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Editoriais
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Crimes gravíssimos

Mesmo causando dificuldades políticas, a Justiça não pode deixar de agir

El País
Vários dos secretários do Govern de Puigdemont
Vários dos secretários do Govern de PuigdemontLuis Sevillano Arribas (EL PAÍS)
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É compreensível que o envio à prisão de metade do ex-governo da Catalunha cause inquietude frente ao lógico e majoritário desejo de se recuperar o quanto antes a normalidade democrática e social. Mas nesses graves momentos cabe lembrar o fundamental: os únicos responsáveis por reação tão contundente da Justiça são os políticos e líderes sociais que, como conluio golpista civil bem organizado, agiram transgredindo a lei reiterada e conscientemente. Os únicos responsáveis pela Justiça participar, já inevitavelmente, da campanha eleitoral catalã de 21 de dezembro são eles por supostamente cometerem crimes de extrema gravidade.

O auto da juíza Carmen Lamela deixa poucas dúvidas sobre a obstinação e a reincidência coletiva dos que, evitando o ordenamento jurídico, propuseram já em outubro de 2015 um roteiro bem planejado para chegar à independência. Não se trata, como alguns argumentam, de enviar à prisão oito políticos por suas ideias, mas por um desacato reiterado às resoluções do Tribunal Constitucional contrárias às leis que o independentismo aprovou. Para eles, os acusados não hesitaram em promover a agitação social, orientada, como diz o auto judicial, “a gerar instabilidade política e econômica que forçasse o Estado a aceitar a negociação da separação”.

O quanto pior, melhor, será o mantra mais apreciado dos favoráveis à ruptura nessa campanha. O bloco separatista não hesitou em desprestigiar a Espanha (país a abater) semeando a dúvida sobre a independência da Justiça e apontando como “presos políticos” os líderes sociais Sànchez e Jordi Cuixart, agitadores necessários em seu plano de ruptura. Os oito políticos que a juíza enviou agora à prisão não são os primeiros na cadeia nesse país. É bom lembrar que muitos dos que os precederam pertencem ao partido governante, o de Mariano Rajoy, o que demonstra a independência judicial e não o contrário. Porque os políticos não podem estar apartados do peso da lei que marca o Código Penal.

Os únicos responsáveis pela contundência da Justiça são os políticos que transgrediram a lei

A contundência da Justiça, paradoxalmente, favorece a causa independentista em sua lógica vitimista, mas é essencial compreender que o ritmo da máquina judiciária também é independente da política e que não cabe, na democracia, mais do que acatá-lo. Somente a política será capaz de resolver permanentemente o conflito catalão, mas não existe política possível e democrática sem Justiça e sem o respeito e a aplicação do peso da lei.

O dramático desenlace judicial do processo prova a extrema gravidade da situação em que nos encontramos. Ainda assim, não deve existir espaço para o medo. A democracia espanhola não pode cair na armadilha das ameaças intimidatórias do independentismo catalão, sempre deixando no ar a possibilidade da revolta violenta e massiva contra as decisões do Estado de Direito. O ex-presidente Artur Mas utilizou novamente a estratégia quando, na Audiência Nacional, alertou na quinta-feira de que “quanto mais gasolina e lenha se jogar ao fogo, maior o seu tamanho”. São ameaças que agora se voltam contra os acusados por defenderem o possível crime de rebelião do qual são acusados. Porque, como alega a juíza Lamela, pode existir crime de rebelião na incitação às manifestações de força e tumultuadas, como as de 21 de setembro. “Se houver boa vontade e se aceitar a nova realidade, não ocorrerá um choque entre polícias”, chegou a dizer o secretário do Interior Joaquim Forn após o referendo de 1 de outubro em declarações reunidas no auto judicial.

A democracia não pode cair nas armadilhas das ameaças intimidatórias do independentismo

Tempos difíceis nos aguardam nos quais é conveniente não se deixar arrastar pela grosseira dinâmica promovida por Puigdemont e os seus. Uma democracia que demonstrou sua maturidade nessa crise não pode se deixar intimidar por bravatas de políticos dispostos a fazer saltar pelos ares o ordenamento legal e menos ainda por decisões judiciais tomadas corretamente, por mais inoportunas que pareçam em um contexto de tanta tensão política.

Carles Puigdemont e os seus também são os únicos responsáveis por essa tensão política e social, que ao desobedecerem sua destituição desafiaram o Estado desde sábado agindo como se estivessem normalmente em seus cargos. O ex-presidente Puigdemont é, além disso, duplamente responsável pela juíza ter levado em conta sua covarde e ridícula fuga à Bélgica para decretar a prisão dos outros para evitar sua possível fuga. O ex-secretário Santi Vila teve a lucidez de renunciar para não se ver envolvido na declaração unilateral de independência. Por isso recebeu um tratamento diferenciado e lhe foi imposta uma fiança. Os demais poderiam tê-lo imitado, renunciando ou convocando eleições, como lhes foi insistentemente oferecido. Mas preferiram seguir em frente sabendo da gravidade dos crimes que cometiam e assim envolvendo todos em um grave problema político e penal que agora a política deverá gerir da forma mais inteligente possível.

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