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Espanha estuda proibir a prostituição

Governo se inspira no modelo abolicionista sueco. Os clientes são cada vez mais jovens. E 80% das mulheres exercem a atividade obrigadas

Sapatos de uma prostituta na região de Marconi, em Madri.
Sapatos de uma prostituta na região de Marconi, em Madri.Andrea Comas
Pilar Álvarez

Na Espanha existem pelo menos três bordéis para cada hospital público. Num dos países com mais clientes de prostituição do mundo, o Governo quer regular o tráfico de pessoas e a exploração sexual com uma nova lei que proteja as vítimas. Sua inspiração é o modelo abolicionista da Suécia, que persegue os clientes e se orgulha de ter reduzido pela metade a prostituição nas ruas.

Cerca de 40 milhões de pessoas são prostituídas no mundo, segundo relatórios internacionais. Três em cada quatro têm entre 13 e 25 anos. O Ministério do Interior da Espanha “contabilizou” 14.000 prostitutas no país em 2017, embora estime que sejam pelo menos o triplo. Segundo outras fontes, elas seriam 100.000. A polícia calcula que 80% delas sejam vítimas forçadas, mas não há cifras oficiais. Algumas, como Lucía, foram aliciadas pela própria família.

A Suécia multou 7.600 homens desde 1999. Alguns inclusive receberam penas de prisão

“Nunca encontrei uma mulher que quisesse fazer isso”, diz Lucía (nome fictício) baixinho, obrigada a se prostituir por sua irmã mais velha. Proveniente de um país da América Latina, ela viajou à Espanha em 2016 atraída por uma bela promessa de trabalho na Europa. Após um mês como empregada de uma casa, ela ficou sem emprego. A irmã lhe sugeriu que dormisse com homens para quitar a dívida de 3.000 euros (14.100 reais) em seu país. Ela se negou. A irmã a trancou num quarto. A porta só se abria para que um novo homem entrasse. E outro. E outro. “Todos eram mais velhos”, diz a garota, de 22 anos. “Nenhum me perguntou por que eu estava trancada.” Ela conseguiu fugir uma semana depois. Teve sorte e acabou num apartamento mantido pela Associação para a Prevenção, Reinserção e Atenção da Mulher Prostituída (APRAMP), uma ONG espanhola. Ficou um ano oculta como vítima de tráfico de pessoas e hoje é mediadora da organização. É ela quem visita os apartamentos clandestinos que estão fora dos radares policiais. E também ruas como a Ballesta, no centro de Madri, onde tantas outras vítimas endividadas buscam clientes desde o amanhecer.

Semana passada, a aprovação de um sindicato de prostitutas no Boletim Oficial do Estado provocou a retratação imediata do Governo e a demissão da diretora do Ministério do Trabalho, Concepción Pascual. No calor da polêmica, o presidente do Governo, Pedro Sánchez, anunciou que a Espanha terá uma lei contra o tráfico de pessoas e a exploração sexual. O PSOE quer punir “a demanda e a compra de prostituição”, como faz a Suécia. É o que menciona em se último programa eleitoral, embora o Executivo ainda não tenha esclarecido se o incluirá exatamente assim num anteprojeto cuja elaboração acaba de começar.

“A demanda é por carne fresca. As que vêm agora são meninas de 14 a 17 anos buscando um sonho que não existe”, diz Rocío Nieto, da ONG ABRAMP

Os países abolicionistas consideram a prostituição como um atentado contra a mulher, incompatível com a igualdade de gênero e os direitos humanos. A Suécia multou mais de 7.600 homens desde que começou a punir os clientes, em 1999. Alguns deles receberam inclusive penas de prisão. Depois somaram-se Noruega, Canadá, Islândia e, mais recentemente, França e Irlanda, com multas de até 2.000 euros (9.400 reais) a quem pagar por sexo.

No lado oposto estão os países que legalizaram a prostituição, considerando que vender e comprar sexo são atividades econômicas como outras quaisquer. É o modelo seguido, por exemplo, por Dinamarca, Holanda e Alemanha. O objetivo da legalização era empoderar as mulheres, acabar com a estigmatização e melhorar suas condições de trabalho. Diante da falta de relatórios que tratem da questão com profundidade, porém, tanto o relator especial das Nações Unidas sobre tráfico de pessoas como o Parlamento Europeu consideram que não cumpriram seu objetivo. “Até o momento, as pesquisas mostram que, onde a prostituição e as atividades relacionadas são legais, há maior presença do tráfico no mercado sexual”, diz um relatório do Parlamento de 2014 intitulado Explotación Sexual y Prostitución y Su Impacto en la Igualdad de Género (Exploração sexual e prostituição e seu impacto na igualdade de gênero).

