Morre Forges, o desenhista genial que contou meio século da história da Espanha
Cartunista, colaborador do EL PAÍS desde 1995, tinha 76 anos
![Bernardo Marín](https://imagenes.elpais.com/resizer/v2/https%3A%2F%2Fs3.amazonaws.com%2Farc-authors%2Fprisa%2Fc2bcd393-753e-47b0-8ae1-4c2d89e66e64.png?auth=999d6b05270118c6b4e9209450546fc4640891ded45846f12629da7d5d4c0507&width=100&height=100&smart=true)
![Forges no Festival da Risada de Bilbao em 2010.](https://imagenes.elpais.com/resizer/v2/ZKFP5RUCS3FLM22GBRDYMLEGYU.jpg?auth=e2aa0674b00b194c94bd73dff77ff85815bdfa0775e7679cf06f8f425e27a636&width=414)
Antonio Fraguas de Pablo, mais conhecido como Forges, foi o cartunista que melhor retratou o último meio século da história da Espanha, morreu na madrugada desta quinta-feira em Madri vítima de um câncer de pâncreas, segundo confirmaram fontes de sua família. Tinha 76 anos.
Desde o começo da carreira no jornal Pueblo, em 1964, até suas últimas charges no EL PAÍS – onde publicou ininterruptamente durante os últimos 23 anos – plasmou com ternura e ironia a evolução de uma sociedade que passou do desenvolvimentismo franquista de seus primeiros desenhos ao mundo hipertecnológico de sua última fase. Criou personagens inesquecíveis como o casal formado por Concha e Mariano, Romerales e seus obstinados náufragos. Também foi um inventor de um vocabulário próprio e alguns de seus termos, como “muslamen” (algo como homem coxa) ou “bocata” (um tipo de sanduíche), saltaram dos desenhos para a linguagem popular e foram posteriormente registrados no dicionário da Real Academia.
Forges nasceu em Madri em 17 de janeiro de 1942. Foi o segundo de uma família de nove irmãos. Aos 14 anos começou a trabalhar na Televisão Espanhola, onde começou a desenhar. Em 1964 publicou sua primeira charge na imprensa, no Pueblo, a convite do então chefe do jornal Jesus de la Serna, que o conhecera por intermédio de Jesús Hermida (um celébre apresentador de TV espanhol). Depois colaborou em Informaciones, em Diez Minutos, nas principais revista satíricas que nasceram com a Transição – Hermano Lobo, El Jueves e Por Favor –, no Diario 16 e no El Mundo.
![Uma das primeiras viñetas de Forges, publicada em 'Informações'.](https://imagenes.elpais.com/resizer/v2/HIRS6QRAMMVVDWR7H56IG72NVQ.jpg?auth=3a26f6e55c95ee4b40cf62021853f2bb77f151fd044799fd40082fea15942d84&width=414)
Em 25 de junho de 1995 começou a publicar nas páginas do EL PAÍS, onde se manteve até agora. Em entrevista a Ignacio Carrión sobre sua estreia no jornal, Forges se definiu como meio galego e meio catalão, nascido por acidente em Madri, e torcedor do Athletic de Bilbao. “Somos um conjunto de povos falastrões. A bacia mediterrânea se distingue por isso. Somos ruidosos, faladores, boquirrotos e linguarudos”, acrescentou. Sua primeira charge neste jornal mostrava um diálogo entre dois “blasillos”, outro de seus personagens mais populares. “E como cumprimentamos?”. “Simplesmente dizemos bom dia e pronto”. “De jeito nenhum, se dissermos isso vão nos acusar de manipuladores”. “Poxa, é verdade”.
![Forges no dia de sua contratação no EL PAÍS.](https://imagenes.elpais.com/resizer/v2/UL2RUW57N6BUO7MEVBZR25EJQM.jpg?auth=21b976b70f119e797916e4af2d6306cde510aa1ab0ec70fe2757391dcbd12600&width=414)
Os personagens forgianos e as temáticas de suas charges foram se adaptando às mudanças na sociedade espanhola. Cosma e Blasa, as mulheres do vilarejo que há algumas décadas debulhavam os mistérios do rosário, agora se queixavam de que estavam roubando seu wifi. O diminuto Mariano e a enorme Concha se transformaram em um casal mais equilibrado. Ela emagreceu e se afeiçoou aos livros, enquanto seu marido, que tirou o bigode, continuava obcecado por futebol. Durante a Transição Espanhola (período histórico no qual Espanha mudou do regime ditatorial do general Francisco Franco, para o regime constitucional), Forges arremetia contra os setores nostálgicos que queriam que tudo continuasse como antes, o que então se chamava de El Bunker. Depois abraçou outras causas sociais: a crítica à precariedade trabalhista, a oposição à guerra do Iraque, a defesa da igualdade das mulheres e sua célebre campanha para que os leitores não se esquecessem das vítimas do terremoto do Haiti.
![Primeira charge publicada pelo Forges no EL PAÍS em junho de 1995.](https://imagenes.elpais.com/resizer/v2/N5FIHI7XDQDQYQLT435M4KMTF4.jpg?auth=bdca7eaddbd80d21c1c7842d425e5e8ed8a252005b3b122714a4880574c2d063&width=414)
Além das charges nos jornais, Forges foi autor de numerosos livros. O primeiro deles foi publicado em 1972 com o título El Libro de Forges. Elaborou uma engenhosa história da Espanha em charges, História de Aquí. Dirigiu dois filmes e várias séries de humor para a televisão. Escreveu um romance, Doce de Babilonia. E recebeu múltiplos prêmios e distinções, como a Medalha de Ouro ao Mérito no Trabalho em 2007, o Prêmio Nacional de Jornalismo, o Prêmio Latino-americano de Humor Gráfico Quevedos em 2014 e o título de doutor honoris causa nas universidades Miguel Hernández de Elche e Alcalá de Henares. Em 2014 foi lançada uma coleção de selos com suas charges.
Nos últimos anos Forges abraçou com entusiasmo a internet e as redes sociais. Era o colaborador do EL PAÍS com mais seguidores no Twitter, mais de meio milhão. Às vezes telefonava para a redação do jornal para corrigir erros ou fazer sugestões. Suas comunicações sempre terminavam com um caloroso “aqui um amigo”.
![Forges recebe o título de doutor honoris causa na Universidade de Alcalá de Henares, em 2016.](https://imagenes.elpais.com/resizer/v2/P4BKWV5SEXHQ2HK7DR4SIEVVBQ.jpg?auth=3b46821a42a69d99770e77af926cce57d61f9edd422c3dac5086e67e659a6624&width=414)
Em uma entrevista pelo 40º aniversário do EL PAÍS, deixou clara sua fé no progresso tecnológico. “Todas as gerações acreditam ser importantíssimas para a inteligência da humanidade. Sempre tendemos a ver o mundo de nosso ponto de vista. Eu não sinto que migrei para uma nova cultura, eu sou parte dessa nova cultura. Não tenho medo da tecnologia e acredito que é uma das vantagens que temos na busca da liberdade”.