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Briga entre Rafael Correa e sucessor eleva tensão no Equador

Ex-presidente recebe vaias e ovadas em sua campanha para poder ser candidato outra vez

O ex-presidente equatoriano Rafael Correa durante um comício.
O ex-presidente equatoriano Rafael Correa durante um comício.J. Jácome (EFE)
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Rafael Correa arrisca tudo no próximo domingo, dia 4. Uma cédula com sete perguntas definirá seu legado e seu futuro. Nesse dia, o povo equatoriano voltará às urnas pela terceira vez em menos de um ano, depois das eleições de 2017, para decidir se permite que o ex-presidente volte ao poder algum dia, ou se lhe fecha as portas para sempre. A consulta popular, convocada pelo presidente Lenín Moreno, transformou-se num duelo entre o líder histórico da Revolução Cidadã e seu sucessor, obrigando a população a escolher entre dois pais divorciados.

A tensão foi crescendo na reta final da campanha para o referendo, contrapondo os seguidores de Moreno, partidários do sim, e os adeptos de Correa, que gostariam de ver seu líder novamente disputando a presidência. Na sua passagem por cidades e povoados, Rafael Correa precisou enfrentar manifestações de ódio e inclusive agressões, algo que raras vezes encarou como presidente do Equador. Foi alvo de uma chuva de ovos e de insultos. Também teve seus trajetos bloqueados por manifestantes nas principais ruas de algumas localidades, o que evitou que chegasse a áreas onde seria bem-vindo por alguns e repudiado por outros, como reflexo do ambiente polarizado no qual transferiu o poder a Moreno em maio de 2017.

Seu sucessor, por sua vez, respira numa atmosfera de tranquilidade que ele interrompeu voluntariamente nesta semana para dar o impulso final ao voto no sim. Até agora, era a sua vice, María Alejandra Vicuña, quem liderava essa campanha. Moreno agora se incorporou à caravana que busca garantir a tendência apontada pelas pesquisas. Todos os institutos – Cedatos, Click e Diagnóstico – dão uma ampla vantagem ao sim, com uma intenção de votos que varia de 59% a 84%, dependendo da pergunta. A que propõe a morte civil – inabilitação vitalícia para o exercício de cargo público – de funcionários corruptos é a que obtém resultados mais contundentes, como resposta às incontáveis investigações iniciadas nos últimos seis meses contra os responsáveis pela Administração anterior. A menos convincente se refere à revogação da lei da mais-valia, aprovada por Correa com forte oposição em 2016, que sobretaxa a especulação imobiliária.

Em nenhuma das perguntas, segundo as pesquisas, o eleitorado se inclina para a posição pró-Correa, apesar de o ex-mandatário ter voltado ao Equador no começo de janeiro para empreender uma campanha pelo não que desde então o faz “gastar a sola do sapato”, como dizem seus aliados. Correa já recorreu a quase todas as alternativas para tentar impedir a consulta popular. Embora critique o suposto “bloqueio mediático” de que seria vítima, tem concedido entrevistas a rádios e televisões – mas não à imprensa escrita, à qual sempre se negou a atender e que criticou quando era presidente. “Não temos publicidade. Faz só dois dias que saíram as primeiras peças em prol do não, porque o Conselho Nacional Eleitoral do Equador (CNE) havia nos bloqueado, e só conseguimos passar spots de apenas 20 segundos”, denunciou.

Com sua campanha, Correa tornou-se o principal opositor de Moreno, da consulta e do Governo. Não deixou de repetir sua máxima eleitoral: não às perguntas 2, 3 e 6 e, de passagem, a todas as demais. A número 2 refere-se à reeleição indefinida; a sexta, à lei da mais-valia; e a terceira propõe retirar de seus cargos as autoridades de controle nomeadas durante o mandato de Correa. É a mais polêmica.

Se essa proposta for aprovada, o procurador-geral, o procurador do Estado, o chefe do Tribunal de Contas, o defensor do povo e todos os superintendentes poderão ser substituídos por um novo Conselho de Participação Cidadã e Controle Social, a ser eleito pelo Parlamento entre nomes propostos pelo presidente. Com essa reforma, Moreno pretende depurar os ocupantes de cargos de responsabilidade nomeados durante o Governo de seu antecessor.

Mas para o ex-mandatário, trata-se de uma artimanha de Moreno para designar autoridades afins aos seus próprios interesses políticos. É um dos argumentos com os quais Correa recorreu à Organização de Estados Americanos e à Corte Interamericana de Direitos Humanos, denunciando que a consulta representa uma “alteração da ordem democrática”. A vice-presidenta Vicuña foi taxativa quanto ao pedido de informações: “Este processo está apegado ao Direito, ao que estabelece a Constituição, e conta com legitimidade porque é o resultado de um processo de diálogo nacional. A Comissão Interamericana de Direitos Humanos não tem caráter vinculante”.

Correa, que aparece como eleitor cadastrado na Bélgica, também buscou o apoio da esquerda espanhola (Podemos e Esquerda Unida) para convencer os migrantes equatorianos nesse país europeu de que, se a consulta for bem sucedida, eles voltarão a ser despejados de suas casas pelos bancos. Sua estratégia leva em conta que 44% dos eleitores no exterior residem na Espanha, e que nas eleições presidenciais do ano passado esse contingente votou majoritariamente na Aliança País, de Correa.

Outros partidos, sejam conservadores ou progressistas, se alinharam à proposta governista, mas mantendo distância. O movimento CREO, por exemplo, recorda que a ideia de convocar uma consulta popular para eliminar, entre outras coisas, a reeleição indefinida foi uma proposta eleitoral de seu candidato, Guillermo Lasso. Já a facção correísta do Aliança País, agora privada da sua marca Revolução Cidadã, está tramitando a criação de um novo partido, com logotipo e um nome que, seja ele qual for, terá as iniciais RC, de Rafael Correa.

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