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Veneza para ver sem tocar

Administração local aumenta as proibições para proteger uma cidade invadida por 25 milhões de turistas por ano. Prefeitura já instalou catracas para regular fluxo de visitas

Turistas dançam em um barco, em Veneza, no dia 14 de julho de 2018.
Turistas dançam em um barco, em Veneza, no dia 14 de julho de 2018.Awakening (Getty Images)

Cem euros (430 reais) de multa por estirar-se em um banco. O dobro por comer em áreas proibidas e até 450 (1.950 reais) por tomar banho em canais e rios abertos ao público. A cidade de Veneza, que recebe 25 milhões de visitantes por ano, tem uma longa lista de proibições. Dada a ousadia de alguns turistas, o objetivo da administração local é salvaguardar a ordem e o decoro. Há poucos dias, depois de dois meninos mergulharam no Grande Canal, fato que acontece pela enésima vez na cidade, o vereador que atua na área de Segurança Giorgio d'Este botou a boca no mundo: "Noite na cadeia para os grosseiros!”.

Veneza está em perigo e as autoridades estão tentando salvá-la antes que seja tarde demais. A Prefeitura instalou em abril algumas catracas (a Administração ressalva que se trata de "passagens") para regular o fluxo de visitantes e tentar salvaguardar a essência desta cidade declarada Patrimônio da Humanidade pela Unesco. Embora ainda não tenham sido usadas, a colocação delas representou uma declaração de intenção dos políticos locais: há gente demais nos visitando.

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Basta dar uma volta em qualquer dia pela cidade. Hordas vorazes de turistas invadem constantemente as pequenas ruas e impedem que as pessoas contemplem as paisagens características sem se arriscarem a ser atingidas por paus de selfie. As proibições parecem não ter intimidado os rebeldes, e o prefeito, o político independente de centro-direita Luigi Brugnaro, insiste que aqueles que perturbarem a tranquilidade têm de dormir na cadeia.

No entanto, a Câmara Municipal baixou a tensão. Dizem os vereadores que os prefeitos não podem mandar prender um turista por esse tipo de incidente. Pelo menos, por enquanto. Brugnaro já apresentou no Parlamento italiano um projeto de lei para criar uma "cela de segurança" onde seriam colocados por um tempo os visitantes considerados perigosos, até que os ânimos se acalmem. Os que andam bêbados, por exemplo. "Não é uma medida de detenção", tranquiliza a administração municipal, "mas de prevenção", que seria acrescentada àquelas já em vigor.

A Prefeitura acaba de adotar uma portaria sobre circulação aquática e medidas urgentes aplicáveis nos fins de semana de maior afluência neste mês, ambas em vigor desde 1º de agosto. Entre as normas, a polícia local está autorizada a "impedir temporariamente o tráfego de não residentes", "instituir sentido único nas vias" e "inibir o acesso a determinadas áreas", sob pena de multas de entre 25 e 500 euros. Está proibido o uso de embarcações tipo caiaque e também canoas, patins e similares no Grande Canal e outras áreas identificadas pelo Consistório. Em outros locais de circulação o uso foi restringido de segunda a sexta-feira, das 7 às 17 horas, e aos sábados, das 7 às 15 horas, excluindo-se os feriados.

Um dos guardiães da praça de San Marcos.
Um dos guardiães da praça de San Marcos.@LuigiBrugnaro

O próximo passo é aprovar o chamado Daspo urbano, uma medida inicialmente projetada para evitar a violência no mundo esportivo e agora também aplicável nas cidades, com base em um decreto do ex-ministro do Interior, Marco Minniti. Em Veneza, esta ferramenta permitiria expulsar por 48 horas (um desterro moderno) aqueles que cometam atos grosseiros ou incomodem visitantes e cidadãos, além de prever as infalíveis multas. O texto final será votado em setembro. Entre as infracções enumeradas: urinar na rua, consumir alimentos ou bebidas estorvando o tráfego de pedestres, tomar bebidas alcoólicas das 19 horas às 8 fora do perímetro dos locais ou esticar-se nos bancos.

"Nós trabalhamos para resolver um problema para o qual há décadas não se encontra uma solução", explica o governo local, que pôs no topo de sua lista de prioridades “tornar visível para os residentes" uma cidade de pouco mais de 50.000 habitantes que não para de perder população.

Zeno Stringa, um enólogo veneziano de 34 anos, considera, no entanto, que as proibições não serão suficientes para os moradores permanecerem na cidade e que o texto de Daspo é um exagero. "Fiquei impressionado um dia quando uma família com filhos trouxe uma pequena mesa para uma pracinha e a polícia os multou por invasão de terras públicas", explica ele. Eles eram venezianos. "Os turistas são um grande recurso porque dão trabalho a todos, o problema é que não conseguimos administrá-los, mas com essas medidas os venezianos não retornarão", acrescenta.

As autoridades municipais estão otimistas e se orgulham de que o número de turistas que chega agora à cidade é um pouco menor do que no ano passado. Essas medidas desencorajaram a entrada de estrangeiros? "Não. Mas passaram a mensagem de que as pessoas não devem vir se acharem que podem ir de qualquer jeito", afirma a Prefeitura. Claro. Olhar e não tocar.

Os ‘guardiões’ da Praça São Marcos

Se um turista vir um grupo de pessoas com camisetas ou macacões chamativos na Praça de São Marcos, não precisa preocupar-se: não estão promovendo nenhum produto nem querem vender nada. São os "Guardiões", guardiões do decoro, encarregados por anos de salvaguardar a área e repreender os turistas que não respeitam as regras, além de sinalizar às autoridades eventuais comportamentos que violem a lei e de afastar os mendigos. Entre outras restrições, é estritamente proibido sentar-se e comer na mais famosa esplanada da cidade. "A praça é maravilhosa e os venezianos gostam muito dela, mas na cidade deve haver mais lugares para os turistas descansarem e não há necessidade de multas excessivas; com 30 euros é o suficiente para dar um alerta", diz o veneziano Zeno Stringa.

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