde nacional depende de intervenções cirúrgicas militares está gravada em mármore na história do Brasil”.

Bolsonaro nunca foi um deputado muito produtivo, mas teve um momento de glória em 2011. O Ministério de Educação queria distribuir em 6.000 escolas um kit contra a homofobia com cadernos, livros e vídeos sobre relações homoafetivas. Conseguiu que os vídeos fossem retirados, e a iniciativa foi considerada um fracasso. Mas a verdadeira vitória foi outra. Obteve a simpatia de um dos grupos mais poderosos do maior país latino-americano: os evangélicos.

“Todos os partidos brasileiros estão nas mãos das grandes igrejas evangélicas”, alerta Bernardo Carvalho, escritor que retratou a vida evangélica brasileira em seu livro Reprodução. “Algumas igrejas estão abertamente contra Bolsonaro porque é impossível conciliá-lo com a ética cristã. Mas há outras que já tinham atacado os direitos individuais, os preconceitos de gênero, a violência e as armas, que Bolsonaro quer legalizar”.

Em 2016, e já pensando na disputa presidencial, o ex-militar, católico de toda a vida, foi com os filhos ao rio Jordão, em Israel, onde um pastor o batizou. Foi outra de suas grandes transformações: de ultranacionalista nostálgico a fanático liberal (o que lhe rendeu a simpatia dos mercados) e finalmente evangélico. Hoje, essa é a fé de 26% dos eleitores que o apoiam. A ninguém mais dedicam tanta devoção.

Depois de algum tempo sem crescer nas pesquisas ao contrário dos seus rivais, Bolsonaro conquistou um percentual maior de eleitores na última semana. Nas vésperas da eleição, era o favorito no primeiro turno, com 36% das intenções de voto. Já o segundo turno, em 28 de outubro, é outra coisa. Sua rejeição disparou para 46%. O antibolsonarismo é o maior fenômeno político do momento, e essa maioria está se organizando. Especialmente as mulheres, que o chamam, sem querer nomeá-lo, de coiso. Há campanhas contra ele, passeatas gigantescas. Tudo é possível neste país, e ainda mais nesta campanha. Mas poucos descartam que chegue mais longe a viagem deste filho de dentista pelo reverso obscuro do Brasil. Não é possível prender os fantasmas, mas sim perder o medo deles.

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