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Fartos do Tinder: a solidão está virando o grande negócio do século XXI

Agências ressurgem como uma alternativa eficaz e profissional na busca de um par para os decepcionados com os sites de encontros

Georgina Campbell e Joe Cole em 'Hang the DJ', episódio de 'Black Mirror'.
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Sem dúvida, a solidão será o grande negócio do século XXI. Há alguns meses lia uma reportagem em uma revista norte-americana que dizia que nos EUA já há pessoas que, por dinheiro, passeiam com outras do mesmo modo que levam os cachorros de outras para dar uma volta, as que não têm tempo para fazer isso. Nesse caso, os clientes pagam para ter uma pessoa com quem conversar por algum tempo, realizar alguma atividade ou tomar um café.

Mas se as relações pessoais estão complicadas na era das comunicações, as amorosas estão ainda mais. As redes sociais que prometiam conectar as pessoas acabaram por isolá-las, e os sites de encontros que se vislumbravam como eficientes e rápidos arranjadores virtuais de um par transformaram o divertido flerte em uma tarefa mais típica de agência. Registrar-se, preencher formulários, responder a e-mails e passar horas e horas diante de uma tela antes de chegar ao difícil, e já pouco comum, exercício do cara a cara e traduzir o relacionamento digital para o mundo real. Algo que costuma desapontar.

O Brasil é o terceiro país com o maior número de usuários do Tinder no mundo, atrás apenas dos Estados Unidos e Reino Unido: um 10% do país usa o aplicativo. “A acessibilidade e a quantidade são duas das vantagens-inconvenientes destes portais”, afirma Patricia López, coach e matchmaker (termo inglês para designar as novas arranjadoras de encontros que trabalham nas novas agências matrimoniais), na Unics. “A possibilidade de ter acesso a um número ilimitado de pessoas pode ser vista como algo muito positivo, mas também pode desembocar em um consumismo. Consumimos gente como produtos ou bens, o que nos faz ter muito pouca tolerância com os demais. Resumindo: há muitos, o que significa que ao menor problema ou gesto que nos desagrade apagamos o candidato e vamos em busca de outro. E mesmo que isso não aconteça, sempre pode aparecer um terceiro para nos distrair, porque parece mais interessante ou tem melhor aparência. As pessoas vão de flor em flor sem parar em nenhuma e no final isto provoca um cansaço. Investiu-se muito tempo, energia, esperanças, expectativas, sentimentos para se acabar pior que antes”, observa esta coach.

A pouca veracidade dos perfis, os generosos retoques do Photoshop e a bipolaridade que muitos já exibem, com duas personalidades diferentes, uma para a rede e outra para a dura realidade, são outros dos inconvenientes que fizeram com que muitos prognosticassem que a era Tinder logo chegará ao fim, ao menos tal como a conhecemos até agora. Talvez surja algo tão malvado como o que relata Hang the DJ um dos melhores e mais comentados episódios da nova temporada de Black Mirror.

Os cupidos de hoje em dia são chamados de matchmakers e a diferença é que não têm os olhos vendados, mas bem abertos, e alternam os logaritmos usados pelos sites de contatos com softwares de reconhecimento facial ou os métodos mais tradicionais de arranjar matrimônio, alguns deles utilizados ainda em comunidades religiosas judias ortodoxas (como conta um artigo da revista Insider), nas quais os solteiros escrevem seus perfis junto com seus pais para dá-los a seus mentores, para que estes lhes busquem um par.

A pergunta do milhão é o que você precisa em um relacionamento para ser feliz?

As agências de machtmakers são um pouco mais caras do que a inscrição em algum site de encontros, mas garantem rapidez e mais eficácia, além de assessoria psicológica aos corações solitários, os que não viraram a página e ainda dormem com o fantasma de seu ex, ou os que têm a autoestima alta demais e pedem o impossível.

Existe também o que o artigo da Insider chama de ‘experimento da geleia’. Em 1995, dois pesquisadores, Sheena Iyengar, da Universidade Colúmbia, e Mark Lepper, da Stanford, fizeram uma experiência em uma loja de comestíveis. Puseram de 24 a 30 potes de geleia em uma grande prateleira, e 6 potes em outra menor. A prateleira maior atraía mais gente, mas a pequena registrou mais vendas. É o que se conhece como “o paradoxo da escolha”: é mais difícil decidir-se quando há possibilidades demais, já que isso causa incerteza. A função dos matchmakers é reduzir o máximo possível essas ilimitadas opções.

