_
_
_
_
_

Papa: “Em outros tempos, os abusos nas casas também eram encobertos”

Francisco acredita que os encobrimentos de décadas não podem ser julgados com critérios atuais e defende o acordo com a China contra os que o acusam de vender a Igreja

Daniel Verdú
O papa Francisco fala com os jornalistas no voo de Tallin a Roma (AP).
O papa Francisco fala com os jornalistas no voo de Tallin a Roma (AP).MAX ROSSI (AFP)
Mais informações
A guerra suja volta ao Vaticano
Ex-alto funcionário do Vaticano acusa o Papa de encobrir abusos sexuais
O que significa que o papa Francisco escreva a Lula: “Reze por mim”?

Quando o avião papal ultrapassou os 8.000 pés, o papa Francisco, como sempre, deixou as fileiras da primeira classe para falar com os jornalistas que o acompanham. Depois de uma viagem de quatro dias pelos países bálticos, autoeclipsada pelo anúncio do próprio Vaticano sobre um acordo histórico com a China que encerra 70 anos de conflito, o papa queria se estender no relato de sua experiência na Lituânia, Estônia e Letônia. Incomodado com a falta de perguntas sobre o assunto, apenas no final concordou em responder a duas sobre os temas do momento: o abuso de menores e o acordo com Pequim, que defendeu contra críticas de uma parte da Igreja Católica que o acusa de ter vendido aqueles que resistiram ao regime comunista. Após 56 minutos de pé e com o microfone na mão, ele se retirou para jantar.

Na parte final de sua fala, Francisco abordou a questão das violações de menores e a ocultação sistemática da Igreja Católica durante as últimas décadas. Em meio a uma tempestade sem precedentes pela enorme quantidade de abusos que estão vindo à luz e que a Igreja escondeu –nesta terça-feira a conferência episcopal alemã voltou a pedir desculpas e fornecer dados sobre 3.677 casos–, argumentou que convém usar certos critérios para a análise. Francisco considera que "os fatos históricos devem ser interpretados com a hermenêutica da época em que ocorreram". "Nós vemos que nos primeiros 70 anos houve muitos padres que caíram nessa corrupção. Depois, em tempos mais recentes, houve uma diminuição, porque a Igreja percebeu que tinha que lutar de outra maneira. Nos tempos antigos essas coisas eram encobertas. Mas também em casa, quando o tio abusava de uma sobrinha, ou quando o pai fazia isso com os filhos. Encobria-se porque era uma vergonha muito grande. Era o modo de pensar dos séculos passados.”

É como o indigenismo. Houve muitas injustiças e brutalidade, mas não pode ser interpretado com a hermenêutica de hoje, temos outra consciência

O Papa se referiu diretamente ao caso da Pensilvânia, onde o Grande Júri divulgou em agosto um extenso relatório sobre mil jovens abusados durante sete décadas com o conhecimento, em alguns períodos, do próprio Vaticano. O Pontífice afirmou que "quando a Igreja tomou consciência disso, ela colocou tudo de si [...]. Nos últimos tempos, recebi muitas condenações feitas pela Doutrina da Fé e sempre disse: vão em frente. Depois de uma condenação nunca assinei um pedido de graça. Isso não é negociável", disse ele. Em seguida, insistiu na necessidade de julgar os fenômenos do passado com critérios do mesmo período. "É como o indigenismo. Houve muitas injustiças e brutalidade, mas não pode ser interpretado com a hermenêutica de hoje, temos outra consciência ", opinou.

O papa argumentou nesta terça-feira que a proporção de agressores no seio da Igreja não é maior do que em certas associações ou círculos. Embora seja mais grave, admitiu. "É verdade que há uma acusação contra a Igreja que todos conhecemos, sabemos as estatísticas, embora eu não as diga. Mas mesmo que um único padre tenha abusado de uma criança, é monstruoso. Esse homem foi escolhido por Deus para levar as crianças ao céu, então eu entendo que os jovens se escandalizem com essa corrupção. Eles sabem que isso está em toda parte, mas na Igreja é mais escandaloso, porque deve levar as crianças até Deus, e não destruí-las", disse o Pontífice.

Roma nomeará os bispos na China, o Papa os nomeará. Isso está muito claro

No sábado, quando teve início a viagem encerrada nesta terça-feira, o próprio Vaticano anunciou que havia chegado a um acordo histórico com a China para unificar as duas Igrejas –a clandestina (da Santa Sé) e a oficial (da Associação Patriótica)– e nomear futuros bispos em conjunto. "Isso não significa que eles nomearão os bispos. É um diálogo sobre possíveis candidatos, mas eles serão nomeados por Roma, nomeados pelo papa. E isso está muito claro", ressaltou. A decisão inicia um degelo que termina com 70 anos de falta de comunicação e perseguição dos católicos. Mas, precisamente, provocou a fúria de fiéis e bispos que arriscaram suas vidas durante décadas para defender o Papa na China. Figuras históricas dessa luta, como o cardeal Joseph Zen, criticaram diretamente o secretário de Estado, Pietro Parolin, pela negociação.

O Papa defendeu o acordo e assumiu total responsabilidade. "O acordo fui eu que assinei, sou eu o responsável. Os outros trabalharam mais de 10 anos. Isto não é uma improvisação, é um caminho da verdade ", explicou." Sacrifícios? O Papa acredita que não havia remédio a não ser o acordo e as pessoas agora levantam a voz." Quando um acordo de paz ou negociação é feito, as duas partes perdem alguma coisa, essa é a lei. Mas se segue adiante. Demos dois passos à frente, depois um passo atrás ... E depois meses sem nos falarmos", disse ele, repassando o processo de gestação do acordo. “Penso na resistência aos católicos que sofreram e sofrerão. Sempre num acordo há sofrimento, mas eles têm grande fé e enviam mensagens que a Santa Sé, o que Pedro diz é o que Jesus diz. A fé mártirial dessas pessoas avança, elas são grandes.”

Mais informações

Arquivado Em

Recomendaciones EL PAÍS
Recomendaciones EL PAÍS
_
_