“A regra atual permitiu que executássemos pena contra corrupção”
Subprocuradora-geral Luiza Frischeisen é autora de estudo que compara Brasil e outros países sobre prisão em segunda instância Ela diz que é falsa ideia de que execução provisória aumentaria a população carcerária
"Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória", ou, em outras palavras, até que se esgotem os recursos disponíveis na Justiça brasileira. O trecho, um dos incisos do Art. 5º da Constituição, provoca controvérsias no mundo jurídico há anos e voltará ao centro do debate nesta quarta-feira, quando o Supremo Tribunal Federal realiza um dos julgamentos mais importantes da sua história. É legal ou não prender um réu antes que ele percorra todos os recursos possíveis, ou vá até o STF?
O que torna tudo mais tenso nesta quarta é que o principal tribunal brasileiro não vai discutir o tema geral, mas um pedido de habeas corpus do ex-presidente Luiz lnácio Lula da Silva num clima de polarização social. A defesa do petista defende o seu direito de recorrer em liberdade da condenação, ratificada em segunda instância, a uma pena de 12 anos e um mês de prisão pelos crimes de lavagem de dinheiro e corrupção. Já integrantes do Ministério Público Federal têm repetido que entender que Lula só poderia ser preso após seu caso chegar ao STF seria um caminho certo para prescrição dos crimes.
Na entrevista abaixo, a subprocuradora-geral da República Luiza Frischeisen, coordenadora da Câmara Criminal do Ministério Público Federal, defende que o Supremo mantenha a possibilidade de execução da pena a partir da segunda instância como forma de dar "eficiência" e "utilidade" ao processo penal, especialmente em casos de crime ligados à administração pública, como a corrupção. Paralela a essa discussão ela aponta outra em curso: discutir o congelamento do tempo de prescrição de crimes em alguns casos.
Pergunta. Por que a senhora defende que o Supremo não vede a execução provisória da pena após a condenação em segunda instância?
Resposta. Primeiro, tenho que dizer que eu defendo essa questão mesmo antes de ela ser a jurisprudência do Supremo. Eu, uma colega e um servidor do Ministério Público escrevemos um artigo em 2010 defendendo o cumprimento da pena depois da segunda instância. É um estudo comparado do Brasil com outros países ( Estados Unidos, Inglaterra, Canadá, Alemanha, França, Espanha, Argentina e Portugal) onde essa execução é permitida e, inclusive, foi citado no voto do ministro Teori Zavascki em 2016 quando ele diz que pode haver a execução provisória da pena. A Constituição é de 1988 e até 2009, portanto por 21 anos, o Supremo disse que poderia haver execução provisória da pena e eu já aplicava isso quando eu era procuradora-regional da República. Num dia, o Supremo mudou de posição. Aí depois, em 2016, o Supremo volta à sua posição original, que era permitir a execução provisória da pena.
A decisão do Supremo de 2016 diz que “a execução provisória de acórdão penal condenatório proferido em grau recursal, ainda que sujeito a recurso especial ou extraordinário, não compromete o princípio constitucional da presunção de inocência afirmado pelo artigo 5º, inciso LVII, da Constituição Federal”, como citou a procurador-geral Raquel Dodge no memorial entregue nesta terça. Isso acontece porque os recursos especiais e extraordinários são isso aí que o nome diz: especiais e extraordinários. Nestas instâncias, você não pode discutir matéria de fato. A matéria de fato você discute nas cortes de apelação: nos tribunais de Justiça e nos TRFs.
P. E qual foi a mudança de 2016 para cá? Por que esse clamor para que esse entendimento não mude em boa parte do Ministério Público?
R. A decisão com o voto do Teori Zavascki é importante porque ela vai dizer que a execução provisória da pena vale para todos os casos, e não deve ser decidida caso a caso como o Supremo vinha fazendo. A execução provisória permitiu que a gente executasse a pena para crimes contra a administração pública, como corrupção e peculato (apropriação indevida de dinheiro público), mas também para crimes gravíssimos, como homicídios – o caso do Pimenta Neves é um exemplo (jornalista que assassinou colega em 2000 e recorreu de sua condenação até 2011, no STF, quando começou de fato a cumprir pena). Há ainda os crimes contra a liberdade sexual, como estupro e pornografia infantil, que são os crimes nos quais os réus recorrem soltos. Para não falar do caso de homicídios. Como não pode ter execução provisória depois do Tribunal do Juri se esse tribunal é soberano e em apelação sequer se pode mudar a pena, só se pode anular ou não, só se pode rever? Para quem é da área criminal, isso é fundamental para a eficiência e utilidade do processo penal.
Mudar isso também prejudica o repatriamento de bens no exterior, porque os países não repatriam sem trânsito em julgado. E você fica sem poder executar coisa nenhuma: nem a pena nem o repatriamento. E a prescrição correndo... Tanto que o Supremo vem dizendo agora que os acórdãos interrompem a prescrição, que é uma outra discussão em pauta.
P. E o argumento de que o cumprimento da pena viola a presunção de inocência contida no artigo da Constituição?
R. A presunção da inocência traz a possibilidade de discutir e recorrer, mas não quer dizer que pode recorrer até o final dos tempos, até o transitado e julgado, que não haverá por excesso de recursos. Isso prejudicaria também o repatriamento de bens no exterior. E você fica sem poder executar coisa nenhuma: nem a pena nem o repatriamento. E a prescrição correndo... Tanto que o Supremo vem dizendo agora que os acórdãos interrompem a prescrição, que é uma outra discussão que a gente está tendo.
P. E o argumento de que a execução provisória da pena vai agravar o problema da superpopulação carcerária no Brasil?
R. Essa crítica de que a execução provisória aumentaria a população carcerária não é verdadeira. A população carcerária brasileira, que é enorme, mais de 700 mil pesos, é basicamente presa em flagrante ou com prisão preventiva. Quem está preso no Brasil? 40% das mulheres que estão presas é por tráfico de drogas. No caso dos homens, 30% é tráfico de drogas, depois é crime contra o patrimônio e depois os homicídios. A grande questão do sistema carcerário brasileiro é não fazer a diferença entre o pequeno traficante, o grande traficante e o usuário, que é a discussão que o ministro Roberto Barroso quer fazer - e que está parado por um pedido de vistas - que é a quantidade de drogas para se enquadrar.
Se você pegar a execução provisória da pena, você vai ver que ela não é aplicada para esses crimes. Quem está preso no Brasil é porque foi pego em flagrante ou por prisão provisória logo depois - não é por execução provisória da pena. As pesquisas do Supremo feitas pelo ministro Barroso e por Rogerio Schietti, no STJ, que foram divulgadas, mostram claramente que a revisão das penas ocorre em pouquíssimos casos. Há revisão de progressão de regime? Sim. Há revisão de tamanho da pena? Há. Mas isso é de réu preso e eu sei porque atuo nesses casos do STJ e basicamente é tráfico de drogas.
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