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O plano do Real Madrid para Vinícius Júnior

Clube espanhol quer polir o atacante brasileiro de 18 anos, pelo qual pagou 45 milhões de euros, com um programa de treinos técnicos e táticos

Vinícius Júnior, no jogo contra a Roma em Nova York.
Vinícius Júnior, no jogo contra a Roma em Nova York.EDUARDO MUNOZ ALVAREZ (AFP)
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Sob a pressão de expectativas enormes, de atuações forçosas e da exigência de um clube mastodôntico distanciado das glórias passadas, um adolescente carioca viveu os dois últimos anos na mesma velocidade que agora exibe sobre os gramados com a camiseta do Real Madrid. Na Flórida, em Maryland e em Nova Jersey, Vinícius Júnior mostrou sinais de um atacante vertical, profundo e ambicioso. Com uma dose extra de explosão e um vistoso potencial em termos de imaginação na hora de aplicar sua ginga e seus recursos técnicos. Também revelou que, por trás desse atrevimento, há um jogador com deficiências próprias de quem ainda está na etapa de formação.

Em maio de 2017, Vinícius Júnior treinou pela primeira vez com o time principal do Flamengo. Quatro dias depois, o Maracanã o recebeu de pé quando entrou em campo para estrear como profissional contra o Atlético Mineiro de Robinho, o ídolo do jogador carioca – de quem recebeu a camiseta. Apenas 68 jogos e 14 gols depois, com 18 anos recém-completados, Vinícius Júnior aterrissa no Real negociado por 45 milhões de euros (171 milhões de reais, no câmbio atual), a segunda transferência mais cara do futebol brasileiro. O valor só é superado pela venda de Neymar ao Barcelona pelo Santos.

Nascido e criado numa das regiões mais pobres de São Gonçalo, município da zona metropolitana do Rio castigado pela violência do narcotráfico, Vinícius entrou aos cinco anos para uma das escolinhas do Flamengo. Aos 10 foi federado pelo clube rubro-negro, que desde o final dos anos setenta havia transformado em lema uma manchete eloquente: “Craque o Flamengo faz em casa”, ilustrando que seu fértil celeiro de craques era capaz de forjar lendas como Zico, Júnior, Andrade, Leandro e Mozer – que em 1981 venceram a Copa Libertadores e a Intercontinental para um time que historicamente contou com a torcida mais numerosa do mundo. Vinícius jogou sempre em categorias superiores às da sua idade. Destacava-se por seu drible, seu físico potente e uma ascendente produtividade goleadora. Logo se transformou em referência das categorias de base.

O Flamengo havia elaborado um plano para introduzi-lo progressivamente na metodologia de funcionamento do time profissional

Tudo se acelerou de maneira vertiginosa no início de 2017. O jogador virou celebridade após uma incrível atuação na Copa São Paulo de Futebol Júnior, a maior competição sub-20 do país. Com 16 anos, Vinícius deixou um belo mostruário de gols, gestos técnicos e dribles festejadíssimos pelo público da TV. Logo depois, ele venceu com a seleção brasileira o Campeonato Sul-Americano de Futebol Sub-17 no Chile, sendo o máximo artilheiro e eleito o melhor do torneio.

O Flamengo havia elaborado um plano para introduzi-lo progressivamente na metodologia de funcionamento do time profissional. Vinícius estreou no Campeonato Brasileiro com 16 anos e 10 meses. Em maio de 2017, renovou o contrato com o clube por vários anos como parte do processo de venda ao Real Madrid. Mas seus primeiros jogos como profissional trouxeram confusão. O lendário Tostão, cuja maravilhosa clarividência para marcar gols era equiparável à que agora exibe como colunista, escreveu que parecia que Vinícius, por sua relevância midiática e sua transferência ao Real Madrid, já havia se transformado em fenômeno mundial antes mesmo de ser titular do Flamengo. “Vinícius Júnior já é, antes de ser. Tomara que seja.” As perspectivas de futuro se transformaram numa dura pressão sobre os ombros de um garoto de 17 anos. Ele driblava quando deveria segurar a bola; escolhia opções ruins de passe e não tinha pausa; e saía do banco para entrar no gramado com uma enorme ansiedade, o que bloqueava seu raciocínio sobre o jogo. Seu primeiro gol só veio em agosto. “Possui uma enorme velocidade”, escreveu Tostão na Folha de S. Paulo, “[mas] está ainda muito agitado, apressado, tentando fazer, de cada jogada, um monumento. Tem que encontrar o momento exato de executar as jogadas decisivas, sem afobação.”

