Dia dos namorados: a face obscura de uma declaração de amor
Deu de presente a seu par algum tipo de joia para celebrar seu amor? E se perguntou se no processo de fabricação há um histórico de exploração e violação de direitos humanos?
É possível que neste 12 de junho, Dia dos Namorados, você receba um presente de seu par e também lhe dê um. Talvez uma peça de joalheria. Não queremos amargar a ocasião especial de ninguém, mas sim convidar a pensar. Tem ideia da origem desse anel, desse diamante, desses brincos de ouro? Sabe que em seu processo de produção alguém pode até ter morrido? É possível que nunca tenha analisado a questão dessa maneira. Isso acontece com a maioria das pessoas. Porque embora em todo o mundo sejam gastos bilhões de reais em joias todos os anos, nem sequer as próprias marcas podem garantir se por trás de seus produtos há um histórico de exploração do trabalho e/ou violações de direitos humanos. Por ocasião do Dia dos Namorados na data em que é comemorado na maior parte do mundo, o Dia de São Valentim, em fevereiro, a Human Rights Watch se fez essa pergunta e pesquisou o assunto.
A alta joalheria está ao alcance de apenas alguns poucos, mas movimenta muito dinheiro. Por exemplo, em apenas dois dias de 2017, o Dia de São Valentim e o Dia das Mães, os norte-americanos gastaram cerca de 10 bilhões de dólares (39 bilhões de reais) em joias. Calcula-se que em todo o mundo sejam extraídos todos os anos das entranhas do planeta cerca de 90 milhões de quilates (18 toneladas) em diamantes brutos e cerca de 1.600 toneladas de ouro que geram lucro por volta de 1,05 trilhão de reais.
Perto de 40 milhões de pessoas trabalham em minas artesanais em todo o mundo, das quais se extrai 20% de todo o ouro que é comercializado. As indústrias empregam, por sua vez, outro milhão de trabalhadores. Não se pode esquecer que essa atividade proporciona renda a muitíssimas pessoas, mas tampouco que por trás de um colar ou um relógio pode existir uma enorme quantidade de abusos, como detalha o relatório O Custo Oculto da Joalheria: Direitos Humanos nas Redes de Produção e a Responsabilidade das Empresas das Joias, que foi publicado pela Human Rights Watch com uma finalidade bem específica: “Esperamos que as empresas revisem suas políticas e façam mais para melhorá-las”, afirma em conversa telefônica Jo Becker, coautora desse levantamento.
O documento cita agências como a Organização Internacional do Trabalho para pôr em destaque que cerca de um milhão de crianças são empregados nessas minas, o que infringe as leis internacionais. Alguns se matam ou são feridos em acidentes de trabalho, outros sofrem de problemas respiratórios por inalar pó ou de dores crônicas nas costas por levantar pedras pesadas. Foi o que aconteceu com Rahim, um adolescente de 13 anos da Tanzânia que teve um acidente quando a galeria em que estava desabou. Isso resultou em várias lesões internas e uma semana e meia de hospital.
Também podem estar expostas a substâncias tóxicas como o mercúrio, utilizado no processamento de ouro, que causa danos cerebrais irreversíveis. Esse é o dia a dia de Peter, um ganense de 15 anos, trabalhador em uma jazida de propriedade de uma empresa chinesa que não o alertou para esse risco. Apesar de ele não ter opção: “Faço a lavagem do ouro com mercúrio há dois anos. Uso o dinheiro que ganho para comprar comida, roupa e dou uma parte para a minha mãe”.
Os adultos também estão em má situação: o relatório chama a atenção para os que são submetidos a trabalhos forçados ou populações indígenas deslocadas à força de seus territórios, como ocorreu no Zimbábue quando o Governo foi acusado de expulsar uma comunidade inteira na região de Maranhe para explorar uma mina. São citadas também as consequências do comércio ilegal de ouro e diamantes que financia grupos armados e a violência sexual, como se viu na República Democrática do Congo e na República Centro-Africana.
“As empresas captarão a mensagem se os clientes começarem a se interessar”
Não são menos importantes os danos ao meio ambiente, como a contaminação, a destruição de recursos naturais ou o despejo de resíduos. Um exemplo é o desastre da mina de ouro e cobre de Mount Polley, no Canadá, ocorrido em 2014.
Todos estes horrores podem estar por trás de um anel
O relatório segue os passos dos atores principais dentro da indústria da joalheria para garantir que os direitos fundamentais sejam respeitados em sua rede de fornecimento de ouro e diamantes. Mais especificamente, a organização publicou o resultado da avaliação de 13 empresas que representam mercados de todo o mundo e que, juntas, têm receita ao redor de 30 bilhões de dólares (118 bilhões de reais) anuais.
E o que a organização descobriu é que a maioria delas não cumpre com os padrões internacionais de abastecimento responsável, embora algumas se esforcem mais do que outras, porque tomaram medidas para verificar a origem de seus produtos. Outras, simplesmente, confiam na versão de seus fornecedores sem fazer a verificação.
