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O segredo das campanhas da Nike, que agora critica a violência policial

A empresa conta com um orçamento descomunal para promover seus produtos e projetar sua imagem em todos os cantos do planeta

Anúncio da Nike protagonizado por Colin Kaepernick.
Anúncio da Nike protagonizado por Colin Kaepernick.ANGELA WEISS (AFP)

A Nike tem uma grande vantagem em relação a qualquer outra empresa de consumo. Conta com um orçamento colossal para promover seus produtos, o que lhe permite projetar sua imagem em todos os cantos do planeta. Com esse poder, a firma pode assumir riscos que outras corporações não poderiam se permitir. É o que acaba de fazer com o último anúncio da campanha Just Do It, protagonizado por Colin Kaepernick, o ex-jogador de futebol americano que liderou um protesto contra a brutalidade policial se ajoelhando durante a execução do hino nacional antes dos jogos.

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O ex-quaterback dos San Francisco 49ers se transformou em símbolo da luta contra o racismo, após ser insultado por Donald Trump por não respeitar o hino. O presidente norte-americano criticou o último anúncio da Nike com Kaepernick.

Faz 30 anos que a empresa de roupa esportiva constrói a campanha Just Do It, diz o analista publicitário Mike Jackson, da 2050 Marketing. “Eles são especialistas em contar histórias”, afirma. Jackson explica que a Nike sempre tentou projetar uma imagem de autenticidade, escolhendo como protagonistas de seus anúncios personagens que simbolizassem nascentes movimentos sociais e culturais, o que consolidou a companhia ante o público – e a fez crescer. “Para eles, não é simplesmente vender calçado e roupa esportiva”, diz.

A estratégia, segundo Jackson, é “impecável”. O último anúncio, difundido na semana passada, faltando apenas dois dias para o jogo que marcou o início da temporada da Liga de Futebol Americano (NFL) – durante o qual foi emitida a propaganda completa –, é obra da agência Wieden+Kennedy, de Portland (Oregon), onde fica a sede da Nike. “Eles conhecem muito bem o público que têm que atingir”, afirma o especialista em publicidade. A W+K começou a trabalhar para a Nike quando a companhia era dirigida por Paul Knight, seu cofundador. A campanha do trigésimo aniversário da Just Do It é algo que a empresa vinha preparando faz tempo.

“Eles não querem se esconder no meio de um debate”, diz Jackson. “Querem liderá-lo ao abraçar o ativismo de Colin Kaepernick”. Prova disso é a evolução de sua campanha publicitária. A primeira vez que o mundo escutou Just Do It foi com um anúncio que tinha como protagonista Walt Stack, um dos ícones do atletismo. Ele tinha 80 anos na época e era visto correndo pela Golden Bridge de São Francisco, contando ao público que corria mais de 25 quilômetros toda manhã. Dez anos depois, chegaria a série de Michael Jordan e Spike Lee, antes de serem estrelas.

A W+K recorreu também a Andre Agassi, combinando-o com os Red Hot Chili Peppers, e a um Charles Barkley que dizia que não era um modelo a ser seguido por ninguém, em contraposição à confiança que Michael Jordan já projetava. Era a maneira de estabelecer a imagem de autenticidade mencionada por Mike Jackson, o que foi feito com o paralímpico Craig Blanchette e com a propaganda intitulada Failure, relatando que tropeçar é inevitável no caminho rumo ao sucesso.

A Nike ganhou dois prêmios Emmy com seus anúncios, além de uma dezena de indicações. O primeiro deles foi com The Morning After, em 2000, e o segundo com Move, dois anos depois. A empresa também criou um dos primeiros vídeos virais da Internet: um anúncio no YouTube protagonizado por Ronaldinho, em 2005, quando o craque jogava no Barcelona. Era uma adaptação de outro vídeo similar que a Nike fizera anos antes com Tiger Woods, mostrando suas habilidades com o taco.

Os anúncios da campanha Just Do It são, de fato, muito vinculados à evolução dos atletas que a marca patrocina. Como no caso de Kaepernick, as propagandas se misturam com suas vidas reais. Foi o que ocorreu quando estourou o escândalo das infidelidades de Woods. Na época, a Nike lançou o anúncio para sanar os danos à imagem da estrela do golfe, seriamente prejudicada. A empresa apostou em mantê-lo como um de seus rostos, e o público acabou perdoando o atleta.

A W+K tampouco é alheia às controvérsias. Durante as últimas três décadas, sempre tentou abordar questões sociais nos anúncios. Coincidindo com o 40º aniversário da lei federal que abriu as portas às mulheres atletas, a agência criou um anúncio celebrando a contribuição delas ao esporte. Um recente estudo da firma Ace Metrix indica que, para que a publicidade tenha impacto, deve evocar emoções. Ou seja: deve inspirar a audiência além de entretê-la.

A marca, enfim, é valor. Mas a questão é determinar até onde uma campanha pode chegar. Foi o que a Nike fez nos anos noventa, quando emitiu um anúncio protagonizado por Ric Munoz em plena batalha pelo reconhecimento dos direitos da comunidade gay. O maratonista era abertamente homossexual e portador do HIV. Era um assunto intocável, inclusive para as figuras públicas.

O consultor Jan Kniffen, da Rogers Kniffen WWE, recorda que comprou seus primeiros tênis Nike uma década antes da Just Do It. Diz que adora a empresa e a marca. Mas discorda que a Nike tenha que assumir um risco assim com Colin Kaepernick. “É possível que, no longo prazo, seja o melhor que já fez”, diz Kniffen. Ao mesmo tempo, porém, ele lembra que, assim como as empresas Adidas, Under Armour e Lululemon, a Nike tem uma clientela muito extensa em termos de idade, origem étnica e disciplina esportiva. “Não é um produto de nicho”, diz ele. “Pode agradar alguns e desagradar outros.”

O analista Simeon Siegel, da Nomura Instinet, diz que as pessoas que admiram Serena Williams e LeBron James como atletas continuarão comprando produtos da marca apesar das polêmicas. E ressalta que a empresa vem criando uma conversa necessária com seus anúncios. “A Nike é, ao mesmo tempo, uma empresa de consumo e de marketing”, explica. “É difícil encontrar uma marca que tenha tanto impacto. E tampouco é a primeira vez que assume um risco assim.”

Estima-se que a cobertura midiática que a Nike alcançou graças à campanha com Colin Kaepernick tenha gerado uma exposição que, feita através do canal publicitário, teria lhe custado mais de 40 milhões de dólares (166 milhões de reais) só no primeiro dia. “Todo mundo fala [sobre isso]”, diz Siegel. A Nike “sempre foi contra a corrente e se deu bem. Daqui a alguns anos, voltaremos a falar de uma nova campanha que gera polêmica. É justamente isso o que a coloca na frente das demais e a torna relevante.”

Jackson reconhece que sempre haverá clientes da Nike irritados com seus anúncios. Mas considera que o posicionamento da marca é forte o suficiente para sobreviver a controvérsias desse tipo. “É uma marca planetária”, afirma. Os resultados da companhia mostram que 60% das vendas são geradas fora dos EUA. E embora Kaepernick seja uma figura radioativa, o negócio da NFL é só uma pequena parte da renda global.

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