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Campanha inflama retórica anti-venezuelanos e agudiza crise em Roraima

Jucá, candidato ao Senado, e governadora defendem barrar entrada. Ministro complica cenário cogitando fechar fronteira

Refugiados venezuelanos formam fila em ponto de imigração brasileiro.
Refugiados venezuelanos formam fila em ponto de imigração brasileiro.MAURO PIMENTEL (AFP)
Tom C. Avendaño
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O Governo Michel Temer ainda não conseguiu acalmar as tensões provocadas pela imigração venezuelana em Roraima. Pelo contrário. Depois que milhares de moradores de Pacaraima, localidade fronteiriça de 12.000 habitantes, incendiaram no sábado um acampamento de imigrantes sem-teto, atacaram 700 deles e expulsaram 1.200, o ministro-chefe da Secretaria de Governo, Carlos Marun, contribuiu para o clima acirrado ao dizer, na segunda-feira, que a gestão Temer não descartava fechar temporariamente a fronteira com seu asfixiado vizinho do norte. Foi uma declaração que destoou de tudo que o Planalto e outras autoridades, incluindo da Justiça e militares, vinham dizendo. "O Governo não descarta (o fechamento da fronteira), mas vê grandes dificuldades. Vamos aguardar o retorno da comissão interministerial enviada a Roraima para tomar uma decisão", disse.

“Vamos seguir a legislação e não vamos fechar as fronteiras”, afirmou nesta terça-feira ao EL PAÍS o secretário nacional de Segurança Pública, Flávio Basílio. Ele é parte da comissão interministerial, um grupo de técnicos de 11 ministérios, que está em Roraima e analisa às instalações de acolhida dos imigrantes na cidade de Pacaraima. No local, foi instalada uma tenda onde são fornecidas informações a todos os venezuelanos que entram no país e feitos documentos para os que não têm nenhum registro.

A ideia de fechar as fronteiras já foi levantada por vários políticos de Roraima, que alimentam a retórica xenófoba em meio à campanha eleitoral. A possibilidade de fechar a fronteira é considera remota, porque viola o direito internacional. Já foi negada pelo Supremo Tribunal Federal e, nesta terça, ganhou mais um parecer contrário da AGU (Advocacia-Geral da União). Ao não se opor abertamente a ela ou dar declarações dúbias como a de Marun, o Governo Michel Temer alimenta, de forma indireta, seus defensores e acaba favorecendo politicamente aliados importantes de Temer, que fazem campanha eleitoral em Roraima perguntando-se quantos imigrantes venezuelanos cabem no maior país da América Latina.

"O presidente determinou um rápido estudo para fechar a fronteira. Não vou fixar prazo para o presidente, mas ele sabe que a situação é grave e que o tempo está passando", disse, no Twitter, o senador Romero Jucá, pouco antes do ministro Marun se manifestar.

Romero Jucá, também presidente do governista MDB, é um dos aliados mais poderosos do presidente Temer e disputa a reeleição em outubro. Depois de obter resultados fracos nas pesquisas de intenção de voto (25%), mostra agora uma disposição maior de alimentar o voto xenofóbico: prometeu estimular a repatriação, pediu o fechamento das fronteiras e também a definição de cotas para venezuelanos.

As propostas de Jucá tentam disputar terreno com sua rival política, a governadora Suely Campos (PP), candidata à reeleição que há tempos declarou guerra política aos imigrantes: já tinha pedido o fechamento da fronteira anteriormente (foi negado pela Justiça). À sua maneira, também contribuiu para o crescimento da xenofobia: em 1º. de agosto, Campos publicou um decreto para restringir ainda mais a entrada de imigrantes, proibir o uso de serviços públicos por parte deles e favorecer a repatriação de quem já estava dentro e sem documentação.

Os dados da imigração

Em Pacaraima, a população imigrante soma 3.000 habitantes, 25% do município. Por sua fronteira entraram 127.778 venezuelanos entre janeiro de 2017 e junho de 2018. Deles, 68.968 voltaram, mas não há registro sobre o que fizeram os demais 58.810. Um bom número ficou por Roraima, um dos Estados mais pobres e desatendidos do país, onde os serviços públicos, sobretudo de saúde, já eram antiquados e saturados antes mesmo que a crise econômica venezuelana levasse famílias inteiras de lá a encherem os prontos-socorros, os pedidos de ajuda pública e, quase literalmente, as ruas.

Entretanto, essa proporção muda radicalmente no contexto nacional. No resto do país, de 208 milhões de habitantes e a quinta maior extensão geográfica do mundo, a presença venezuelana é mais incomum. O Governo federal, que tinha se comprometido a distribuir os imigrantes de Roraima, faz isso em levas de poucas centenas. Diante dos 50.000 que estão em Roraima, São Paulo, o Estado mais rico, acolhe pouco mais de 200. Isso apesar de ter um índice de desenvolvimento humano (cifra que mede o estado da educação, serviços de saúde e pobreza de uma região) 20% melhor que o de Pacaraima. Fora das mãos do Governo, muitos imigrantes não conseguem superar o obstáculo da péssima comunicação rodoviária e aérea de Roraima com o resto do Brasil.

Essa disparidade serviu como caldo de cultivo para surtos de xenofobia em Roraima. Em fevereiro, um homem foi acusado de incendiar a casa onde viviam 14 adultos e uma criança de 3 anos. Dias depois, alguém (suspeita-se que o mesmo homem) atirou uma bomba na casa de 31 imigrantes. Em março, 300 brasileiros expulsaram 200 venezuelanos de um albergue e queimaram suas posses. Atitudes como essa e como do último fim de semana, por sua vez, alimentam a atitude de alguns políticos locais que transformaram o desespero da população de Roraima e o desinteresse do Governo federal em ideologia.

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