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Intervenção Federal no Rio
Tribuna
São da responsabilidade do editor e transmitem a visão do diário sobre assuntos atuais – tanto nacionais como internacionais

Rio não é um caso perdido e a violência tem sim solução

Após seis meses de intervenção federal, os índices mais sensíveis permanecem altos, houve um crescimento de mortes decorrentes da intervenção e a vitimização dos agentes de segurança continua elevada

Crianças observam patrulhas das forças armadas durante uma operação contra traficantes no complexo de favelas de Lins, no Rio de Janeiro.
Crianças observam patrulhas das forças armadas durante uma operação contra traficantes no complexo de favelas de Lins, no Rio de Janeiro.RICARDO MORAES (REUTERS)

Após seis meses de intervenção federal no Rio de Janeiro, já é possível fazer uma avaliação dessa experiência. E, com base nos resultados, vemos um quadro desalentador: os índices mais sensíveis permanecem altos (mortes violentas, tiroteios e chacinas), houve um crescimento preocupante de mortes decorrentes de intervenção militar-policial e a vitimização dos próprios agentes de segurança continua elevada.

A intervenção se baseia em um modelo de segurança pública de concepção militar, que pensa desafios de violência e criminalidade como problemas de guerra, a ser combatidos por generais e batalhas.

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Do nosso ponto de vista, violência e criminalidade são problemas sociais e policiais, melhor enfrentados com base em diagnósticos, prioridades, definição e monitoramento de metas, modernização na gestão e fortalecimento da integração e inteligência.

Mesmo sem as mudanças estruturais necessárias para alterar a segurança pública no país (como reforma das polícias, mudança das políticas de drogas e reforma do sistema penitenciário) é possível reduzir mortes violentas a curto prazo com políticas de segurança orientadas para a proteção da vida.

Elencamos aqui algumas ações que consideramos fundamentais e urgentes para a construção de uma segurança pública efetiva e de proteção à vida em contraponto à lógica de guerra e confronto:

1. Para reduzir homicídios é imperioso priorizar a sua elucidação, especialmente das chacinas (homicídios múltiplos, com três mortes ou mais). A desarticulação de grupos que cometem crimes em série produz forte impacto na redução deste fenômeno e deve ser feita com inteligência, prendendo criminosos fora de sua área de controle territorial, para evitar que possam reagir e amedrontar a população.

2. O esclarecimento de homicídios tem duplo sentido: entender as dinâmicas predominantes que resultam em mortes violentas (motivações e práticas) e transmitir a mensagem, para a sociedade, para os criminosos e para a polícia, de que grupos de extermínio, milícias e quadrilhas serão desarticulados.

3. É necessário alocar recursos de inteligência para enfrentar dinâmicas de ingresso de armas e munições por criminosos profissionais. A arma deve estar no centro das preocupações da segurança, inclusive com a prevenção da circulação de armas entre jovens em escolas, a partir de parcerias com lideranças comunitárias.

4. No caso do Rio de Janeiro, é essencial reduzir a letalidade policial (no período da intervenção, a polícia foi responsável por 27% do total de homicídios. Em algumas áreas essa proporção atinge 35%). Para isso, é necessário desarticular esquemas crônicos de corrupção em batalhões e delegacias, trocando comandos e guarnições inteiras.

5. Também no cenário fluminense é necessário reduzir os confrontos e o estímulo de que criminosos atirem como primeira reação de defesa. Priorizar a presença policial em áreas onde ocorram tiroteios, o que hoje não ocorre, seria um meio de evitar conflitos armados, além de proteger a população. A mensagem é: onde houver disparos, haverá maior repressão a atividades ilegais com fins de lucro.

6. É preciso desenvolver modelos de segurança menos dependentes da presença física de policiais militares e do uso da força. O aprimoramento de mecanismos de gestão e monitoramento é essencial, com a adoção de campanhas e medidas para estimular as notificações; ampliação e modernização dos sistemas computadorizados; avisos automáticos de concentração de ocorrências em uma localidade (os chamados hot spots); sistemas de alerta da polícia; e integração entre polícias, guardas municipais e vigilância privada, entre outros.

7. No caso do Rio de Janeiro, é urgente desenvolver casos-modelo, particularmente em cidades da Região Metropolitana com altas taxas de homicídios. Estados e cidades do Brasil e do mundo tiveram experiências bem-sucedidas de redução de homicídios, demonstrando que violência tem solução.

Diferente do que alguns dizem, o Rio não é “um caso perdido”. É um caso de políticas de segurança historicamente erradas. Se insistirmos neste modelo, continuaremos perdendo vidas preciosas. Perdendo a disputa moral contra o crime. Perdendo o ânimo com a violência. Políticas de segurança podem e devem salvar vidas, em vez de exterminá-las.

Sílvia Ramos é cientista social, coordenadora do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania da Universidade Candido Mendes (Ucam-Rio) e do Observatório da Intervenção.

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