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Entrevista

“Se Maduro não cumprir as condições, eu me retirarei das eleições”

Henri Falcón, que não aderiu ao boicote oposicionista, está certo de que pode derrotar o presidente da Venezuela

O candidato a presidente da Venezuela, Henri Falcón, em 2 de março.
O candidato a presidente da Venezuela, Henri Falcón, em 2 de março.Federico Parra (AFP)

Embora tenha militado nas entranhas da Mesa da Unidade Democrática (MUD) durante oito anos, logo depois de ter rompido com o chavismo, Henri Falcón continua sendo, para muitos opositores ortodoxos, uma figura pactuária e duvidosa.

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Governador do Estado Lara de 2008 a 2017, fundador do partido Avançada Progressista, Falcón se situou, deliberadamente, do lado esquerdo da MUD, e é um dos poucos líderes opositores que o chavismo talvez esteja disposto a aceitar como interlocutor. Trata-se de um dirigente que cultivou suas simpatias nos setores moderados da dissidência, e equidistantes em relação ao chavismo. Um político que parece ter estruturado uma estratégia de poder para as atuais circunstâncias da Venezuela com um projeto próprio, tão polêmico e discutível como os próprios termos de qualquer transição política. Com índices aceitáveis nas pesquisas, é o único oposicionista que decidiu ignorar a conclamação da MUD a boicotar as eleições convocadas por Nicolás Maduro.

Pergunta. Já pensou no custo político que pode pagar participando de uma eleição na qual pode obter um segundo lugar que acabe fazendo o jogo de Nicolás Maduro?

Resposta. Alguém precisa assumir aqui uma responsabilidade diante do país e da história. Não se trata de posições pessoais ou ideológicas. É um clamor: quase 70% das pessoas na Venezuela querem participar de eleições, pessoas que estão passando por dificuldades, que não conseguem remédios, às quais não se pode negar o direito de votar. Aqui não se trata de cálculos pessoais, de como você vai ficar. Alguém tem de enfrentar a situação.

P. Não houve uma fraude suficientemente notória com a convocação para a Assembleia Constituinte?

R. Os Governos com sinais ditatoriais como este apelam regularmente à trapaça. Sempre foi assim. Ocorreu na Nicarágua, com o sandinismo; no Peru, com Fujimori; no Chile, com Pinochet. Esses obstáculos podem ser superados com a organização e a decisão dos cidadãos. Há um grande cansaço no país e as condições para mudar estão dadas.

P. O aconselhável não teria sido alinhar-se com a decisão tomada pelos demais partidos da Unidade Democrática frente a Maduro?

R. Na oposição têm surgido posições interessantes, como a Frente Ampla convocada por toda a sociedade civil para resgatar a democracia, que eu saúdo e respeito. Tudo que ajude a acabar com este pesadelo é bem-vindo. Temos de ver essas expressões, incluindo a MUD, como aliadas, independentemente das diferenças de interpretação.

P. Você é acusado de ser um agente encoberto do chavismo, um dirigente que vai pactuar com Maduro para garantir o continuísmo.

R. É preciso superar as etiquetas da militância política, precisamos nos concentrar no critério da população venezuelana. Nossa missão é convencer as maiorias, mobilizá-las para superar este governo desastroso. Os que são democratas, como nós, não querem remover este Governo com balas, e sim com votos. Temos o caso da Colômbia: o processo de paz termina onde deveria ter começado: no diálogo. Procurando um ordenamento político para todos. Não há possibilidade de superar esta crise se não apelamos à reconciliação. Libertar os presos políticos, tomar grandes decisões econômicas, acabar com o controle cambial. Aí estão as eleições parlamentares de 2015. Favoreciam o chavismo sob todos os pontos de vista, mas as forças opositoras, unidas, obtiveram uma ampla vitória. As condições naquela ocasião eram mais adversas que as atuais. Nestas eleições, esperamos uma observação internacional muito mais consistente do que em 2015. Irei em breve às Nações Unidas, para conversar com seu secretário-geral, António Guterres. Estamos exigindo junto às autoridades eleitorais do país a presença de uma delegação da União Europeia.

P. O que ocorrerá se essas exigências não forem cumpridas?

R. Se você assina um contrato, com condições estabelecidas, e as cláusulas não são respeitadas, não há condições de cumprir o acordo. Nós nos retiraríamos. Mas o mais interessado em cumprir essas condições pactuadas é o próprio Governo.

P. Por quê?

R. Porque o Governo de Maduro não tem possibilidade de manobra. A crise está devorando o país.

P. Você visualiza o Governo de Maduro perdendo as eleições e organizando as coisas para lhe entregar o poder?

R. Não tem outra [saída]. O Governo de Maduro não só é derrotável, como já está derrotado. Cercado pela crise e isolado. Devemos deixar de enviar à população mensagens cruzadas, ajudando o Governo a consolidar a desmotivação. Há setores extremistas da oposição que usam todo seu tempo para me atacar, em vez de se concentrar no verdadeiro adversário, que é Maduro.

P. Como você poderá impor sua autoridade com Forças Armadas que colaboraram ativamente com Maduro?

R. Os militares não são extraterrestres. Têm, como nós, extração popular, sofrem as consequências desta crise. A realidade dos fatos, politicamente, irá fazendo com que a Constituinte perca peso. Depois que eu ganhar as eleições, neste contexto, o clima do país mudará. A Constituinte não tem possibilidade de gerar nenhuma legitimidade depois da votação de maio.

P. O que Henrique Capriles acha de sua candidatura?

R. Tive minhas divergências com Henrique. Nossa relação hoje é excelente porque, para além da política, somos amigos. Temos conversado muito. É uma pessoa com muitos atributos, um líder necessário. Espero que continuemos coincidindo. Aqui ninguém quer ir para um Governo perpétuo: minha presidência será extraordinária, encarnará uma circunstância excepcional, e deverá ser o começo para eliminar esse vício da reeleição. A Venezuela precisa resgatar o valor da alternância [de poder].

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