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João Doria, a atrapalhada expedição ao Bandeirantes como boia de salvação política

Prefeito prometeu completar mandato, mas deve deixar cargo com legado em xeque. Decisão de concorrer ao Governo estadual de São Paulo enfurece eleitores nas redes sociais

João Doria, em reunião no último dia 7 de março.
João Doria, em reunião no último dia 7 de março.UESLEI MARCELINO (REUTERS)
Felipe Betim

No dia 16 de setembro de 2016, faltando poucos dias para as eleições municipais brasileiras, João Doria assinou uma carta se comprometendo a ficar quatro anos à frente da Prefeitura de São Paulo. Em momentos posteriores, assegurou reiteradas vezes, inclusive ao EL PAÍS, que seu plano era o de fazer oito anos em quatro na prefeitura e não tentar a reeleição. Disputava o cargo pelo PSDB apresentando-se como um "gestor" e "não político", chamando a atenção de um eleitorado cansado da política tradicional e ansioso por alguma renovação. O discurso colou: Doria foi eleito ainda no primeiro turno no dia 2 de outubro, um feito inédito na capital paulista. Três meses depois, em 2 de janeiro, seu primeiro dia de trabalho, o tucano se vestiu de gari para varrer a avenida Nove de Julho, o começo de uma desenfreada carreira política regada com altas doses de marketing nas redes sociais. E que, nesta segunda-feira, desembocou no anúncio oficial da candidatura do atual prefeito ao Governo do Estado.

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O prefeito usou o Facebook para dizer que aceitava o chamado "dos representantes e lideranças" do PSDB, que reuniu cerca de 1.800 nomes em um abaixo-assinado para pedir sua candidatura. Mas muitos de seus próprios eleitores reagiram mal ao anúncio de que ele deve deixar o gabinete em 7 de abril. "Coloca agora o nariz do Pinóquio. Você jurou de pé junto que terminaria seu mandato de quatro anos caso fosse eleito prefeito de SP. Você é só mais um mentiroso na política", disse um deles em reação à postagem do prefeito. "Mais um traindo o voto do povo de São Paulo. Quem usa prefeitura como trampolim, não merece voto nem pra síndico de prédio. O meu não terá!!!", disse outro. "Votei em você para prefeito, termine o que você começou!!! Se você abandonar seu cargo não lhe darei voto algum e além disso vou fazer campanha contra a sua candidatura!", disparou outro. Nesta terça, o próprio Doria admitiu que poderia perder eleitores na cidade devido à sua decisão, mas disse que aposta suas fichas no interior do Estado.

"Não foi uma opção do próprio Doria, ele defendeu a permanência dele na frente da prefeitura. Acontece que houve uma mobilização partidária e política muito grande para que ele fosse o candidato", argumenta Eduardo Tuma, vereador do PSDB em São Paulo. Ele explica ainda que o prefeito é "o único candidato com capacidade de aglutinação para uma chapa forte, com partidos grandes, para dar continuidade ao trabalho que já vem sendo feito" no Governo do Estado. "Ele sempre governou a cidade junto ao prefeito Bruno Covas, que está preparado e vai dar continuidade ao trabalho", diz. Além disso, explica, ele aposta que Doria como governador "vai continuar cuidando da cidade de São Paulo", com uma "gestão ainda mais amplificada e com mais investimentos". "Como ele passou pela prefeitura, ele sabe das necessidades e vai ajudar a gestão Bruno Covas. Ele vai continuar presente", aposta. 

Humberto Dantas, cientista político e pesquisador da FGV, aponta algumas falhas no argumento de que foram os tucanos que pediram para que ele fosse o candidato. "Se ele é a ultima alternativa do partido que governa o Estado há 24 anos, realmente o partido tem um problema de não conseguir forjar lideranças novas", diz o especialista. "E quando 1.791 tucanos é maior que mais de três milhões de eleitores alguma coisa está errada", acrescenta. Ele aposta que essa aparente unanimidade em torno à sua figura esconde interesses dentro do próprio PSDB. "Ele foi eleito numa chapa pura, então existe muito interesse em empurrá-lo para fora e que o Bruno Covas assuma". Por outro lado, diz, a escolha demonstra uma "falta de plano do PSDB, que não sabe ler bem a conjuntura e acredita que Doria é a salvação da lavoura".

Foram apenas 15 meses como prefeito de São Paulo, mas muita água passou debaixo do Viaduto do Chá. Ainda em janeiro, Doria cumpriu sua promessa e autorizou o aumento de velocidade nas marginais, as vias expressas da cidade. Comemorou em abril o fim da fila de exames após a implementação do Corujão da Saúde, outra de suas promessas de campanha — na verdade, conforme comprovou o EL PAÍS, a fila se reduziu em 67% e 200.000 pessoas ainda aguardavam ser atendidas. Um mês depois, anunciou o fim da Cracolândia após uma polêmica ação policial na região que resultou, em meio a ações apressadas e improvisadas, na demolição de um imóvel com pessoas ainda dentro e no pedido da prefeitura para que “pessoas em estado de drogadição” fossem examinados à força pelas equipes multidisciplinares da Prefeitura. Também retirou grafites da avenida 23 de Maio, cortou o programa Leve Leite para famílias de baixa renda, mudou as regras do passe livre ônibus para estudantes da escola pública e aumentou o preço as passagens para quatro reais. Entre medidas populares e outras nem tanto, nunca deixou de filmar seu dia a dia à frente de São Paulo, uma espécie de reality show no Facebook. O prefeito e sua hashtag #JoãoTrabalhador se tornaram onipresentes nas redes sociais.

