“Ele poderia ter morrido, foi muito grave”: as tensas horas para salvar Bolsonaro e prender o acusado
Em Juiz de Fora, médicos e apoiadores do candidato relatam o momento em que ele foi atacado. Acusado de ter esfaqueado o deputado permanece preso preventivamente
Eram muitos os moradores de Juiz de Fora, uma cidade de pouco mais de 500.000 habitantes de Minas Gerais, que estavam ansiosos por ver e escutar de perto o deputado e candidato a presidente Jair Bolsonaro, em primeiro lugar em todas as pesquisas que antecedem as eleições de outubro. “Ficamos ali todos nós gritando ‘mito!’ ‘mito!”, conta a empresária Rose Gomes, de 52 anos, uma das que participava de um comício lotado no centro da cidade. Por volta das 15h20, quando Bolsonaro era carregado por alguns de seus apoiadores, um homem se aproximou e o esfaqueou no abdômen. Era Adélio Bispo de Oliveira, de 40 anos.
“Ele apareceu de repente, como se fosse um de nós. A sorte é que ele estava sentado no ombro das pessoas e com seguranças em volta. Senão, ia acabar perfurando o coração dele”, conta Gomes. Bruno Engler, coordenador do Direita Minas e candidato a deputado estadual, resolveu desviar da multidão por uma rua paralela e esperar Bolsonaro no lugar onde discursaria. "Foi então que ouvi notícia de que havia um atentado. A primeira versão era de que tinha acertado um segurança. Cheguei lá correndo e encontrei uma viatura com o marginal sob custodia, e a população ansiosa querendo linchá-lo. Inclusive eu, porque ele merece".
Naquele momento, o candidato já havia sido rapidamente colocado em um carro e rumava para o hospital mais perto, a Santa Casa. Deu entrada por volta das 15h40. Seu filho Flávio, deputado estadual do Rio de Janeiro, a princípio disse que se tratava de uma ferida leve. Na realidade, a rapidez do socorro salvou a vida de seu pai.
Bolsonaro chegou em choque, com a pressão arterial muito baixa, 7 por 4. Havia dois litros de sangue em seu abdômen, de modo que precisaram realizar uma transfusão. Quatro bolsas foram usadas. Foi então detectado que os intestinos delgado e grosso foram afetados pela faca. “Ela pegou uma veia mesentérica. A primeira coisa que fizemos foi estancar a hemorragia interna, que era o mais grave”, explicou a médica Eunice Dantas, diretora medica e técnica da Santa Casa. “As lesões no intestino delgado foram suturadas, mas precisamos fazer uma ressecção de 10 centímetros no intestino grosso”, acrescentou. Também fizeram uma colostomia, um procedimento em que uma bolsa substitui temporariamente parte do intestino para que as fezes não entrem em contato com a parte operada. O principal risco durante todo o procedimento, mas também depois, era que ocorresse uma infecção generalizada. "Ele poderia ter morrido, foi muito grave".
Bolsonaro não só sobreviveu como permaneceu estável durante toda a noite. Depois dos cuidados emergenciais e cruciais do público SUS, chegou o auxílio das instituições privadas com maior reputação no país. Três médicos do hospital Sírio Libanê, chegaram ainda na noite de quinta para formar uma junta, à qual se juntaram outros dois médicos do Albert Einstein de madrugada. Bolsonaro permaneceu todo o tempo lúcido e, segundo Dantas, muito animado e com um humor excelente. Nas primeiras horas de sexta-feira, às 8h20, finalmente foi levado a São Paulo, como sua família desejava. "Tudo foi discutido exaustivamente com as equipes. Esta manhã ele estava estável, em boas condições", continuou Dantas. No Albert Einstein deverá ficar de sete a dez dias. "Daqui a pouco ele vai poder andar, comer, fazer tudo normalmente. A volta na campanha vai depender da evolução e do que os colegas do Einstein vão dizer, mas nas próximas semanas ele deve ficar em observação. Depois de dois ou três meses a colostomia poderá ser retirada".
Bolsonaro deverá, portanto, ficar afastado das atividades da campanha antes do primeiro turno. Seus aliados não veem isso como um problema, pelo menos por enquanto. "Bolsonaro não precisa estar na rua para fazer campanha. A campanha toma corpo sem ele precisar sair. De dentro do hospital vai ser um campeão de votos em qualquer eleição", disse, confiante, o deputado federal Fernando Francischini, do PSL do Paraná.