Vinícius não conseguiu ser decisivo em quase nenhum jogo, mas em 2018 amadureceu. O ano começou com um paradoxo: cada partida era mais uma oportunidade de ganhar experiência – e também uma a menos para se despedir de seu clube. Seus evidentes avanços para entender melhor o jogo começaram a aparecer. Episódios pontuais, como dois golaços no Equador contra o Emelec, na Libertadores, também lhe deram confiança e um recorde: o de jogador brasileiro mais jovem a marcar na competição. Cada vez mais afloravam suas arrancadas, suas fintas eletrizantes e sua ambição pelo mano a mano. E veio outra virtude crescente: o garoto é um lince para sair da marcação, acelerando sem a bola rumo aos espaços livres para dar opções aos companheiros. Fez 18 anos em julho. Teve cinco treinadores em dois anos, num time marcado pelas turbulências internas e pela ausência de grandes títulos. Rumo ao Real Madrid, Vinícius Júnior deixou o Flamengo líder do Brasileirão, e sua torcida órfã de uma referência quase familiar. Sua aceleração sobre a lateral encarando rivais parece a metáfora de sua precocidade e de uma meteórica ascensão que agora freará para tentar tomar um impulso diferente, que desenvolva seu grande potencial.

Planos de futuro

Dribles e pedaladas ante o Manchester United e uma preciosa assistência a Marco Asensio no gol contra a Juventus foram a carta de apresentação de Vinícius Júnior na temporada norte-americana. No jogo contra a Roma, ele deixou uma sequência de ações que o definem em apenas 15 segundos: junto à lateral esquerda e pressionado por um rival, devolveu um passe de calcanhar debaixo das pernas do adversário, seguido de uma roleta para sair da armadilha. Uma obra de arte que se desvaneceu quando ele levantou a cabeça, viu um companheiro saindo da marcação pelo lado oposto e tentou um passe longo que acabou se perdendo pela lateral muito longe do destinatário.

Dribles e pedaladas ante o Manchester United e uma preciosa assistência a Marco Asensio no gol contra a Juventus foram a carta de apresentação de Vinícius Júnior

Em Valdebebas, não houve surpresa. Nos últimos meses, o Real Madrid preparou minuciosamente a adaptação de sua promessa brasileira. Primeiro, quando Vinícius ainda jogava no Brasil, enviando-lhe vídeos para explicar como jogam seus novos companheiros e a dinâmica do futebol europeu. O Centro de Excelência em Performance do Flamengo também enviava pontualmente todos os dados biomecânicos e médicos sobre a evolução do jogador, que desde 2016 cresceu quase dois centímetros (tem 1m77) e ganhou três quilos de peso, alcançando os 68. A evolução antropométrica e os dados falam de um atleta que adquiriu 10% de força e potência nesse período, e que também possui agora muita capacidade de recuperação após intensos esforços repetidos em curtos espaços de tempo. Nada surpreendente num esportista em desenvolvimento com boa genética.

Além disso, o Real elaborou um programa de treinamento específico para Vinícius e o aplica desde a sua chegada. O objetivo é potencializar virtudes e polir defeitos. O jogador deve, por exemplo, melhorar bastante seu manejo da perna esquerda e seu jogo aéreo. Também, em menor medida, a qualidade e a tensão dos lançamentos com a direita correndo. Deverá se esforçar muito para aperfeiçoar sua capacidade de definição, que pode melhorar em termos de recursos e agilidade, um fato que o próprio Zico já advertia há pouco na imprensa. Em termos de compreensão do jogo, o corpo técnico trabalha para que Vinícius Júnior minimize suas perdas de bola e seja mais seletivo na hora de escolher quando e como arranca e dribla. Precisa administrar melhor a pausa e se ativar mais rápido no aspecto defensivo. No momento, Lopetegui não tem queixas, e o garoto atende como uma esponja.

Ante a profusão de elementos ofensivos na primeira equipe, contudo, será complicado para Vinícius somar minutos na elite por enquanto. Tudo vai depender da sua evolução. Não há prazos estabelecidos, e sim muita paciência. O clube inscreveu o brasileiro no juvenil “A”, mas o Castilla parece seu destino de competição imediato. Aos 18 anos, o que ele mais precisa é jogar.

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