Mísseis para receber os Jogos da Paz
Quase 3.000 atletas participam dos Jogos Olímpicos de Inverno 2018 na Coreia do Sul. 24 horas antes da cerimônia de abertura, a Coreia Norte realizou um desfile militar
Tudo está pronto para os Jogos Olímpicos mais politizados desde a guerra fria. A Coreia do Norte, a grande protagonista depois de aceitar – contra todos os prognósticos – participar do evento organizado pela Coreia do Sul, afirma não querer transformar a competição em palanque político. Mas na quinta-feira (8), 24 horas antes da cerimônia de abertura no condado de Pyeongchang, o norte enviou uma dupla mensagem: realizou um desfile para exibir mísseis intercontinentais em sua capital, uma advertência sobre a fragilidade do incipiente degelo entre os dois países. No sul, por outro lado, a delegação norte-coreana participou de iniciativas de fraternidade.
Nenhum palanque é mais político do que o palco do Estádio Olímpico de Pyeongchang nesta sexta-feira, quando as duas Coreias marcharam juntas no desfile de abertura graças ao súbito degelo em suas relações desde as conversações de janeiro.
Lá estava a delegação norte-coreana de mais alto nível que já pisou no Sul desde o fim da guerra (1950-1953), liderada pelo chefe de Estado Kim Yong-nam – uma figura protocolar – mas também Kim Yo-Jong, a irmã do líder Kim Jong-un. A delegação, que chegou ao Sul em um avião particular nesta sexta-feira às 13h30 (2h30 em Brasília), encontrará não apenas com o presidente do Sul, Moon Jae-in, partidário de uma aproximação com o país vizinho. Também estará lá o vice-presidente dos EUA, Mike Pence, que advertiu, ao chegar ao país na quinta-feira, que “todas as possibilidades continuam abertas”.
A Coreia do Norte indicou, por meio de um alto funcionário do Ministério das Relações Exteriores, Cho Yong-sam, que o país “não tem intenção” de se reunir com os Estados Unidos: “nunca suplicamos pela realização de um diálogo e jamais o faremos”.
Mas nem ele nem Pence descartaram que algum tipo de comunicação aconteça, no palco ou na antessala, entre os dois países que protagonizaram um constante aumento da tensão entre ameaças e insultos sobre o programa nuclear de Pyongyang durante o ano passado. O vice-presidente dos EUA declarou que “pode haver uma oportunidade para algum tipo de encontro com os norte-coreanos... temos de esperar e ver como se desenvolve”.
Quem se reunirá em um almoço no sábado em Seul para intensificar a aproximação serão os altos representantes norte-coreanos e o presidente Moon, conforme anunciou a presidência sul-coreana. Será o encontro de mais alto nível entre líderes das duas Coreias já realizado no Sul, e a imprensa de Seul não descarta que Kim Yo-Jong possa entregar uma mensagem pessoal de seu irmão.
Durante duas semanas, mais de 3.000 atletas de 93 equipes participarão da competição, que terminará no dia 25, disputando 103 medalhas em 15 modalidades. São assistidos por 17.300 voluntários, a imprensa e milhares de espectadores que viajarão a essa cidade litorânea para acompanhar as competições. A cerimônia de abertura é o evento mais procurado, com ingressos que custam cerca de 1.500 euros (cerca de 6.040 reais); os ingressos mais baratos, para modalidades menos populares, custam aproximadamente 40 euros.
Os 22 atletas da Coreia do Norte, cercados por um forte esquema de segurança, participarão de cinco disciplinas – patinação artística, patinação de velocidade, esqui alpino, esqui cross-country e hóquei no gelo feminino, nesta última em uma equipe conjunta com a Coreia do Sul. No bloco que os atletas ocupam na Vila Olímpica de Gangneung, uma bandeira gigante de seu país tremula há alguns dias, algo que, em qualquer outro momento, em qualquer outro ponto do Sul, é rigorosamente proibido; mas aqui é permitido pelo Comitê Olímpico Internacional.
Além disso, a Coreia do Norte enviou mais de 200 torcedores e uma equipe de lutadores tae-kwon-do para participar de quatro exibições. Na quinta-feira, uma orquestra feminina, a Samjiyon, fez uma apresentação no Centro de Arte de Gangneung, com opiniões divididas.
“Vim porque acredito que as duas Coreias são apenas uma e devemos nos reunificar. Falamos a mesma língua, compartilhamos a mesma história e o mesmo sangue. Temos que nos aproximar”, disse na fila de entrada Kim Joung-gu, executivo de 42 anos e um dos 560 felizardos que conseguira um ingresso, das quase 40.000 pessoas que participaram de um sorteio.
No outro extremo da rua, cerca de cem pessoas com bandeiras sul-coreanas e norte-americanas protestavam contra qualquer concessão à Coreia do Norte. “Eles não são sinceros, se aproximam quando lhes convém e essa apresentação musical de hoje é mais um exemplo, eles sofrem com as sanções e querem conseguir algo; mas no fundo sempre querem nos destruir”, disse Benedict Lee, um aposentado de 73 anos.
Na Vila Olímpica de Gangneung, onde os primeiros atletas já estrearam na quinta-feira nas primeiras modalidades – curling e salto de esqui –, as animadoras e os atletas norte-coreanos participaram timidamente de uma cerimônia de boas-vindas. Poucos responderam às perguntas. “É complicado. É complicado”, limitou-se a responder uma atleta.
O grande temor em Gangneung e Pyeongchang, as duas cidades olímpicas, não é a Coreia do Norte. Uma cepa de norovírus particularmente contagiosa, que já infectou 128 voluntários, é encarada como uma ameaça muito mais séria. Os organizadores sul-coreanos estão empenhados em impedir que o vírus, que provoca fortes vômitos e diarreia, contagie os atletas, o que seria um grave problema para os Jogos.
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