O atentado contra Bolsonaro parece ter servido, até o momento, para reforçar o discurso belicista característico do candidato. “Quero dizer aos que tentaram acabar com a vida de um pai de família que é a esperança de milhões de brasileiros... Vocês acabaram de eleger o próximo Presidente da República. E será no primeiro turno”, disse Flávio Bolsonaro. "Quero ver o que os direitos humanos vão falar agora. Porque eles protegem bandido e criminoso", disse por sua vez o senador Magno Malta ao chegar na Santa Casa, por volta de 23h desta quinta. Políticos e ativistas de Direitos Humanos, assim como a ONU e a Human Rights Watch, condenaram enfaticamente a facada. "Esse cara [que atacou o candidato] não é um maluco, não é uma vítima da sociedade. É um ativista político. Amanhã é dia da independência, é como se tivessem dado uma facada na bandeira", completou Malta, ainda no dia 6.
Já Francischini, que chegou a elogiar as manifestações de solidariedade dos demais candidatos, afirmou em diversos momentos que o crime, em sua opinião, foi premeditado e teve a participação de mais pessoas ou organizações. "A história de que ele [o acusado] é um maluco não cola. Ex-filiado ao PSOL, fez manifestações no Congresso Nacional... A democracia está em risco", disse. Em outra ocasião, nesta sexta, explicou que "há imagens mostrando ligações do acusado com movimentos de esquerda". "Não estamos aqui querendo criminalizar ou culpar qualquer movimento ou partido, mas há uma informação concreta de que ele foi filiado ao PSOL e participava de movimentos pelo Lula Livre. A Polícia Federal com isenção vai ter que decidir o que fazer". Fotos foram difundidas nas redes sociais, inclusive pelo senador Magno Malta, em que o autor do ataque aparecia em uma manifestação perto de Lula. Depois, elas se revelaram falsas.
Audiência de custódia
O suspeito, Adélio Bispo de Oliveira, foi preso em flagrante e passou a noite na cadeia. Pouco se sabe sobre ele: até 2014 era filiado ao Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), que condenou taxativamente o atentado, dizia cumprir ordens divinas e havia se afastado de sua família nos últimos anos. Ele passou o dia no Centro de Remanejamento do Sistema Prisional (Ceresp) de Juiz de Fora e uma audiência de custódia foi realizada às 16h para decidir sobre sua soltura. A juíza substituta Patrícia Alencar Teixeira de Carvalho, da 2ª Vara Federal, acabou decidindo manter o acusado preso preventivamente. Também acatou um o pedido da acusação e ordenou que Adélio fosse enviado para um presídio federal, em Campo Grande, sob a justificativa de que era a melhor maneira de protegê-lo e evitar, segundo relatou o deputado Francischini, uma possível "queima de arquivo". Adélio foi indiciado pela Lei de Segurança Nacional, após ter reconhecido em depoimento que sua motivação era política e religiosa.
Tanto o Ministério Público como os quatro advogados de defesa de Adélio concordaram que ele fosse enviado para um presídio federal com o objetivo de garantir sua proteção. Os defensores frisaram que o acusado agiu sozinho e com motivação política. "O que nós vamos analisar são as circunstâncias atenuantes. A própria confissão, a motivação política, o discurso de ódio que a vítima trazia como meta de campanha. Adélio é negro e se considera um negro. E aquela declaração de que um negro quilombola não serviria sequer para procriar... Isso daí atingiu de uma forma avassaladora a psique dele. Ele tem um histórico de uso de medicação controlada", explicou Zanôni Manuel de Oliveira Júnior, um dos advogados, em referência a uma fala de Bolsonaro pela qual ele responde judicialmente.
"Nós já entramos em contato com psiquiatras, e segunda-feira vamos trazer por escrito um requerimento para que o incidente de sanidade mental seja instaurado e um perito oficial seja designado pelo magistrado. Nós da defesa iremos também indicar um perito assistente", completou. Os advogados explicaram que foram contratados por pessoas da igreja (preferiram não especificar qual) à pedido dos familiares do acusado.
Um deles teve contato com Adélio ainda nesta quinta, logo após sua detenção. O suspeito afirmou que estava sentindo muitas dores devido às agressões que sofreu dos apoiadores de Bolsonaro após a facada. O misterioso homem trabalhou como garçom, segundo seu advogado. Na pensão no centro da cidade onde estava hospedado, o proprietário, que preferiu não se identificar, disse que ele era uma pessoa que aparentava ser boa e normal, e que ia para a Igreja com frequência.
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