O coletivo Hetaira adverte que punir o cliente e multar as mulheres só fazem deixá-las ainda mais desprotegidas

A Alemanha, que legalizou a prostituição em 2002, é hoje o grande bordel da Europa. Tem gigantescos estabelecimentos com filas de clientes atraídos pelo “pacote” de sexo, cerveja e salsicha por 70 euros (330 reais). Como existe mais oferta, as tarifas caíram mais de 20%, e apenas entre 1% e 5% das mulheres se inscreveram no registro obrigatório de prostitutas.

A Espanha está num terceiro grupo, juntamente com a Itália, em que a prostituição é alegal (não é regulada nem proibida), embora com nuances. A Lei de Seguridade Cidadã, popularmente conhecida como “Lei Mordaça”, prevê sanções leves por “exibição obscena” e graves a quem oferecer ou pedir serviços sexuais em zonas públicas onde possa haver menores. Entre 2015 e 2017, o Ministério do Interior registrou 1.250 sanções por infração grave e 597 leves, embora sem detalhar quantas foram impostas a clientes e quantas a prostitutas. Há também 51 normas municipais que proíbem a prostituição em lugares públicos, segundo a antropóloga Carmen Meneses, da Universidade Pontifícia Comillas. A maioria delas, diz a especialista, pune as mulheres.

A porta só se abria para que um novo homem entrasse. E outro. E outro. “Todos eram mais velhos”, explica Lucía. “Nenhum me perguntou por que eu estava trancada”

“A demanda é por carne fresca. As que vêm agora são meninas de 14 a 17 anos, que chegam à Europa em busca de um sonho que não existe”, explica Rocío Nieto, uma das responsáveis pela ABRAMP. Com 35 anos de trabalho na associação, ela diz que os clientes são cada vez mais jovens e os pedidos, “cada vez mais perversos”. Crescem os serviços nos quais eles pedem que elas lambam seu ânus ou que mantenham relações sem preservativo. “E se você não fizer isso, outra vai fazer.” Nieto defende uma lei abolicionista, mas com orçamento suficiente e alternativas de trabalho para que as prostitutas possam sair de um mercado em que o volume de “dinheiro negro” (de origem não declarada) é altíssimo.

A prostituição movimenta cerca de 160 bilhões de euros (752 bilhões de reais) no mundo, segundo o site sobre mercados ilegais Havocscope, que cita o Parlamento Europeu em seus relatórios. O valor supera o PIB do Marrocos. Na Espanha seriam 22,8 bilhões de euros (107 bilhões de reais) por ano, o equivalente a metade do gasto com educação.

A prostituição move 160.000 milhões de euros no mundo, um montante que supera o PIB de Marrocos. Em Espanha são 22.800 milhões, a metade da despesa educativa

Coletivos como Aprosex e Hetaira, que pedem direitos às prostitutas que exercem por vontade própria, não quiseram dar declarações nos últimos dias, após a polêmica pela aprovação do sindicato. O coletivo Hetaira adverte que punir o cliente e multar as mulheres com normativas municipais só fazem deixá-las ainda mais desprotegidas. A antropóloga Carmen Meneses, especialista no estudo acadêmico da prostituição, diz que o melhor caminho para abordar o tema é criar cooperativas de mulheres e garantir direitos a elas. Meneses pede um debate social e político ponderado e a “não criminalização” das mulheres. Ela não acha que seja possível abolir a prostituição.

“Para que não haja oferta, é preciso acabar com a demanda”, resume José Nieto, inspetor-chefe da Unidade contra Redes de Imigração Ilegal e Falsidade Documental (UCRIF Central). Os agentes não perseguem as mulheres que exercem a prostituição livremente, mas essas, diz ele, “são minoria”. “Tenho visto muitíssimas escravas, nós as vemos”, afirma. Nieto pede a colaboração dos clientes para acabar com as redes de tráfico. “Se eles têm tanta certeza de que as meninas estão ali porque querem, que as convidem para tomar um café fora ou ir ao cinema, para ver se podem. Se elas ficam de salto alto até as cinco da manhã, será mesmo que fazem porque querem? Isso é um trabalho?”

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