Utilizando seu mote de campanha, o "Acelera São Paulo", tucano também correu para tentar desestatizar o Município, anunciou projetos para modernizar o centro da cidade, exibiu orgulhoso as doações feitas por empresários à Prefeitura — de cobertores para moradores em situação de rua a Centros Temporários de Atendimento (CTAs) —, apresentou uma solução para o parque Augusta, anunciou a criação de milhares de vagas em creches...  "Doria fez em um ano mais do que o Fernando Haddad [PT] em quatro. Investiu muito mais em recapeamento de ruas, zerou a fila da pré-escola e vai deixar gastos menores na Prefeitura", enumera o vereador João Jorge, líder do Governo na Câmara. O prefeito sempre teve pressa, algo que começou a ficar claro ainda no primeiro semestre do ano passado, quando começou a se desdobrar entre governar a cidade e fazer viagens quase diárias pelo país para tentar viabilizar seu nome à presidência da República.

Um cometa de pouco fôlego?

E foi quando o cometa Doria começou a perder altura. Enquanto estava fora da cidade dando palestras, os paulistanos viram sinais de trânsito apagados, o número de acidentes e mortes nas marginais aumentar e moradores de rua se queixando de receber jato de água por funcionários da Prefeitura para serem acordados. Paralelamente, o prefeito começou a se indispor publicamente com aqueles que ele mesmo chama de "istas" — petistas, ciclistas e jornalistas —, além do grão-tucano e ex-governador Alberto Goldman, seu eterno desafeto dentro do partido. Se em fevereiro do ano passado 44% dos eleitores diziam que sua administração era boa ou ótima, este índice passou para 32% em outubro do ano passado, segundo o Datafolha. A periferia que havia votado no tucano ansiosa por uma renovação puxou a queda na popularidade, segundo o instituto de pesquisas. Foi nessa mesma ocasião em que ele anunciou que distribuiria a farinata, uma espécie de farinha composta por alimentos próximos de sua data de validade ou que não seguem os padrões de comercialização, para famílias de baixa renda e na merenda das crianças de escolas e creches públicas. O prefeito teve de recuar mas o sonho da presidência já parecia passado. Restava o Governo do Estado.

"No fundo Doria queria ser presidente, não governador. Ele sempre achou que ele era a bola da vez, com essa discussão do novo na política", explica Fernando Luiz Abrucio, cientista político da FGV. "A ideia é aproveitar seu momento político. Ele está mais desgastado hoje, mas mesmo assim acha que com o apoio do PSDB ele tem chances de levar o Governo", acrescenta o especialista. A aprovação da gestão Doria caiu ainda mais no final do ano, estacionando em 29% ótimo/bom, 31% regular e 39% ruim/péssimo, segundo o Datafolha. Além disso, o prefeito teve de recuar mais vezes, sendo a última ao revogar um decreto que garantia proteção policial para ex-prefeitos. Ao mesmo tempo, em um esforço final, anunciou o programa Asfalto Novo, que prevê mais de 500 milhões de reais em investimentos — mais do que educação e saúde juntos — para recapear as ruas da cidade. "Se ele deixar passar essa oportunidade, ele ficaria até 2020 na prefeitura e não seria reeleito. Seria um fenômeno de curta de duração. Se ele ganha o Governo do Estado, fica até 2022 em um cargo que é mais fácil de governar.", explica Abrucio.

O especialista também recorda que São Paulo é conhecida por triturar seus prefeitos. "Como diria Fernando Henrique, é o túmulo da política. É um dos cargos mais difíceis da República depois do governo do Rio Grande do Sul porque o grau de cobrança do eleitorado paulistano é impressionante", explica ele. "Doria talvez não soubesse disso, mas percebeu. E esse desgaste aumentou muito quando começou sua campanha para presidente. Mas o cálculo político é o seguinte: se eu continuar aqui, vai piorar. Ele gosta muito de luzes, mas governar significa aguentar a porrada por algum tempo. E ele tem chance de ganhar o Governo, seja porque tem algum frescor da campanha de 2016, seja porque tem o Alckmin".

Ainda assim, avalia Abrucio, sua candidatura tende a ser mais difícil que anteriores do PSDB para o Governo estadual. Ele acredita que durante toda a campanha os demais candidatos vão lembrar que ele quebrou a promessa de permanecer quatro anos na Prefeitura. "Ele com certeza vai perder mais de metade dos votos que teve na cidade. A grande chance dele é a força do PSDB no interior do Estado, ou seja, o Alckmin. Mas o Alckmin vai ter dois candidatos nessa eleição", explica o cientista político. Ele se refere à candidatura do atual vice-governador Márcio França (PSB), que assumirá o cargo quando Alckmin renunciar e terá em suas mãos a máquina do Estado. É possível, em sua avaliação, que o atual governador conte com uma chapa dupla em São Paulo durante as eleições presidenciais.

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