Connecting people, com grandes doses de psicologia

A Samsara, em Barcelona, é uma das poucas agências espanholas que sobreviveram ao tsunami do surgimento dos sites de encontros. Segundo Maria del Carme Banús, fundadora e diretora, “as agências matrimoniais apareceram na Espanha em torno dos anos 60 e sua função era encontrar um par para os viúvos ou as solteiras de mais idade. Gente que não ia a discotecas, que não saía e tinha dificuldade para relacionar-se com pessoas novas. A Samsara nasceu em 1995. A lei do divórcio deixava muitos desacompanhados e com vontade de iniciar um novo relacionamento, mas em 2000 começaram a se popularizar os sites de encontros. Nós nos mantivemos porque estávamos bem posicionados, éramos sérios e prestávamos um bom serviço. Nosso trabalho é como o de um médico ou um advogado e se estrutura em quatro passos: conhecimento da pessoa, apresentação de candidatos afins, proporcionar meios para se conhecerem e acompanhamento durante o processo”, afirma Banús.

Talvez as redes sociais e os portais de encontros sejam uma boa opção se você está procurando algo por uma noite ou várias. Mas se está determinado a encontrar sua alma gêmea, é melhor voltar aos métodos tradicionais: sair, se inscrever em atividades para conhecer pessoas ou recorrer aos amigos e praticar o slogan da Nokia, “connecting people” (conectando pessoas).

Os solteiros/as de 45 para cima estão especialmente desorientados, em terra de ninguém. Uma situação semelhante aos desempregados da mesma idade, com a ameaça de não voltar mais ao mercado de trabalho pelo resto de suas vidas, a menos que vendam sua alma ao diabo em troca de um tratamento antienvelhecimento, integral e cósmico.

Silvia, com 46 anos (Madri) e solteira, lembra de seu período de Tinder com grandes doses de sarcasmo e acidez, agora que abraçou o que muitos chamam de “vida pós-app”. “Assinei vários sites de contatos com a ideia de bom, certo, os tempos mudaram e você tem que acompanhar e se agora as pessoas se conhecem pela Internet, pois terá que ser pela Internet, mas o ano e meio que durou a experiência me deu material para escrever um livro. Os homens da minha idade procuram garotas de 30 anos e aqueles que não fazem isso, são geralmente material com defeito. Pensaram que eu fosse uma máquina, um homem, uma lésbica, uma pervertida, uma mulher frígida e uma virgem em busca de sua primeira experiência. A única certeza é que quase tudo é mentira e que é preciso investir muito tempo, muito mais do que se você se dedicar a sair. Uma amiga minha encontrou alguém em um portal, mas é o único caso que conheço. Sempre gostei de flertar, mas comecei a odiar e agora estou voltando a recuperar o gosto”.

“Um dos trabalhos que fazemos na agência”, diz María del Carme Banús, “é o aconselhamento psicológico. Perguntamos por que não funcionaram os relacionamentos anteriores e diferenciamos entre aquilo que as pessoas pedem e o que realmente precisam. A pergunta do milhão é o que você precisa em um relacionamento para ser feliz?, mais do que as pessoas acham importante, como idade, altura, aparência física ou gostos semelhantes. Os homens costumam pedir mulheres mais jovens, mas se você apresenta uma da mesma idade (que acha que pode ser compatível) e eles dão tempo para que se conheçam, depois agradecem que tenham ignorado aquele requisito”. O valor da Samsara está perto dos 1.000 euros (quase 4.000 reais) e inclui todos os serviços por um ano inteiro.

Os ricos também choram (especialmente se estão sozinhos)

Se encontrar a outra metade é difícil para a plebe, muito mais é para os ricos, que adicionam à sua lista de dúvidas existenciais: “Está comigo só pelo meu dinheiro?”. Embora haja também portais exclusivos e pagos na rede, a maioria das fortunas são muito zelosas de sua intimidade, por isso muitos recorrem a serviços especializados.

Personal Matchmaker International é uma agência de alto nível que acaba de desembarcar na Espanha e baseia-se em três premissas fundamentais: privacidade máxima, base de dados internacional com perfis de homens e mulheres sofisticados e garantia de cinco anos para encontrar um relacionamento duradouro. A empresa foi fundada na Holanda há 15 anos e atualmente está presente na Holanda, Bélgica, Luxemburgo e Suíça.

“O valor de full member oscila entre 10.000 e 15.000 euros (entre 40.000 e 60.000 reais) para os homens (cinco anos) e 175 euros (cerca de 690 reais) para as mulheres (dois anos)”, diz Robert Smits, responsável da empresa para a Espanha. “A razão pela qual as mulheres pagam muito menos é que nossos clientes são homens, algo entre 85 a 90%, e temos uma grande demanda por candidatas”.

A primeira coisa que vem à mente é que o sistema de tarifas é um forte incentivo para as caça-fortunas do mundo todo, mas Smits afirma: “procuramos que nossos candidatos sejam independentes economicamente e de um certo nível, o que nem sempre se baseia no número de zeros em sua conta bancária, mas na cultura, educação, experiência, línguas faladas, carisma, etc. Porque hoje sabemos que a classe e o dinheiro nem sempre andam juntos”.

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