Sebastián Piñera ganha as eleições presidenciais do Chile
Conservador venceu com 54,5% dos votos, consolidando a guinada à direita no país
O ex-presidente chileno Sebastián Piñera conseguiu uma vitória muito clara sobre o rival Alejandro Guillier e será outra vez presidente do Chile por quatro anos. O conservador venceu por mais de nove pontos de diferença (54,5% dos votos, ante 45,5% de Guillier). A diferença de nove pontos é muito acima da esperada, o que representa uma derrota muito dura para o progressista, que claramente não conseguiu atrair para si os 20% de chilenos que apoiaram no primeiro turno a esquerdista Frente Amplio. Guillier perdeu inclusive em sua região, Antofagasta. Essa vitória consolida no Chile a guinada liberal da região que teve início em 2015 na Argentina com a vitória de Mauricio Macri, fiel apoiador de Piñera, tanto que até provocou uma grande tensão diplomática ao respaldá-lo abertamente em plena campanha.
Na equipe de Guillier, afirmava-se que a votação acabou sendo menor do que a esperada e caiu em relação ao primeiro turno, o que significaria que o candidato progressista não conseguiu a mobilização do voto da Frente Amplio de que necessitava para reverter uma eleição na qual nunca foi o favorito. Guillier tentou transformar a eleição em um plebiscito contra Piñera, um dos homens mais ricos do país, ao mobilizar o voto anti-direita, mas não conseguiu. As pesquisas, que indicavam um empate técnico, voltaram a falhar.
O Chile debatia se daria uma guinada à direita com Piñera ou se manteria com Guillier o eixo de centro-esquerda em que se colocou com Bachelet há quatro anos, e que dominou quase toda a fase democrática recente do país. Mas a verdade é que a mudança não seria radical em nenhum dos casos. Até mesmo Piñera, na reta final, aceitou indiretamente a polêmica gratuidade da educação universitária promovida por Bachelet. Piñera, que não tem maioria no Parlamento, precisa se aproximar de deputados progressistas moderados para levar adiante suas leis, e isso garante uma transição tranquila.
Com Guillier haveria o aprofundamento das reformas progressistas de Bachelet, com Piñera deve haver parada e reposicionamento, mas é difícil imaginar uma volta atrás radical sequer em uma lei tão polêmica para a direita como a descriminalização parcial do aborto, aprovada por Bachelet na reta final de seu mandato. O mais provável é que Piñera não dê um passo além em direitos civis ou em reformas progressistas, mas é difícil imaginar um forte retrocesso. Não tem força política para isso, nem vontade de se meter nesse vespeiro.
Seu ambiente é o da economia, com redução de impostos —tampouco radicais, sem margem devido ao déficit fiscal— e medidas em favor das empresas para dinamizar a economia. O Chile tem números invejáveis no entorno latino-americano —1,5% de déficit e 25% de dívida— mas altas para sua linha tradicional de equilíbrio fiscal. Então com qualquer um dos dois presidentes esperava-se uma transição tranquila, não uma virada radical.
Tudo indica que Guillier não conseguiu a mobilização de que necessitava no voto de esquerda e de protesto que respaldou a Frente Amplio no primeiro turno. O jornalista que saltou para a política precisava do apoio de todos os votantes da esquerdista Frente Amplio para reverter os resultados do primeiro turno, no qual Piñera obteve 15 pontos de vantagem. E os níveis de participação, menores do que no primeiro turno, indicam que muitos deles preferiram ficar em casa a votar em um candidato socialdemocrata e permitiram assim a vitória de Piñera.
Apesar do drama da reta final de campanha, com uma tensão política muito forte para o tranquilo Chile, os dois candidatos demonstraram um tom conciliador no dia do pleito. Se conhecem bem, até trabalharam juntos, quando Piñera contratou Guillier como âncora de sua emissora de televisão. Os dois se cumprimentaram e se comprometeram a telefonar imediatamente um para o outro para reconhecer a vitória. “As diferenças não nos transformam em inimigos. Quero cumprimentar Alejandro Guillier, tenho apreço por ele, trabalhamos juntos no passado. Também espero que continuemos a trabalhar juntos no futuro”, afirmou Piñera. “Vamos ganhar por uma diferença clara, pequena, mas clara. Quero enviar um abraço fraterno a todos os chilenos e chilenas, incluindo o líder da oposição”, encerrou Guillier.
A Frente Amplio tem um grande protagonismo nesse segundo turno, muito maior do que conseguiu no primeiro, porque seus 20% são decisivos. E isso fez com que o dia das eleições gerasse ainda mais interesse midiático e entusiasmo da população na votação de Beatriz Sánchez, a jornalista que surpreendeu a todos e colocou as pesquisas em situação ridícula ao ficar muito perto de ir para o segundo turno como candidata da Frente Amplio. Em suas declarações, Sánchez apontou as dificuldades que Guillier teria para conquistar os eleitores do partido que ela representa, situada à esquerda do líder do grupo socialdemocrata. Ela disse que votará no candidato progressista, mas deixou muito clara a distância entre ele e seu grupo.
“Nós, como Frente Amplio, nos apresentamos como projeto de país, vamos fazer oposição a qualquer um dos candidatos. Não vamos participar do Governo. Não vamos estabelecer negociação. Nos colocamos como oposição ao que ganhar. Eu disse em quem vou votar [Guillier] mas as pessoas são donas de seus votos. Não me sinto possuidora dos votos de ninguém. Não fiz uma convocação a votar”, insistiu.
Essa distância demonstrada pela Frente Amplio em relação a Guillier, apesar de seus dirigentes importantes terem dito no último momento que votariam nele, contrasta com o voto da direita, totalmente unida com Piñera. Tanto é que o candidato à direita do ex-presidente, José Antonio Kast, um ultracatólico pinochetista, não só pediu o voto abertamente desde o primeiro minuto para Piñera como foi a uma seção eleitoral interceder em favor do ex-presidente como um gesto a mais para reunir todos os votos diante da esquerda desagregada.
A participação de Kast gerou os únicos momentos tensos de um dia muito tranquilo, como é de costume no Chile. Alguns cidadãos xingaram o dirigente direitista que teve de ser protegido pelas forças da ordem no colégio eleitoral do Estádio Nacional, em Santiago. Os gritos e a tensão continuaram por mais de uma hora, mas os agentes impediram que chegassem a vias de fato. Kast se mantinha firme em sua cadeira enquanto o atacavam.
Nos últimos dias inclusive se tentou instilar nos eleitores de direita o medo de uma vitória de Guillier, apoiado pela Frente Amplio, com o termo “Chilezuela” —uma mistura de Chile e Venezuela— pelo temor de que o Chile entrasse em um caminho bolivariano. É algo tão irreal em um país em que até a intenção de Michelle Bachellet de tornar gratuita a educação universitária teve enormes resistências que virou piada. “A ideia de Chilezuela é ridícula, ficará como um ponto de humor nessa campanha”, riu Sánchez. Nada é tão dramático no Chile como costuma ser em seus vizinhos latino-americanos, sequer a política.
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