As 13 empresas analisadas são a Tiffany and Co., Harry Winston e Signet, dos Estados Unidos, Boodles, do Reino Unido, Bulgari, da Itália, Cartier, da França, Chopard e Rolex, da Suíça, Pandora, da Dinamarca, Christ, da Alemanha, além de Kalyan, Tanishq e Tribhovandas Bhimji Zaveri Ltd. (TBZ), da Índia. Todas receberam uma solicitação por escrito para fornecer informações sobre suas políticas de direitos humanos e também a realização de uma reunião. Nove responderam com informações mais ou menos detalhadas, outra telefonou e três não responderam: Kaylan, Rolex e TBZ. O EL PAÍS também tentou, sem sucesso, obter uma avaliação do relatório dessas três empresas citadas.
Existem mecanismos para certificar a salvaguarda dos direitos humanos, mas são insuficientes ou não são bem aplicados
Com as informações fornecidas pelas empresas e outras disponíveis ao público, a HRW classificou essas 13 empresas de acordo com a sua conformidade com a adoção de políticas de controle da cadeia de abastecimento, sua revisão das condições dos direitos dos trabalhadores e possíveis violações, com o rastreamento dos insumos e com as informações divulgadas sobre suas ações. "Vimos que várias estão dando passos para melhorar, mas outras não estão e, em última análise, todas têm que fazer muito mais", diz Becker.
Os resultados, de fato, indicam que nenhuma cumpre completamente as regras, mas uma — a Tiffany and Co — é a única que tomou "medidas significativas" para garantir um abastecimento responsável. Quatro — Bulgari, Cartier, Pandora e Signet — realizaram "algumas ações importantes" para atingir o objetivo. Outras quatro — Boodles, Chopard, Christ e Harry Winston — colocaram em práticas "algumas medidas" e uma delas, a Tanishq, não demonstrou ter tomado nenhuma das medidas necessárias. As três que não responderam não foram incluídas na classificação.
As medidas mais aplaudidas e replicáveis vêm de várias empresas analisadas: a Tiffany and Co. mostrou que rastreia o ouro utilizado desde a mina de origem e que avalia exaustivamente as consequências para os direitos humanos. A Cartier compra toda sua produção de uma mina de ouro modelo em Honduras; a Chopard trabalha com cooperativas de mineração em pequena escala na América Latina para melhorar as condições de trabalho; e a Pandora divulga os riscos para os direitos humanos identificados em suas auditorias.
A diferença entre uma e outra não é um problema de falta de regulamentação. Existem mecanismos para certificar a salvaguarda dos direitos humanos no processo de produção de joias, mas estes são insuficientes ou pouco aplicados, segundo o relatório. "Uma das razões é que pode ser mais caro cumprir todos os requisitos da cadeia de suprimentos, mas, por essa razão, estamos pedindo para que toda a indústria melhore", acrescenta Becker. Essas responsabilidades estão estipuladas em guias como Princípios Orientadores sobre Empresas e Direitos Humanos, da ONU, o guia da OCDE para o fornecimento responsável de minerais, o Processo de Kimberley para diamantes e o certificado do Instituto de Joalheria Responsável.
No entanto, por várias razões, nenhuma dessas opções representam uma garantia suficiente de que os diamantes e o ouro tenham sido extraídos de forma limpa: a conformidade com o guia da OCDE é puramente voluntária e não está devidamente monitorada, o Processo de Kimberley é focado nos países de origem, mas não especificamente nas minas (o que classificaria um diamante com boa avaliação, mesmo tendo sido extraído em uma jazida onde os direitos dos trabalhadores são violados, só porque está localizada em um país com boa reputação), e o Instituto de Joalheria Responsável, que reúne mil empresas do setor, "tem padrões, medidas de governança e sistemas de certificação deficientes", diz o relatório.
A organização lançou, juntamente com 29 grupos da sociedade civil e sindicatos, um apelo à indústria para melhorar suas práticas de fornecimento e, por enquanto, três das 13 empresas se comprometeram a fazer melhorias, confirma Becker. O relatório, de fato, foi enviado a todas as empresas mencionadas antes de seu lançamento, e a solicitação de informações foi repetida para as três empresas que não responderam. "Fizemos contato há algumas semanas com a TBZ e a Kaylan, mas da Rolex não recebemos nenhuma resposta", acrescenta a pesquisadora.
Mas o que um consumidor pode fazer para garantir que esteja comprando de maneira responsável? Para Becker, mais do que imagina, a priori. "É importante perguntar o que o comerciante sabe sobre a origem dessa joia e em que condições seus materiais foram extraídos. Mesmo que isso seja perguntado a um vendedor e este não saiba, as empresas captarão a mensagem se os clientes começarem a se interessar", indica.
A pesquisadora recomenda entrar em contato diretamente com as grandes empresas através de seus sites e também participar da campanha #BehindTheBling (por trás do brilho). Divulgada nas redes sociais, a campanha pede às 13 empresas analisadas que publiquem periodicamente informações sobre como rastreiam a origem do ouro e diamantes, identifiquem os riscos de violações de direitos humanos em suas cadeias de suprimentos e realizem auditorias de conduta comercial de seus fornecedores, além de buscar oportunidades para incorporar ouro e diamantes de minas artesanais e de pequena escala que respeitem os direitos dos trabalhadores.
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